domingo, 26 de setembro de 2010

JOSÉ ANTÔNIO URQUIZA

RETRATO DE UM IMORTAL

José Ozildo dos Santos

“Andei por escolas, colégios, faculdade e sou bacharel em Direito. Mas isso importa pouco ou nada. O que me sinto mesmo é escritor”.
José Urquiza
NASCIMENTO E ESTUDOS

Nasceu numa segunda-feira, dia 17 de julho de 1922, na fazenda Santa Gertrudes, proximidades do distrito de igual nome, no município de Patos, Estado da Paraíba, sendo filho do casal Antônio Urquiza Machado e Custódia Carneiro Urquiza. Na referida fazenda, viveu sua infância, solidificando sua personalidade, espelhado nos bons exemplos recebidos de seus pais.
Em Patos, cursou o primário, tendo freqüentado a escola pública regida pelo talentoso professor e homem de letras Alfredo Lustosa Cabral. Após perfazer o curso ginasial em Campina Grande, José Urquiza transferiu-se para o Recife e no tradicional ‘Colégio Nóbrega’, cursou o secundário. E, após aprovação no exame vestibular, ingressou na Faculdade de Direito daquela capital, diplomando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, na turma de 1948.

O POLÍTICO

Homem culto, possuidor de uma eloqüência invejável, era ainda acadêmico de direito, quando, seguindo os passos de seu pai, ingressou na política. E, filiado ao Partido Social Democrático, elegeu-se vereador à Câmara Municipal de Patos, nas eleições realizadas a 12 de agosto de 1947, obtendo nas urnas 407 votos, sendo, portanto, o quarto mais votado em seu município.

José Urquiza, o bacharel (1948)

Sua posse ocorreu no dia 8 de novembro seguinte, oportunidade, em que, a convite do Dr. Antônio Dantas de Almeida, Juiz da Comarca, secretariou os trabalhos de instalação da Câmara de Vereadores. E, no final da referida solenidade, fazendo uso da palavra, enalteceu o processo de redemocratização do país, à época em voga.
Eleito por seus pares para ocupar a 1ª Secretaria da Mesa Diretora daquela Casa Legislativa, no dia 15 de junho de 1948, assumiu a sua presidência, em cumprimento as normas regimentais, permanecendo no exercício do referido cargo até 10 de junho do ano seguinte.  Decepcionado com a política, ao concluir seu mandato em 1951, limitou-se à advocacia e à administração pública. Como advogado brilhante que era, atuou na cidade de Patos e comarcas vizinhas, sempre com sucessos. Pois, “com sua facilidade de expressão, no tribunal do júri popular, persuadia o conselho de sentença, versejando o idioma do poeta sertanejo”.

UMA VIDA E MUITAS FUNÇÕES

Procurador da Prefeitura Municipal de Patos, o Dr. José Urquiza no dia 4 de janeiro de 1953, foi nomeado promotor público substituto, com exercício em sua cidade natal, permanecendo no referido cargo até 3 de abril seguinte, quando foi exonerado a pedido, “por não sentir prazer em acusar os réus”. Mas, enquanto esteve no exercício das referidas funções, portou-se como um autêntico representante legal da sociedade.
Designado diretor da Rádio Espinharas, a frente daquele veículo de comunicação, desenvolveu um trabalho notável, “tornando-a líder de audiência no sertão paraibano”. Naquela emissora, no final de cada manhã, apresentava um programa informativo, sempre abordando temas de interesses da sociedade patoense e região.

Urquiza quando superintente do ex-INPS

Advogado talentoso, nomeado procurador do extinto IAPC, transferiu-se para Maceió, onde, por algum tempo, exerceu as referidas funções. Posteriormente, com a junção dos antigos institutos de previdência social e a conseqüente criação do INPS, foi removido, a pedido, para João Pessoa.
Em sua vida, por merecimento, José Urquiza ocupou relevantes cargos na administração pública federal. Designado Superintendente Regional do INPS na Paraíba, “soube com calma, suprimir os óbices que lhe foram apresentados, até mesmo resis­tindo com tranqüilidade à força dos que se encontravam no poder”.

O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Professor de Direito Penal e Agrário da Faculdade de Direito/UFPB/João Pessoa - “no tempo em que as credenciais para ensinar eram mais o saber e o gostar que a posse de tí­tulos específicos” - o Dr. José Urquiza integrou também o antigo Instituto Central de Letras, onde dividia a disciplina Teoria da Literatura, com o Menestrel Virginius da Gama e Mello.
Inteligência rara, foi também Assessor de Gabinete durante a administração do reitor Humberto Nóbrega, naquela instituição de ensino superior. E, como professor de Direito Penal, aplicava em sala de aula os conhecimentos adquiridos nas comarcas do interior, que o tornaram um protagonista da paz social e um escritor talentoso.
Homem simples, por sua humildade e discrição, sabia entrar e sair “sem se fazer notar, sem chamar a atenção para si”. Verdadeiro gentleman, em todos os cargos que ocupou, o Dr. José Urquiza “portou-se dignamente, agindo com firmeza, pontualidade, justiça, competência e educação”.

O HOMEM DE LETRAS

Embora José Urquiza tenha com êxito assumido relevantes cargos públicos, “sua atividade mais marcante, no entanto, era o exercício literário, com o qual produziu romances e novelas”. Considerado um dos mais conceituados autores paraibanos, apesar dos vaivens de sua vida profissional, nunca afastou-se da literatura. Frequentemente afirmava: ‘a minha arma é a caneta’.
Jornalista da melhor escol, escrevia com freqüência para as páginas do jornal ‘O Norte’, onde por muito tempo, manteve uma coluna, sob o titulo geral de ‘Perfis’.  Literato de reconhecido valor, publicou os seguintes livros: ‘Rastro de Andarilho’ (tragédia sertaneja, que ­tem como cenário o bairro pa­toense de São Sebastião, 1966), ‘O Saco’ (novela elegíaca, 1972), ‘A p. vida’ (1973) e ‘O Papo da Coruja’(1974), ficando “inacabados dois romances (ainda sem titulo definitivo), e um livro de poemas, projeto antigo que acabou não realizando concretamente”.

No entanto, foi com o livro-denúncia ‘Pa­raíba: as Horas em Pontos’, que José Urquiza notabilizou-se como escritor. Nele, o autor dirige sérias críticas ao Governador lvan Bichara Sobreira - a quem atribuiu a sua exoneração do cargo de superintendente do INPS-PB - denunciando a inércia e o nepotismo existentes no Palácio da Redenção, resultando no fim de uma amizade de mais de 30 anos, que havia entre ambos. Às vésperas do lançamento na capital, a referida obra foi apreendida pela Polícia Federal e liberada ‘sem cortes’, após a constatação de que já se encontrava “sendo vendida clandestinamente por amigos do escritor”.

O PRIMEIRO CINEASTA PATOENSE

Figura de reconhecido talento, José Urquiza teve uma participação significativa no nascimento e na consolidação do cinema paraibano, sendo, portanto, o primeiro cineasta nascido na ‘Cidade Morada do Sol’.
Em parceria com diretor João Córdula, produziu os seguintes documentários: São Bento e a Comunidade Perfeita’, ‘O Mito do Juazeiro’, Verde que te quero ver­de’, ‘Açudagem do Nordeste’ (curta metragem, focalizando os açudes de Orós, Coremas, São Gonçalo e Condado), ‘O Solitário de Tambaú’ (retratando a vida literária do ex-ministro José Américo), produções que na atualidade são raríssimas. Destes, os dois últimos, receberam grandes elogios da crítica da época.

O FALECIMENTO

Acometido por uma trombose - que paralisou todo o seu lado direito - o professor Urquiza faleceu às 4h40min do dia 24 de Novembro de 1980, aos 58 anos de idade, no Hospital São Vicente de Paulo, em João Pessoa, deixando viúva a senhora Enilda Sá Leite Urquiza, de cuja união nasceu dois filhos: Gustavo (juiz de direito) e Hertha (advogada e professora da UFPB).

Urquiza e sua esposa Enilda

Seu corpo, em câmara ardente, foi velado por todo o dia na capela do Hospital Santa Isabel, e sepultado no Cemitério da Boa Sentença, na capital paraibana, às 17 horas daquele mesmo dia. Amigos, familiares e autoridades, fizeram-se presente ao referido ato, prestando sinceras homenagens ao grande homem de letras nascido no sertão das Espinharas.
Noticiando essa lamentável perda, um jornal da capital paraibana, assim relatou o ocorrido: “Há pouco mais de uma semana, o escritor havia sido internado num hospital pessoense depois de sofrer uma trombose. Dois dias antes do sepultamento, havia se submetido a uma cirurgia na cabeça e, após um breve período de recuperação parcial, teve uma crise forte e, às 23 de domingo, foi levado para o Hospital São Vicente de Paulo, onde faleceu de derrame cerebral”.
Em Maceió e João Pessoa, o professor José Urquiza foi alvo de várias homenagens póstumas. Sua morte, “sensibilizou profundamente a classe estudantil universitária da Paraíba”, pois, por “sua maneira fidalga e compreensiva”, “era respeitado por seus alunos de Direito Penal da UFPB, pelo seu valor cultural”.
Na Assembléia Legislativa da Paraíba, o deputado Múcio Sátyro apresentou um voto de pe­sar, que subscrito por vários outros parlamentares, a exemplo de José Gayoso, José Lacerda e Assis Camelo, foi aprovado por unanimidade no plenário daquela Casa. Na referida oportunidade, o Dr. José Gayoso, seu conterrâneo, em belíssimo pronunciamento, traçando o perfil do amigo de longas caminhadas políticas, dentre outras coisas, afirmou: “A Paraíba perdeu mais um de seus grandes intelectuais e a ‘cidade dos Patos’ chora com essa perda”.

UM REFORMADOR

Verdadeiro homem de letras, “Urquiza acreditava na Literatura, mas não adotava certos rótulos recomendados pela Teoria”. Certa vez, afirmou: “Rótulos são coisas de críticos e de editores. Servem só para enga­belar os alunos de Letras. Se um dia me convencerem de que os rótulos valem mais que as obras em si, prometo que irei me reformar e reformarei os livros também, se merecerem reedições”.
Para o escritor e jornalista Severino Ramos, ex-presidente da Associação Paraibana de Imprensa, "Urquiza pertenceu a uma geração de intelectuais sempre inquieta e desejosa de modificar nossas estruturas tão carcomidas. Era um reformador, na medida em que se mostrava sempre incon­formado com o quadro que lhe tora dado contemplar. Destacou-se como um humanista e muito contribuiu para o enaltecimento da Cultura na Paraíba, haja  visto que foi um dos nossos maiores intelectuais”.

O RECONHECIMENTO NO MUNDO LITERÁRIO

Poeta e prosador, Zé Urquiza - como era chamado nos ciclos literários, viveu como sempre quis, “sem a menor preocupação com as coisas materiais”.  E, por sua expressiva produção artística, foi eleito para a Academia Paraibana de Letras.
No entanto, não tomou posse devido à sua morte prematura, que também o impediu de receber o honroso título de ‘Cidadão Pessoense’, outorgado pela Câmara Municipal de João Pessoa, em reconhecimento aos seus inúmeros serviços prestados à capital paraibana. Autor de inúmeras crônicas, José Urquiza deixou esparsa valiosa produção literária, lamentavelmente ainda não reunida em merecidos volumes.
Escritor, novelista, jornalista, poeta, ensaísta, cineasta, cronista, político, promotor público e professor universitário, Urquiza foi “o maior teórico da literatura na Paraíba”. E, sua obra literária constitui-se em páginas de esplêndidas idéias, que encantam os apreciadores da boa leitura. Vergonhosamente, em Patos, cidade que lhe serviu por berço, sequer seu nome é lembrado, designando uma simples via pública.

José Urquiza, o homem de letras

O professor Urquiza era um homem dotado de uma simplicidade ímpar. E, imune aos vírus da ambição e da inveja, pautou sua vida pela honestidade, ignorando a maldade e sempre fazendo da verdade a sua companheira inseparável. Amigo franco, bom esposo e excelente pai, na observação de Dorgival Terceiro Neto, “não cometia pecados, nem os veniais”. E, “se há bom lugar para os bons, ele está na primeira fila".
José Urquiza, não desejou ser na vida nada mais do que escritor. E foi. A lei natural que rege a vida, levou o homem. Porém, o escritor ficou, inume a sentença da morte prematura. Transcorridos quase vinte e quatro anos da morte do homem, que foi Urquiza, reverenciou o escritor, que vive e viverá, enquanto houver literatura, livros e leitores.

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