domingo, 5 de dezembro de 2010

O FOLCLORE COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO SOCIAL



N

José Ozildo dos Santos

ÃO EXISTE uma definição universalmente para o termo folclore, que é usado geralmente para traduzir as manifestações artísticas dos povos, que surgem à revelia da cultura oficial. No entanto, ele pode ser entendido como um conjunto de manifestações da cultura popular tradicional, que retrata a alma de um povo, exprimindo seus sentimentos e valores estéticos e que muitas vezes influenciam as expressões mais elaboradas da cultura de uma nação.
Segundo alguns estudiosos, “até fins do século XVIII, as elites cultas consideravam as expressões da cultura popular, fossem elas danças, contos, sagas ou peças de artesanato, como produtos da ignorância e do desconhecimento das ciências e artes, patrimônio das classes superiores. No início do século XIX, alguns estudiosos começaram a valorizar certas criações populares como a poesia, na qual encontravam um frescor e uma profundidade que contrastava com o formalismo e a rigidez da arte acadêmica”.
Ao longo dos séculos, o estudo do folclore tem-se desenvolvido em três vertentes principais: a humanística, a antropológica e a psicanalítica.

Albert Lord

A primeira vertente, inspirada nas idéias do inglês Albert Lord, examina os fenômenos folclóricos, sobretudo, os literários, de forma crítica. Lord estudou os procedimentos dos cantores populares eslavos e aplicou suas conclusões ao estudo dos poemas homéricos, que pertencem seguramente a uma tradição oral primitiva.

Sir Edward Burnett Tylor

Andrew Lang

Por sua vez, a escola antropológica relaciona as produções folclóricas com a totalidade da cultura a que pertencem e revela as normas e os valores que deixam transparecer. Os fundadores da escola antropológica no Reino Unido foram Sir Edward Burnett Tylor e Andrew Lang. Estes, mostraram que o folclore europeu vai muito além de uma suposta cultura ariana primitiva, pois pode conservar até elementos pré-históricos.
Na perspectiva psicanalítica, os mitos, os sonhos, os chistes e os contos de fadas expressam camadas ocultas de desejos e medos inconscientes. Na visão de Freud, os conhecidos materiais folclóricos “devem ser interpretados simbolicamente em termos de imagens sexuais e do complexo de Édipo”.
No entanto, essas três vertentes de estudo do folclore não se excluem entre si. Desde a década de 1960 os estudiosos costumam dar preferência ao enfoque da escola antropológica.
Os folcloristas admitem que as criações populares servem a múltiplos propósitos: a literatura folclórica - com seus heróis sobre-humanos, seus países maravilhosos e seus seres fantásticos - responde também às grandes indagações do homem sobre sua própria origem e a origem do mundo, sobre sua história e destino, permitindo às pessoas escaparem do estreito círculo da vida cotidiana. Nesse sentido, pode-se afirmar que o folclore atua como um elemento de coesão da sociedade humana.

I - A LITERATURA FOLCLÓRICA

As primeiras investigações acerca do folclore “demonstraram que os elementos orais cumprem determinado percurso geográfico e persistem ao longo dos tempos. Além disso, adaptam-se a cada sociedade e ao momento histórico que encontram em seu caminho. O folclore, pois, difunde-se e adapta-se de maneira permanente, e assim seus elementos são ao mesmo tempo estáveis e acentuadamente mutáveis”. Logo, em termos gerais, é possível afirmar que o acervo folclórico universal é constituído pela literatura, pela música, pela dança e por criações de ordem material.

Literatura oral

Dentre as modalidades da literatura folclórica encontramos os mitos, os poemas, os contos, as adivinhas, as canções, as sagas, os ritos e os provérbios ou adágios. Estes últimos são máximas, enunciados breves e marcantes, que encerram uma regra de conduta e que, com freqüência, são usados no direito costumeiro. Frutos da sabedoria popular, os adágios são transmitidos por via oral. Neles, aprendemos lições como: “a quem merece Deus não falta” ou “cada um colhe aquilo que planta”, etc.
Registram os pesquisadores, que a literatura folclórica tem relação com a mitologia e está geralmente pontilhada de fórmulas mnemônicas como “Era uma vez...”, “casaram-se e viveram felizes para sempre”. Essas expressões desprovidas de sentido são úteis para a memória e facilitam a repetição correta.

As narrativas dos irmãos Grimm

Os contos constituem a expressão mais difundida da literatura folclórica. Suas origens são remotas. As narrativas dos irmãos Grimm e de Charles Perrault (‘A Gata Borralheira’, ‘Chapeuzinho Vermelho’, etc.) são apenas alguns dos contos folclóricos mais conhecidos, especialmente após sua difusão escrita. Não somente os contos como também as fábulas e os grandes poemas populares, têm sido objeto de numerosos estudos científicos.

Literatura de Cordel

No Brasil, a literatura oral assumiu uma dimensão de grande importância. Nela encontramos poesias (cancioneiro, desafios, testamentos de Judas), narrativas (contos, fábulas, mitos e lendas, a exemplo da ‘Donzela Teodora’ e ‘os Pares de França’), romances (‘A Bela Infanta’, ‘O Soldado Jogador’, ‘A Nau Catarineta’), além dos enigmas, advinhas, anedotas e trava-línguas.
II - A MÚSICA E A DANÇA FOLCLÓRICA

A música possui uma linguagem universal. Todas as culturas criaram suas formas musicais. Mesmo aquelas que se desenvolveram isoladamente. Por sua vez, a música folclórica apresenta uma característica monofônica, ou seja, é executada por uma só voz.
No entanto, em algumas partes do mundo é comum a existência de canções para duas ou mais vozes.
No Brasil, da fusão de três culturas - a indígena, a negra e a européia (do português) - nasceram diversos tipos de danças folclóricas. São modalidades de ritmos, que surgidas no seio do povo são transmitidas ao longo das gerações. Geralmente, representam fatos e passagens das origens culturais do Brasil e são inspiradas em rituais religiosos pagãos e cristãos.
As danças folclóricas brasileiras podem ser divididas em três grupos:
a) os pastoris: são realizados no período natalino e apresentam duas modalidades: a lapinha e o pastoril propriamente dito. A lapinha, que é dançada na sala da casa, diante do presépio, por meninas vestidas de pastoras, celebra o nascimento de Cristo. Nela há uma disputa entre os cordões encarnado e azul, que é aproveitada como forma de angariar fundos para as obras sociais das paróquias. O pastoril, executado sobre um tablado ao ar livre, tem caráter profano e satírico. Dançado e cantado por mulheres, possui um personagem cômico: o cebola, o velho, o saloio, o marujo, etc.

Os pastoris

b) as cheganças: são executadas em cenário que representa uma grande embarcação e com muitos participantes, têm como tema principal as lutas marítimas e são uma herança cultural das guerras dos cristãos portugueses contra o invasor mouro, daí chamarem-se também cristãos-e-mouros.
c) os reisados: são tradicionalmente executados na véspera do dia de Reis e consiste em uma adaptação coreográfica dramatizada de antigos romances e cantigas populares.


Os reisados

O bumba-meu-boi, também chamado boi-bumbá ou boi-sumbi, é a dança mais conhecida e popular no Brasil. Mais simples que as cheganças e os pastoris, que exigem um tablado para serem executadas, o bumba-meu-boi precisa apenas de espaço livre para ser executada.

Os reisados

Entre as outras formas de danças dramáticas ainda praticadas no Brasil, podemos citar os congos e o maracatu. Esta última, tem maior penetração no estado do Pernambuco.

III - CRENDICES E SUPERSTIÇÕES

Pode-se dizer que o Brasil é um país rico em crendices e superstições. De Norte a Sul, encontramos exemplos da crendice popular, alimentados ao longo dos séculos.
Dentre as crendices e superstições alinham-se prenúncios (derramar pó de café), agouros (o pio da coruja, o uivo do cão), o mundo sobrenatural (fantasmas e assombrações), abusões (lobisomem, mula-de-padre), os demônios, a magia (bruxarias, adivinhações, profecias, sortes mágicas), concepções do mundo e da vida, cultos e devoções (São Gonçalo violeiro, casamenteiro das velhas), além de vários tipos humanos (taumaturgos, beatos e fanáticos).

IV - OS USOS E COSTUMES

Segundo os pesquisadores do folclore brasileiro, os usos e os costumes constituem uma “área de riquíssima diversidade é a dos costumes agrícolas (mutirão) e pecuários (apartação), e especialmente na alimentação (com destaque para a doçaria, os cordiais e as aguardentes), a culinária (caruru e vatapá na Bahia, tacacá no Pará, arroz-de-cuxá no Maranhão, barreado no Paraná, maniçoba no Nordeste), os mundéus, as armadilhas de caça e da pesca, a medicina de chás, pomadas, mezinhas, rezas e benzimentos, o comércio (o bolicho da fronteira oeste, o flutuante do Amazonas, as breganhas de Taubaté) e o transporte (carro de bois, o reboque amazônico, o boi de sela de Marajó e do pantanal), as cerimônias rituais, chamadas ritos de passagem, que marcam nascimento, batismo, primeira comunhão, noivado, casamento e morte (incelenças e gurufim)”.

V - A LINGUAGEM

O linguajar do povo, de cada região, constitui patrimônios culturais diversificados. As variações lingüísticas, os modos de expressões, caracterizam as populações das diversas regiões do globo terrestre. O mesmo ocorre no Brasil. No Norte, encontramos um estilo, que em muito diverge do estilo do Sul. E assim por diante.
Por outro lado, na vasta área da linguagem gestual e verbal, citam-se a mímica, a metáfora, na suplementação da deficiência vocabular, os nomes, apelidos ou cognomes, as frases feitas (“comer o pão que o diabo amassou”, “tirar o cavalo da chuva”, “botar o carro adiante dos bois”), as formas de tratamento ou etiqueta, os epítetos de naturais de estados e cidades (papa-goiaba, barriga-verde, “campista, nem a prazo, nem à vista”). Neste grupo, encontramos ainda a gíria e as linguagens especiais, quase sempre de ladrões, de embarcadiços, de motoristas.

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