terça-feira, 18 de setembro de 2012

FRANCISCO DE SALES TORRES HOMEM

José Ozildo dos Santos


O
 CONSELHEIRO SALES TORRES HOMEM nasceu na cidade do Rio de Janeiro, aos 29 de janeiro de 1812 (1). Foram seus pais Apolinário Torres Homem e Maria Patrícia. No entanto, “filho de uma quitandeira, deve ter tido, contudo, do lado paterno, uma assistência vigilante nos primeiros anos” (2), visto que seu pai era sacerdote. Em sua terra natal fez seus primeiros e estudou “latim, francês, philosophia moral e racional, rhetorica e matemathicas elementares, seguindo depois o curso da antiga Academia medico-cyrurgica, e manifestando sempre comprehenção facílima, memória prodigiosa e imaginação viva e brilhante” (3).


Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1832), na capital do Império, chegou a se preparar para disputar uma vaga professor na antiga academia, no entanto, “a sua vaidade (dizia-o elle) o arrebatou, impondo-lhe a própria carreira, para que sentia negação” (4).
Foi por esse tempo que travou conhecimento com ilustre estadista Evaristo da Veiga, redator da ‘Aurora Fluminense’ e chefe do Partido Liberal. Aquele, conhecedor do talento de Sales Torres Homem, “fê-lo, sem prévia consulta por habil calculo, admittir membro da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, e immediatamente elegê-lo para o Conselho Nacional e para um dos redactores da gazeta da mesma sociedade” (5).
Cedo o jovem Sales Torres Homem revelou-se um exímio jornalista, merecendo os mais significativos elogios de Evaristo da Veiga, que nas páginas da Aurora Fluminense, passou a recomendar a leitura dos seus artigos por serem escritos com eloqüência e beleza de estilo. E, “o credito que merecidamente ganhou na imprensa como intelligencia de primeira ordem, e como escriptor de elegância já então notável, facilitou-lhe com o concurso de Evaristo e de outros viagem à Europa em 1833” (6).
Secretário da Legação e Encarregado dos Negócios da França (1833), na Universidade de Sorbone, cursou Direito. Durante o período em que esteve na capital francesa, “estudou com applicação sufficiente em quem dispunha de extraordinário talento direito constitucional, litteratura, as línguas inglesa e italiana, aprofundou os seus conhecimentos em philosophia, e em história, observou attento, e como se seguisse um curso de sciência política as práticas dos mais celebres oradores parlamentares da França e da Inglaterra, e a escola da melhor imprensa dos diversos partidos políticos, e emfim com precilecção que manteve até seus últimos dias cultivou séria e preceituosamente a economia política e os systemas financeiros dos Estados”(7).
Retornando ao Brasil, dedicou-se aos estudos de Direito Constitucional, Economia Política e Sistemas Financeiros.
Jornalista talentoso, fundou e dirigiu o jornal ‘O Debate’ (1836-1838) e colaborou nos seguintes periódicos:  ‘Independente’  (1831-1833), ‘Nictheroy’ (1836, impresso em Paris), ‘Aurora Fluminense’, ‘Despertado’ (1839-1841 ‘Jornal do Commércio’, ‘Correio Mercantil’ e ‘Minerva Brasiliense’(8).
Ligado politicamente a Evaristo da Veiga, fez oposição ao regente Diogo Feijó. Mas, combateu sistematicamente os conservadores. Em 1849, escreveu o famoso ‘Libero do Povo’ (Tip. da Nação, Lisboa), abordando a ‘Revolta Praeira’ e atacando violentamente o imperialismo. Abordando essa quadra de sua vida, um de seus biógrafos afirma que:
“Trouxe dos estudos em Paris uma grande bagagem literária e política. Foi com esses elementos que redigiu o célebre Libero do Povo, sob o pseudônimo de ‘Timandro’. Desde aí que foi uma personalidade, seu livro foi um acontecimento que o colocou desde logo na primeira plana das sumidades intelectuais.
O Libelo do Povo era bem um libelo no sentido jurídico da palavra. Não poupava a família imperial. Arrastava-lhe os antepassados, mesmo os mais próximos, pela rua das amarguras. Os Bourbons de Nápoles, família da Imperatriz, esses eram os mais impiedosamente tratados.
O Imperador ressentiu-se profundamente desses ataques. Só a sua magnanimidade poderia perdoá-los. Mas ele próprio não poderia nem admitir essa hipótese, a menos de um milagre. O milagre deu-se. Salles Torres Homem, analisando uma situação financeira, mostrou tal superioridade, tão grande mestria no assunto que o Imperador lhe deu uma pasta de ministro para executar seu pensamento [...].
Do seu primeiro encontro com o Imperador tem havido várias versões e vários desmentidos. É inexato que ele se tivesse ajoelhado. Mas a verdade é que proferiu a célebre frase: ‘Senhor, para os grandes crimes as grandes expiações. Esmagado pela generosidade de Vossa Majestade, forçado a retratar-me dos erros de uma mocidade petulante, a expiação do meu orgulho não podia ser maior’ [...]”(9).
Diplomata de carreia, filiado às hostes do Partido Liberal, elegeu-se deputado geral pela Província de Minas Gerais (1845-1847). E, vinculando-se à política carioca, retornou à Assembléia Geral, eleito para as legislaturas de 1848-1850, 1857-1860 e de 1861-1863.
Em 1853, Torres Homem apoiou o governo de conciliação, instituído pelo Marques de Paraná, passando a pertencer às fileiras do Partido Conservador. Ocupava uma cadeira na Assembléia Geral quando foi escolhido para integrar o Gabinete de 12 de dezembro de 1858 (presidido pelo Visconde de Abaeté), na condição de Ministro da Fazenda, em cujo cargo permaneceu até 10 de agosto do ano seguinte (10).
No exercício das referidas funções, combateu a política da pluralidade bancária e as facilidades emissoras de Souza Franco. Para tanto, revogou a autorização dada ao Banco do Brasil, visando elevar a emissão ao triplo do fundo disponível. Assinala um de seus biógrafos, que:
 “O grande período do Salles (assim lhe chamavam os contemporâneos) foi o da questão financeira, o da luta com Souza Franco, partidário e realizador da pluralidade bancária.
Os desastres dessa política financeira de Souza Franco deram-lhe razão ponto por ponto. Tornou-se o grande financeiro do Império na opinião geral. Não chegou a ter o conceito externo de Itaboraí e talvez lhe faltasse a capacidade de execução deste. Mas superava-o no talento e na instantaneidade de visão” (11).
O ministro Torres Homem contraiu empréstimo para liquidar a dívida de 1829 e encampou as Estradas de Ferro D. Pedro II e União e Indústria. Homem de decisão, em 1859 introduziu alterações na estrutura do Tesouro Nacional, que se encontrava em vigor desde a reforma de 1850.
Quando da sua escolha para ocupar o cargo de ministro, parecera difícil compreender-se o esquecimento das injúrias pessoais, que o Timandro lançara à face do Imperador, e da família reinante” (12). No entanto, abordando esse acontecimento, o conselheiro João Manuel Pereira da Silva - que contemporâneo de Torres Homem, faz o seguinte relato:
“Contou-me o Senador Paulino de Sousa que Limpo de Abreu lhe referira ter partido espontaneamente de Sua Majestade a lembrança do nome de Sales Torres Homem para a repartição da Fazenda. Assegurara-lhe o Imperador que não guardava memória de ofensas, e que em todo seu reinado aceitaria os serviços dos homens, que lhe parecessem apropriados às situações do momento” (13).
Conselheiro de Estado (1866) e do Imperador, foi nomeado Presidente do Banco do Brasil (1866). Antes, porém, havia chefiado uma das diretorias do Tesouro Nacional.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto Histórico de França, bem como da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, a convite do Dr. Francisco Gomes da Silva, importante político conservador potiguar, integrou a lista tríplice de candidatos à sucessão do senador Dom Manoel de Assis Mascarenhas (falecido em 1867), formada também pelos bacharéis Jerônimo Cabral Raposo da Câmara e Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto (14).
Promovida a eleição, Torres Homem foi eleito e nomeado senador por carta Imperial de 22 de julho de 1868. No entanto, em 1º de junho de 1869 o Senado do Império anulou a dita eleição, ficando, por conseguinte, sem efeito a mencionada carta de nomeação.
Procedida uma segunda eleição, o futuro visconde de Inhomerim foi novamente escolhido e nomeado por Carta Imperial de 27 de abril de 1870, tornou-se o quinto senador norte-riograndense, no Império. Sua posse ocorreu no dia 20 de junho seguinte (15).
Escolha de Torres Homem para o Senado causou uma crise no Império, que resultou na demissão de todo um gabinete. Oliveira Viana abordando esse momento histórico, assim se expressa:
“Na lista tríplice de senadores pelo Rio Grande do Norte, ao lado de dois ilustres desconhecidos, viera Sales Torres Homem, grande orador e grande escritor, senhor de um dos mais luminosos e cultos talentos da sua época. Dizia-se dele, que trazia na cabeça a chave de todos os problemas nacionais - no que há evidentemente uma boa dose de ilusão, porque Torres Homem pertencia à classe dessas belas inteligências, feitas para o idealismo e a imaginação, mais artísticas do que positivas, mais literárias do que científicas, para quem uma bela frase vale bem uma bela ação e uma palavra eloqüente é sempre a rainha do mundo - regina rerum oratio, à boa maneira romana.
O Imperador – que não tinha ódio aos homens de talento, como Domiciano aos homens de bem – preferiu escolher Sales Torres Homem. Era justo que o fizesse, tanto mais quando os dois outros concorrentes eram entidades se não inteiramente anônimas, pelo menos razoavelmente anônimas. Zacarias, entretanto, discordou, porque tinha um certo ressentimento de Torres Homem. Objetou que não julgava ‘acertada a escolha’; sugeriu a de Amaral Bezerra, figura obscura, mas chefe provincial do partido de Zacarias. Nunca disse por que não julgava acertada a escolha do Imperador; naturalmente, porque sentia que os motivos não eram dos mais elevados, nem recomendaria muito aos olhos da posteridade a sua proverbial austeridade de Catão, censor implacável das faltas e erros alheios.
O Imperador, mais uma vez, não atendeu a Zacarias. Sentindo- se desautorado, Zacarias apresentou a sua demissão, a demissão coletiva do Gabinete” (16).
Pouco tempo após ter sido empossado, teve novamente seu nome lembrado para ocupar a pasta do Ministério da Fazenda, passando a fazer parte do Gabinete de 20 de setembro de 1870, que teve curta duração, chefiado pelo Marquês de São Vicente. Na referida pasta foi substituído em 7 de março de 1871 pelo Visconde do Rio Branco (17).
No Senado, Torres Homem defendeu a Lei do Ventre Lei. Autor de um inflamado discurso sobre o elemento servil, recebeu o título de Visconde com as honras de grandeza de Inhomirim (2º), por decreto de 15 de outubro de 1872 (18), num reconhecimento à sua atuação em defesa da liberdade dos filhos das escravas. No entanto, por conta do ‘Libelo do Povo’ que escreveu em 1848, sempre encontrou oposição por parte de monarquistas e por estes era sempre atacado cada vez que galgava um novo posto. Assim, ocorreu quando foi agraciado com título de visconde. Nesta ocasião, periódico ‘A Reforma’, na Corte, publicou anonimamente os seguintes versos:
“Vós, gramáticos defuntos,
Não vistes o que hoje vi!
Dois diminutivos juntos,
Um português e um tupi!

Inho, até aqui desinência,
Já se antepõe a mirim
Simbolizando a eminência
Do senhor Inho ... mirim!” (19).
Nos últimos anos de vida, vitimado pela asma, o velho conselheiro já não mais brilhava na tribuna e tinha uma pequena participação nos debates no Senado. Na busca de cura para seus males, embarcou para Paris, onde faleceu em 3 de junho de 1876, aos 64 anos de idade, deixando viúva a senhora Isabel Alves Machado, com quem havia casado-se em 1846, no Rio de Janeiro.
O senador Francisco de Sales Torres Homem foi um dos homens mais elegantes do Segundo Império, “feio, mais digno de hombrear-se a um Conde d’Orsay, pelo requinte da maneira e pela espiritualidade”. Mestiço, “caminhava a passo lento e firme, sem olhar para os lados, sempre empavesado, trajando caprichosamente, com apuro irrepreensível” (20).
Admirando por muitos e temido por outros, Torres Homem era “baixo, gordo, pernicurto, pesadão, lábios grossos, óculos de ouro sobre os olhos esbugalhados, tinha um aspecto fechado, convencido e solene. A cor de cera da tez e a longa cabeleira postiça, atenuavam-lhe o mascavo da raça. Não tinha um delise no trajar: pensava que não se deve deixar aos tolos a superioridade de andar bem vestido. Tinha sege e ‘coupé’ particular, com trintanário. Andava sempre de luvas, não na mão, como Quintino Bocayuva, mas calçada. Variava diariamente de gravatas e alfinetes com que quebrava a monotonia da eterna sobrecasaca. Acreditava nas propriedades das pedras preciosas e dava-lhe preferência segundo os dias da semana e a feição da atmosfera. Nabuco de Araújo, referindo ao seu orgulho e à sua fealdade dizia: ‘Se ele não tivesse tanto talento, poderiam chamar-lhe peru de roda. Pavão é que nunca. Para pavão, falta-lhe algum tanto de beleza’[...]”(21).
No Senado, Torres Homem era sempre uma fonte de consulta, à qual sempre recorria seus pares. Dono de uma lucidez chamejante, seu perfil de homem público e intelectual é traçado por Antônio Baptista Pereira, em seu ‘Figuras do Império e outros ensaios’, nos seguintes termos:
“Bom humanista, como os seus grandes contemporâneos de destaque, sabia latim como um padre e trazia Lucrecio de cor. Falava Frances como um parisiense, sem o mínimo sotaque. Seus escritores preferido foram Chateaubriand, Benjamin Constant, Paul Louis Courier e Cormenin.
Grande orador, dos maiores de seu tempo, era simples e magnífico. Não há na história parlamentar da monarquia dia mais memorável do que o em que respondeu a Zacarias que atacava o projeto Rio Branco sobre a emancipação dos nascituros (5 de setembro de 1871).
A asma, de origem cardíaca, que o devia fulminar pouco tempo depois em Paris, já lhe dificultava a respiração e o uso da palavra.
Zacarias fora além de mordaz, eloqüente. Dera o máximo contra essa reforma, a que atribuía, e com razão, a perda da simpatia imperial. Salles não quis deixar a outrem a honra e o perigo do revide. Os contemporâneos, quando ele começou a falar, interrompido por espasmos, assistiram a uma cena quase trágica: a luta do espírito querendo alar-se contra a matéria, buscando cortar-lhe o vôo.
Mas a vontade venceu. Salles conseguiu domar a máquina rebelde. E continuou a falar. O seu discurso [...] é uma peça maravilhosa [...]. Há nele gritos do coração e imprecações que tocam as raias do sublime. Enquanto este não for proscrito do pensamento, como incompatível com a grosseira ambiente, será lido com emoção o discurso de Salles” (22). 
Em vida Torres Homem, além de totalmente absorvido pela política, exerceu a advocacia e a medicina, tendo também dedicado-se ao comércio, ao magistério e ao jornalismo. Na sua valiosa bibliografia destacam-se os seguintes títulos: ‘Sociedade em comandita e bancos de circulação’ (Rio de Janeiro, 1853, discursos), ‘Questões sobre impostos’ (Rio de Janeiro, 1856), ‘Proposta e relatório apresentados à Assembléia Geral Legislativa na 3ª sessão da 10ª legislatura’ (Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1859), ‘Relatório apresentado à Assembléia Geral dos Acionistas do Banco do Brasil’ (Rio de Janeiro, 1867-69).
O visconde de Inhomirim, até o presente, foi o único negro a comandar a economia do país. No parlamento, condenou “a escravidão como sistema desumano, não jurídico e anticristão” e “durante a discussão da Lei do Ventre Livre, demoliu a argumentação dos escravagistas sobre a propriedade dos africanos na condição de bens semoventes, considerando-a uma doutrina absurda e execrável”. Abolicionista ao extremo, “não assumia sua condição de negro, usando perucas e pó-de-arroz, sendo caricaturado como um macaco por charges da época” (23).


NOTAS
1. Alguns autores, a exemplo de Joaquim Manuel de Macedo (Supplemento do Anno Biographico (I). Rio de Janeiro: Typographia, 1880, pág. 419), citam o ano de 1811.
2. PEREIRA, Antônio Baptista. Figuras do Império e outros ensaios. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 1991, pág. 57.
3. MACEDO, Joaquim Manuel de. Op. cit., pág. 419.
4. Idem, idem.
5. Idem, pág. 420.
6. Idem, pág. 422.
7. MACEDO, Joaquim Manuel de. Op. cit., págs. 422-423.
8. Minerva Brasiliense: jornal de ciências, letras e artes, publicado pela Associação de Literatos do Rio de Janeiro. Seu primeiro número circulou no dia 1º de novembro de 1843. Entre seus colaboradores, além de Torres Homem, figuravam Gonçalves de Magalhães, cônego Januário Barbosa, Odorico Mendes e Manoel de Araújo Porto Alegre (SILVA, Innocêncio Francisco da. Diccionário bibliographico portuguez (Tomo VI). Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, págs. 251-252.).
9. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., págs. 57-58.
10. GALVÃO, Miguel Archanjo. Relação dos cidadãos que tomaram parte no governo do Brazil no período de março de 1808 a 15 de novembro de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 26.
11.  PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 58.
12.  SILVA, João Manuel Pereira da. Memórias do meu tempo. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 269.
13. Idem, idem..
14. LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 2 ed. Natal: IHG-RN, 1998, pág. 347.
15. A lista tríplice era formada por Agostinho Leitão (49 votos), brigadeiro José Ignácio Borges (30 votos) e pelo coronel Afonso de Albuquerque Maranhão (21 votos). SENADO DO IMPÉRIO. Notícia dos senadores do Império do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p. 284.
16. VIANA, Oliveira. O ocaso do Império. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2004, págs. 29-30.
17. GALVÃO, Miguel Archanjo. Op. cit., págs. 30-31.
18. SILVA, João Manuel Pereira da. Op. cit.,  p. 579.
19. Visconde negava sua negritude. In: ‘Folha de São Paulo’, São Paulo, edição de sábado, 13 de outubro de 2001.
20. GARCIA JÚNIOR. A elegância masculino no Império. In: Revista Sul América. Ano 21, nº 83. São Paulo, julho/agosto/1940, pág. 22.
21. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 58.
22. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 59.
23. Visconde negava sua negritude. In: ‘Folha de São Paulo’, São Paulo, edição de sábado, 13 de outubro de 2001.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

CRIMES EM PATOS - I

José Ozildo dos Santos

N
o dia 20 de agosto de 1988, por volta das 19:00 horas, Edmundo Martins Alves e os irmãos Antônio Ronaldo, José Renato e Sebastião Xavier de Oliveira encontravam-se bebendo num bar de propriedade do senhor João de Deus Araújo Silva, localizado à Rua Antônio Félix, nº 1025, Bairro da Vitória, na cidade de Patos-PB, quando adentrou ao recinto Francisco Romualdo dos Santos Silvestre, já visivelmente embriagado.
De acordo com o que foi apurado no Inquérito Policial, Francisco Romualdo armado de uma faca peixeira passou a desacatar os presentes, tendo o proprietário pedido que o mesmo se retirasse do recinto o que não foi atendido.
Ficou também demonstrado que Francisco Romualdo, mostrando que portava uma faca na cintura, dirigiu-se até a mesa onde encontravam-se Edmundo Martins Alves e os irmãos Antônio Ronaldo, José Renato e Sebastião Xavier de Oliveira, e solicitou bebida a Edmundo Martins, no que num primeiro momento, foi atendido.
No entanto, Francisco Romualdo derramou a cerveja que lhe foi dada sobre a mesa e no chão, passando a comer o ‘tira gosto’ da equipe, jogando o prato fora após lambê-lo. Segundo consta dos depoimentos dos acusados, Edmundo Martins reagiu contra a atitude de Francisco Romualdo, que sacando de sua faca, tentou ferir seu contendedor.
Edmundo Martins utilizando de uma trave que era usada para fechar a janela do referido bar, enfrentou Francisco Romualdo, tentando desarmá-lo, deferindo-lhes dois fortes golpes, sendo que um atingiu a nuca de seu agressor, deixando-o inconsciente.
Socorrido pelo senhor Francisco Marcos de Araújo Silva, a vítima deu entrada no Hospital Regional de Patos, naquela mesma noite, sendo em seguida transferido às presas para o Hospital Antônio Targino, em Campina Grande-PB, onde, apesar dos cuidados médicos recebidos, veio a falecer nas primeiras horas do dia 23 daquele mês de agosto de 1988, tendo como causa morte traumatismo craniano com contusão e edema cerebral difuso.
Perante a autoridade policial Edmundo Martins assumiu a autoria da ação que culminou com a morte de Francisco Romualdo, inocentando de qualquer ato os colegas com quem bebia, naquela ocasião. Sua versão foi confirmada pelos irmãos Antônio Ronaldo, José Renato e Sebastião Xavier de Oliveira, tendo Edmundo garantido que agiu em legítima defesa.
Também à autoridade policial, Francisco Marcos de Araújo Silva declarou “que na realidade a provocação partiu da vítima, que estava embriagada e armada”. A senhora Maria do Socorro Silvestre da Silva, irmã da vítima, disse que seu irmão “depois de ingerir bebida alcoólica, desentendeu-se com os referidos elementos chegando a puxar uma faca peixeira”.  
 Dentro do prazo legal, o delegado concluiu o Inquérito Policial, remetendo-o ao Ministério Público, alegando que “de acordo com a prova testemunhal, o caso verificou-se da maneira acima, bem como Edmundo confessa com riquezas de detalhes como abateu seu agressor e isenta seus companheiros de farra e luta da responsabilidade criminal”.
Amparado pelas informações colhidas pela autoridade policial, o representante do Ministério Público, ofereceu denúncia contra a pessoa de Edmundo Martins Alves, em 12 de dezembro de 1988, por ter o mesmo infringido o disposto no art. 121, §, 1º, inciso I, do Código Penal.
Posteriormente, perante a autoridade judiciária, Edmundo Martins Alves reconheceu com verdadeira a imputação que lhe estava sendo feita. Contudo, voltou a reafirmar que seus companheiros de farra não participaram do delito e disse que o mesmo não tinha intenção de matar a vítima. Nos autos, seu advogado ratificou a versão já conhecida, afirmando que o acusado “não desejava matar alguém, como de fato, se praticou ato desta natureza é porque fora obrigado” e “quando ocorreu o delito, a vítima com uma faca peixeira, tentava matar o acusado que usando de pau encontrado no recinto defendeu-se da agressão atual e injusta”.
Nomeadas as testemunhas de acusação, estas compareceram diante da autoridade judicial e declaram [a maioria] o que ouviram dizer. Entre os depoimentos colhidos o mais significativo foi fornecido por João Manoel de Araújo, que afirmou que “reside nas proximidades do local onde ocorreu o fato narrado nos autos, e se recorda que avistou a vítima na porta de um bar, quando chegou o acusado com mais três pessoas e passaram a espancar a vítima com cacetadas” e que “não houve qualquer discussão ou luta corporal”.
Assim, com base nesse depoimento, a Promotoria Pública resolveu também denunciar os irmãos Antônio Ronaldo, José Renato e Sebastião Xavier de Oliveira como co-participantes do ato delituoso que resultou na morte de Francisco Romualdo dos Santos Silvestre.
Intimados, os acusados compareceram perante a autoridade judicial e prestaram depoimentos, reafirmando a versão apresentada desde o início pelo acusado Edmundo Martins Alves e negando que tenham produzidos a ação que culminou com a morte da vítima. Antônio Ronaldo declarou que a vítima, intimidando os presentes, disse que somente sairia do bar depois que furasse alguém.
Em 6 de abril de 1991, o representante do Ministério Público ao pedir que fosse admitida a denúncia dos acusados, citou o depoimento de Ana Cristina Gomes, que trouxe aos autos a figura da senhora Josefa Alencar Firmino, informando que “ouviu falar através de sua amiga que o acusado e seus companheiros foram logo agredindo a vítima que saiu correndo do bar e entrou na residência de Zefa; que a depoente ouviu falar que Zefa determinou que a vítima saísse de sua residência pois era uma mulher doente e nervosa, e no instante em que a vítima saiu o acusado e seus companheiros o pegaram e mataram-no a cacetadas”.
Ouvida em juízo, a senhora Josefa Alencar Firmino não confirmou as declarações prestadas por Ana Cristina e declarou que na noite do ocorrido não se encontrava em casa.
No entanto, por entender que havia indícios suficientes da co-autoria, o douto juiz de direito acolheu a denúncia oferecida contra Edmundo Martins e seus companheiros de farra, submetendo-os, com base nas disposições contidas no art. 408, caput, do Código de Processo Penal, a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular.
Ausente, José Renato Xavier de Oliveira não compareceu ao julgamento que se realizou no Fórum Miguel Sátiro, em Patos, no dia 19 de dezembro de 1995. Para os acusados presentes, prevaleceu a tese da legítima defesa, acolhida pelo Tribunal do Júri. No final, a Juíza Presidente do Tribunal do Júri, acatando o veredicto do Conselho de Sentença, julgou improcedente a denuncia e absolveu Edmundo Martins Alves e os irmãos Antônio Ronaldo e Sebastião Xavier de Oliveira, das imputações que lhes atribuíram a Justiça Pública, determinando que fosse expedido mandado de prisão contra o acusado José Renato Xavier de Oliveira, que, embora intimado por edital, não compareceu ao julgamento.
Dentro do prazo legal, o Ministério Público apelou da sentença, amparando seus argumentos nos depoimentos de testemunhas de acusação, inclusive, no que declarou Ana Cristina Gomes, sem, contudo, levar em consideração, que o citado depoimento foi desqualificado pela senhora Josefa Alencar Firmino.
A defesa apresentou suas contra-razões, afirmando que “insiste o representante do Ministério Público em tentar negar a existência de uma faca peixeira em poder da vítima”, contrariando os depoimentos colhidos e o auto de apresentação e apreensão de uma faca, constante nos autos.
Em seu relatório, a Procuradora Geral de Justiça, opinou pelo provimento do recurso, pedindo a submissão dos apelados a novo julgamento. No entanto, entendeu o desembargador Joaquim Sérgio Madruga, que relatou o processo no Tribunal de Justiça, que “a decisão do Tribunal do Júri da Comarca de Patos, absolutória dos três apelados, há que ser mantida, em reverência ao princípio constitucional da soberania dos ‘veredictos’”.
Devolvidos os autos à Comarca de Origem, procederam-se as notificações de direito, quanto ao contido no Acórdão relativo à Apelação Criminal nº 96.0670-0, datado de 7 de maio de 1996, oportunidade em que também foi encaminhada cópia do mandado de prisão contra José Renato Xavier de Oliveira ao Secretário de Segurança Pública do Estado, aos delegados da Polícia Federal de Campina Grande e de João Pessoa, bem como ao da POLINTER. No período de 8 de agosto de 1996 até 20 de março de 2007, o referido mandado de prisão foi renovado diversas vezes, sem, contudo, suprir êxito.
Em 21 de setembro de 2009, face às alterações operadas pela Lei nº 11.689/2008, determinou-se a intimação do acusado por edital. Posteriormente, observadas as determinações legais, o juiz substituto da 1ª Vara Criminal da Comarca de Patos, designou o dia 17 de dezembro de 2009 para a realização do julgamento do acusado José Renato Xavier de Oliveira. No entanto, na data marcada, estando ausente o acusado, o julgamento deixou de ser realizado pela ausência do representante do Ministério Público.
Um segundo julgamento foi marcado para o dia 4 de fevereiro de 2010, que também não foi realizado, face um lapso da escrivania, que não fez publicar o edital de intimação do réu.
Por fim, mesmo ausente, o acusado José Renato Xavier de Oliveira foi julgado em 9 de novembro de 2010, oportunidade em que o Tribunal do Júri acolheu a tese defensiva, consistente em negativa de autoria, conforme narra a sentença, assinada naquela mesma data pela juíza Isabella Joseanne Assunção, determinando também o recolhimento dos mandados de prisão, outrora expedido em desfavor do sentenciado.

domingo, 9 de setembro de 2012

DIOGO VELHO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE


José Ozildo dos Santos

F
oi o último senador norte-riograndense do Império. Nasceu a 9 de novembro de 1829, na antiga ‘Fazenda Chaves’, no município de Pilar, Província da Paraíba, sendo filho de Diogo Velho Cavalcanti Albuquerque e Ângela Sofia Cavalcanti Pessoa. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Olinda, na turma de 1852. Ainda acadêmico de Direito, juntamente com Olinto José Meira (futura Presidente do Rio Grande do Norte), integrou o corpo redacional da ‘ALVA’, a primeira revista literária, que circulou na Cidade da Paraíba do Norte.
Diplomado, iniciou suas atividades profissionais como Promotor Público da Comarca de Areia, no Brejo paraibano, nomeado em princípios de 1853. Naquela cidade, ingressou na política, elegendo-se deputado provincial para a legislatura de 1854-1855, pelo Partido Conservador, do qual, tornou-se seu dirigente na Paraíba.
DIOGO VELHO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Reeleito em 1856, deixou a Assembléia Legislativa Provincial no ano seguinte, após ter sido eleito deputado geral (1857-1860), representando o distrito eleitoral, sediado em Areia, derrotando no referido pleito Joaquim Henriques da Silva, renomado professor de língua latina. Reeleito para as legislaturas de 1861-1864, 1867-1870 (dissolvida a 18 de julho de 1868) e 1873-1876, ao transferir-se para à Corte, passou a chefia do Partido Conservador na Província ao Dr. Anísio Salatiel Carneiro da Cunha, seu antigo colega de turma concluinte na Faculdade de Direito, em Olinda, a quem, em 1871, associou-se num empreendimento, visando construir uma linha férrea, ligando a capital paraibana à Vila de Alagoa Grande, que, por falta de recursos, não teve êxito.
Na Assembléia Geral, Diogo Velho teve uma atuação destacada. Por Carta Imperial de 8 de março de 1862, foi nomeado 2º Vice-Presidente da Província da Paraíba. E, encontrava-se ainda no exercício de suas funções parlamentares, quando foi escolhido por Dom Pedro II, para governar o Piauí, tendo administrado aquela província de 5-11-59 a 12-07-60. Homem probo, presidiu também as províncias do Ceará (27-08-1868 a 25-07-1869) e Pernambuco (30-10-1870 a 26-10-1871). No exercício da presidência dessa última província, lançou a pedra fundamental para a construção do ‘Liceu de Artes e Ofícios’.
Diplomata, monarquista histórico, foi Ministro da Agricultura (1870), da Justiça (1875-1877) e dos Estrangeiros (1877-1878), nos Ministérios de Itaboraí e Caxias, além de ter integrado o Conselho do Império (1889) e sido Diretor da Instrução Pública da Província da Província da Paraíba (1861).
Em junho de 1876, falecendo Francisco de Sales Torres Homem (Visconde de Inhomirim), que representava o Rio Grande do Norte no Senado do Império, Diogo Velho teve seu nome incluído em lista tríplice, juntamente com Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto e Francisco Gomes da Silva. Escolhido a 4 de janeiro de 1877, tornou-se o 6ª Senador da Província do Rio Grande do Norte, tomando posse a 6 de março do referido ano, permanecendo no Senado até a Proclamação da República. Como Senador, defendeu a regularização da propriedade literária no Brasil e a concessão de patentes de invenção.
Por seus relevantes serviços prestados ao Império, foi agraciado com as Comendas da Ordem de Cristo, Grão Cruz da Vila de Viçosa de Portugal e da Coroa Real da Prússia, tendo ainda recebido das mãos de Dom Pedro II, a coroa de visconde.
Em 1889, foi designado Comissário Geral do Império à Exposição Universal de Paris e ali encontrava-se quando foi proclamada a República. Fiel à Monarquia, exilou-se voluntariamente naquela cidade, onde permaneceu com sua família por quase dez anos. Casado com Amélia Machado Coelho da Costa, a Viscondessa de Cavalcanti - a ele deve-se a fundação do ‘Asilo de Mendicidade’ do Rio de Janeiro. Sua esposa, mulher de rara beleza, era profunda estudiosa da Numismática e publicou vários trabalhos sobre as moedas brasileiras e estrangeiras.
Homem culto, o Dr. Diogo Velho era versado no idioma francês e nele publicou vários livros, abordando temas jurídicos, entre eles ‘Aperçu Politique - Droit Administration’ (Paris, Librairie Collillon, 1896), que aborda as leis publicadas no Brasil, durante o período de 1891 a 1896, além de uma novela, intitulada ‘Mariana’.
Jornalista da melhor escol, atuou como redator d’A Imprensa’, jornal político, literário e noticioso, dirigindo pelo Barão de Abiaí, na capital paraibana, que circulou de 1857 a 1862. Paraibano dos mais ilustres e possuidor de uma longa folha de relevantes serviços prestados ao país, o Dr. Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque retornando ao Brasil, faleceu a 14 de julho de 1899, em Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, onde fixou residência, buscando alívios para seus males.