domingo, 26 de setembro de 2010

ZÉ CAVALCANTI

UM CONTADOR DE ESTÓRIAS

José Ozildo dos Santos

José Cavalcanti da Silva ou simplesmente ‘Zé Cavalcanti’, nasceu a 27 de julho de 1918, em São José de Piranhas, no alto sertão paraibano. Filho do casal Manoel Cavalcanti da Silva e Bernardina Soares de Souza, era o segundo de uma prole de onze irmãos. Seu pai, o conhecido ‘seu’ Né Cavalcanti, era abastado fazendeiro naquele município e membro de uma tradicional família local.
            No antigo Colégio Salesiano ‘Padre Rolim’, em Cajazeiras, José Cavalcanti iniciou o curso ginasial. No entanto, interrompeu seus estudos para servir ao Exército. Licenciado do serviço militar, a convite do talentoso Padre Manoel Vieira, instalou-se na cidade de Patos, onde, no Ginásio Diocesano, concluiu seus estudos, tornou-se professor de História Geral e do Brasil, naquele estabelecimento de ensino. E, foi nesse período, que conheceu a professora Rosalina Queiroz, com quem veio a contrair matrimônio.

Zé Cavalcanti

            Em 1950, a convite de Ernani Sátiro, ingressou na política, elegendo-se deputado estadual pela União Democrática Nacional, sendo o terceiro mais votado entre os quinze candidatos udenistas eleitos para a Assembléia Legislativa. Reeleito para a legislatura seguinte, obteve 3.148 votos no pleito estadual de três de outubro de 1954. Quatro anos mais tarde, conquistou nas urnas seu terceiro mandato parlamentar, totalizando 3.442 sufrágios.
            Durante a legislatura de 1959-1963, José Cavalcanti apresentou na Assembléia Legislativa cinco projetos-de-lei, criando os municípios de Serra Grande, Salgadinho, Santa Terezinha, Passagem e Cacimba de Areia, que aprovados, foram sancionados pelo Governador Pedro Gondim, em dezembro de 1961.
            Em 1959, lançou-se candidato à Prefeitura Municipal de Patos, sendo derrotado pelo agropecuarista Bivar Olinto de Melo e Silva. No pleito estadual de 1962, Zé Cavalcanti apesar de ter obtido 3.842 votos, ficou na primeira suplência de seu partido - a UDN. Naquele ano, os resultados das eleições de sete de outubro, revelaram um novo cenário político no Estado. O próprio Ernani Sátiro, que tentou reeleger-se deputado federal, teve que se contentar com a primeira suplência da UDN.
            Entretanto, com a convocação do deputado Otávio Mariz Maia para assumir a Secretaria de Saúde, no Governo Pedro Gondim, ainda em princípios de 1963, Zé Cavalcanti retornou à Assembléia Legislativa. No entanto, naquele mesmo ano, renunciou seu mandato parlamentar, após ter sido eleito prefeito do município de Patos, nas eleições realizadas a 11 de agosto.
            Zé Cavalcanti administrou a cidade de Patos, no período de 30 de novembro de 1963 a 29 de janeiro de 1969, em virtude da prorrogação dos mandatos de prefeitos e vereadores. Em 1965, instituído o bipartidarismo, filiou-se aos quadros da Aliança Renovadora Nacional - ARENA.
            Verdadeiro protótipo do político populista - “seu Zé”, como popularmente ficou conhecido - à frente da edilidade patoense, “procurou fazer um governo que atendesse aos interesses de todas as classes”. No entanto, apesar de sua administração ter sido muito discutida e combatida, implantou um novo modelo administrativo no município.
            Possuidor de uma visão progressista desenvolveu uma gestão, visando atender as necessidades básicas da população carente. No Bairro de São Sebastião, executou o mais arrojado empreendimento de sua administração: construiu uma vila popular em regime de mutirão - com material e terrenos doados pela Prefeitura, ficando a mão-de-obra a cargo do beneficiado com a nova moradia. Isto, quando ainda não existia o Sistema Nacional de Habitação, o que faz dele um precursor.  
            Preocupado com a educação, a saúde e o bem-estar de seus munícipes, construiu diversas escolas na zona rural e na sede do município, dotando os bairros da periferia com postos médicos, clubes de mães, calçamentos e iluminação pública, revolucionando-os completamente. Diversificou os locais das feiras livres, construindo pequenos mercados nos bairros mais afastados do centro da cidade.
            Sua ação administrativa se fez presente em todos os setores e recantos do município. Na cidade, embelezou diversas vias públicas, a exemplo das Avenidas Epitácio Pessoa e Solon de Lucena. Cuidou da limpeza pública e pôs em prática o primeiro programa municipal de arborização das ruas de Patos, atestando assim, seu valor como administrador e homem público de visão.
            No final de sua gestão administrativa, conseguiram entregar à população patoense duas grandes realizações: O Estádio Municipal - que hoje possuí o seu nome - e a Praça João Pessoa, no centro da cidade. A população carente, beneficiada com a construção da vila popular, no Bairro de São Sebastião, batizou-a como “Vila Cavalcanti”, numa justa homenagem ao seu idealizador.
            Suas realizações como prefeito do município de Patos, associadas ao carisma que desfrutava junto à população despertaram inveja em alguns políticos locais, ligados ao situacionismo.
            Acusações surgiram e em 1972, José Cavalcanti teve seus direitos políticos cassados, pelo regime militar, sem, contudo, ter a oportunidade de defender-se das acusações que lhe foram impostas. Assim, o líder das massas viu ser sepultado o sonho que nutria em retornar à Prefeitura de Patos. Naquele ano, sua eleição era tida como certa, até mesmo, na observação de seus opositores e a cassação foi a única forma encontrada para derrotá-lo.
            Homem simples, mas de atitudes fortes e corajosas, “seu” Zé costumava dizer que tinha um carinho muito especial por Patos e que, se não tivesse sido cassado, teria retornado à Prefeitura patoense e ali, novamente, realizado outra administração totalmente voltada para o social.
            Cassado, “exilou-se” em João Pessoa. No ostracismo, cercado por poucos amigos, passou a dedicar-se à literatura, escrevendo e falando das coisas do povo do sertão, publicando seus ’causos’ nas paginas do Correio da Paraíba’ e de O Norte’. Assim, a cidade de Patos perdeu o mais autêntico de seus políticos. Mas, por outro lado, a Paraíba ganhou um grande folclorista.

Capa de um dos livros de Zé Cavalcanti

            Membro do Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba, da Associação Paraibana de Imprensa, Zé Cavalcanti que é, até o presente, o mais prolífero contador de estória, da Paraíba, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e à Academia Paraibana de Letras - onde foi recepcionado a 19 de setembro de 1981, pelo acadêmico Afonso Pereira. Na Casa de Coriolano de Medeiros, onde passou a ocupar a cadeira nº 38, em substituição ao escritor patoense Nelson Lustosa Cabral, representou “a vertente popular da literatura de nosso Estado”.
            Diversos foram seus artigos publicados na imprensa paraibana com o pseudônimo de ‘Zé Bala’, cuja alcunha, herdara de seu avô paterno João Cavalcanti da Silva - rico fazendeiro no município de São José de Piranhas - inclusive, assumida sem constrangimento, por vários descendentes daquele patriarca.
            Anistiado, Zé Cavalcanti retornou ao cenário político paraibano. Em 1986, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, lançou-se candidato à Assembléia Legislativa. A falta de recursos financeiros, aliada a sua longa ausência do meio político, fortemente refletiram na votação obtida no pleito realizado a 15 de novembro daquele ano. Com o passar do tempo, a cidade de Patos havia esquecido seu grande benfeitor. E, decepcionado com o desempenho de sua candidatura, o velho Zé Bala recolheu-se definitivamente à vida privada.
            Em João Pessoa, onde viveu os últimos anos de sua vida, numa modesta casa na praia do Bessa, faleceu aos 31 de dezembro de 1995, deixando inédita grande produção literária. De sua união com a professora Rosalina Queiroz Cavalcanti, nasceram três filhos: José Bertânio, Maria Berlânia (médica) e Bernânio.
            Seu corpo foi velado no salão nobre da Academia Paraibana de Letras. E, no final da tarde do dia 1º de janeiro seguinte, saiu o féretro acompanhado por um grande número de amigos, familiares e admiradores para o Cemitério de Nossa Senhora da Guia, de João Pessoa, onde foi sepultado. À beira de seu túmulo, falaram personagens do meio cultural e político paraibano, que, unanimemente, enalteceram a personalidade daquele que em vida, foi o maior contador de ‘causos’ da Paraíba.
            Folclorista, memorista e poeta popular, José Cavalcanti da Silva era um espírito alegre, possuidor de uma memória invejável. Escrevendo, utilizava um estilo próprio, jamais visto e toda a sua vasta bibliografia, possui cunho folclórico.
            Em vida, publicou 26 livros, narrando as his(es)tórias alegres do povo sertanejo, entre eles, citamos: Potocas, Piadas e Pilhérias (1974); Casca e Nó (1974); Sem Peia e Sem Cabresto (1975); Bisaco de Cego (1977); Gaveta de Sapateiro (1977); Espalha Brasas (1979); Rabo Cheio (1980); As Fofocas de Seu Zé  (1984); 360 Lorotas Políticas de Seu Zé (1985); Pais Tolos, Filhos Sabidos; Sabedoria Popular; Um Setentão; Quengada de Matuto; Curupacopapaco; Sertanejadas e Buscapé, livros que reúnem “um punhado de pequenas estórias que deliciaram grandemente seus leitores, algumas de teor picante”.
            Patrono da cadeira nº 15, do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José Cavalcanti da Silva era um homem puro, autêntico, que não escondia palavras. Com um estilo próprio, rico no linguajar popular, descreveu e relatou fatos da vida sertaneja, numa originalidade que somente era sua. E, como imortal, será sempre lembrado como um dos maiores folcloristas paraibanos.

JOSÉ ANTÔNIO URQUIZA

RETRATO DE UM IMORTAL

José Ozildo dos Santos

“Andei por escolas, colégios, faculdade e sou bacharel em Direito. Mas isso importa pouco ou nada. O que me sinto mesmo é escritor”.
José Urquiza
NASCIMENTO E ESTUDOS

Nasceu numa segunda-feira, dia 17 de julho de 1922, na fazenda Santa Gertrudes, proximidades do distrito de igual nome, no município de Patos, Estado da Paraíba, sendo filho do casal Antônio Urquiza Machado e Custódia Carneiro Urquiza. Na referida fazenda, viveu sua infância, solidificando sua personalidade, espelhado nos bons exemplos recebidos de seus pais.
Em Patos, cursou o primário, tendo freqüentado a escola pública regida pelo talentoso professor e homem de letras Alfredo Lustosa Cabral. Após perfazer o curso ginasial em Campina Grande, José Urquiza transferiu-se para o Recife e no tradicional ‘Colégio Nóbrega’, cursou o secundário. E, após aprovação no exame vestibular, ingressou na Faculdade de Direito daquela capital, diplomando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, na turma de 1948.

O POLÍTICO

Homem culto, possuidor de uma eloqüência invejável, era ainda acadêmico de direito, quando, seguindo os passos de seu pai, ingressou na política. E, filiado ao Partido Social Democrático, elegeu-se vereador à Câmara Municipal de Patos, nas eleições realizadas a 12 de agosto de 1947, obtendo nas urnas 407 votos, sendo, portanto, o quarto mais votado em seu município.

José Urquiza, o bacharel (1948)

Sua posse ocorreu no dia 8 de novembro seguinte, oportunidade, em que, a convite do Dr. Antônio Dantas de Almeida, Juiz da Comarca, secretariou os trabalhos de instalação da Câmara de Vereadores. E, no final da referida solenidade, fazendo uso da palavra, enalteceu o processo de redemocratização do país, à época em voga.
Eleito por seus pares para ocupar a 1ª Secretaria da Mesa Diretora daquela Casa Legislativa, no dia 15 de junho de 1948, assumiu a sua presidência, em cumprimento as normas regimentais, permanecendo no exercício do referido cargo até 10 de junho do ano seguinte.  Decepcionado com a política, ao concluir seu mandato em 1951, limitou-se à advocacia e à administração pública. Como advogado brilhante que era, atuou na cidade de Patos e comarcas vizinhas, sempre com sucessos. Pois, “com sua facilidade de expressão, no tribunal do júri popular, persuadia o conselho de sentença, versejando o idioma do poeta sertanejo”.

UMA VIDA E MUITAS FUNÇÕES

Procurador da Prefeitura Municipal de Patos, o Dr. José Urquiza no dia 4 de janeiro de 1953, foi nomeado promotor público substituto, com exercício em sua cidade natal, permanecendo no referido cargo até 3 de abril seguinte, quando foi exonerado a pedido, “por não sentir prazer em acusar os réus”. Mas, enquanto esteve no exercício das referidas funções, portou-se como um autêntico representante legal da sociedade.
Designado diretor da Rádio Espinharas, a frente daquele veículo de comunicação, desenvolveu um trabalho notável, “tornando-a líder de audiência no sertão paraibano”. Naquela emissora, no final de cada manhã, apresentava um programa informativo, sempre abordando temas de interesses da sociedade patoense e região.

Urquiza quando superintente do ex-INPS

Advogado talentoso, nomeado procurador do extinto IAPC, transferiu-se para Maceió, onde, por algum tempo, exerceu as referidas funções. Posteriormente, com a junção dos antigos institutos de previdência social e a conseqüente criação do INPS, foi removido, a pedido, para João Pessoa.
Em sua vida, por merecimento, José Urquiza ocupou relevantes cargos na administração pública federal. Designado Superintendente Regional do INPS na Paraíba, “soube com calma, suprimir os óbices que lhe foram apresentados, até mesmo resis­tindo com tranqüilidade à força dos que se encontravam no poder”.

O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Professor de Direito Penal e Agrário da Faculdade de Direito/UFPB/João Pessoa - “no tempo em que as credenciais para ensinar eram mais o saber e o gostar que a posse de tí­tulos específicos” - o Dr. José Urquiza integrou também o antigo Instituto Central de Letras, onde dividia a disciplina Teoria da Literatura, com o Menestrel Virginius da Gama e Mello.
Inteligência rara, foi também Assessor de Gabinete durante a administração do reitor Humberto Nóbrega, naquela instituição de ensino superior. E, como professor de Direito Penal, aplicava em sala de aula os conhecimentos adquiridos nas comarcas do interior, que o tornaram um protagonista da paz social e um escritor talentoso.
Homem simples, por sua humildade e discrição, sabia entrar e sair “sem se fazer notar, sem chamar a atenção para si”. Verdadeiro gentleman, em todos os cargos que ocupou, o Dr. José Urquiza “portou-se dignamente, agindo com firmeza, pontualidade, justiça, competência e educação”.

O HOMEM DE LETRAS

Embora José Urquiza tenha com êxito assumido relevantes cargos públicos, “sua atividade mais marcante, no entanto, era o exercício literário, com o qual produziu romances e novelas”. Considerado um dos mais conceituados autores paraibanos, apesar dos vaivens de sua vida profissional, nunca afastou-se da literatura. Frequentemente afirmava: ‘a minha arma é a caneta’.
Jornalista da melhor escol, escrevia com freqüência para as páginas do jornal ‘O Norte’, onde por muito tempo, manteve uma coluna, sob o titulo geral de ‘Perfis’.  Literato de reconhecido valor, publicou os seguintes livros: ‘Rastro de Andarilho’ (tragédia sertaneja, que ­tem como cenário o bairro pa­toense de São Sebastião, 1966), ‘O Saco’ (novela elegíaca, 1972), ‘A p. vida’ (1973) e ‘O Papo da Coruja’(1974), ficando “inacabados dois romances (ainda sem titulo definitivo), e um livro de poemas, projeto antigo que acabou não realizando concretamente”.

No entanto, foi com o livro-denúncia ‘Pa­raíba: as Horas em Pontos’, que José Urquiza notabilizou-se como escritor. Nele, o autor dirige sérias críticas ao Governador lvan Bichara Sobreira - a quem atribuiu a sua exoneração do cargo de superintendente do INPS-PB - denunciando a inércia e o nepotismo existentes no Palácio da Redenção, resultando no fim de uma amizade de mais de 30 anos, que havia entre ambos. Às vésperas do lançamento na capital, a referida obra foi apreendida pela Polícia Federal e liberada ‘sem cortes’, após a constatação de que já se encontrava “sendo vendida clandestinamente por amigos do escritor”.

O PRIMEIRO CINEASTA PATOENSE

Figura de reconhecido talento, José Urquiza teve uma participação significativa no nascimento e na consolidação do cinema paraibano, sendo, portanto, o primeiro cineasta nascido na ‘Cidade Morada do Sol’.
Em parceria com diretor João Córdula, produziu os seguintes documentários: São Bento e a Comunidade Perfeita’, ‘O Mito do Juazeiro’, Verde que te quero ver­de’, ‘Açudagem do Nordeste’ (curta metragem, focalizando os açudes de Orós, Coremas, São Gonçalo e Condado), ‘O Solitário de Tambaú’ (retratando a vida literária do ex-ministro José Américo), produções que na atualidade são raríssimas. Destes, os dois últimos, receberam grandes elogios da crítica da época.

O FALECIMENTO

Acometido por uma trombose - que paralisou todo o seu lado direito - o professor Urquiza faleceu às 4h40min do dia 24 de Novembro de 1980, aos 58 anos de idade, no Hospital São Vicente de Paulo, em João Pessoa, deixando viúva a senhora Enilda Sá Leite Urquiza, de cuja união nasceu dois filhos: Gustavo (juiz de direito) e Hertha (advogada e professora da UFPB).

Urquiza e sua esposa Enilda

Seu corpo, em câmara ardente, foi velado por todo o dia na capela do Hospital Santa Isabel, e sepultado no Cemitério da Boa Sentença, na capital paraibana, às 17 horas daquele mesmo dia. Amigos, familiares e autoridades, fizeram-se presente ao referido ato, prestando sinceras homenagens ao grande homem de letras nascido no sertão das Espinharas.
Noticiando essa lamentável perda, um jornal da capital paraibana, assim relatou o ocorrido: “Há pouco mais de uma semana, o escritor havia sido internado num hospital pessoense depois de sofrer uma trombose. Dois dias antes do sepultamento, havia se submetido a uma cirurgia na cabeça e, após um breve período de recuperação parcial, teve uma crise forte e, às 23 de domingo, foi levado para o Hospital São Vicente de Paulo, onde faleceu de derrame cerebral”.
Em Maceió e João Pessoa, o professor José Urquiza foi alvo de várias homenagens póstumas. Sua morte, “sensibilizou profundamente a classe estudantil universitária da Paraíba”, pois, por “sua maneira fidalga e compreensiva”, “era respeitado por seus alunos de Direito Penal da UFPB, pelo seu valor cultural”.
Na Assembléia Legislativa da Paraíba, o deputado Múcio Sátyro apresentou um voto de pe­sar, que subscrito por vários outros parlamentares, a exemplo de José Gayoso, José Lacerda e Assis Camelo, foi aprovado por unanimidade no plenário daquela Casa. Na referida oportunidade, o Dr. José Gayoso, seu conterrâneo, em belíssimo pronunciamento, traçando o perfil do amigo de longas caminhadas políticas, dentre outras coisas, afirmou: “A Paraíba perdeu mais um de seus grandes intelectuais e a ‘cidade dos Patos’ chora com essa perda”.

UM REFORMADOR

Verdadeiro homem de letras, “Urquiza acreditava na Literatura, mas não adotava certos rótulos recomendados pela Teoria”. Certa vez, afirmou: “Rótulos são coisas de críticos e de editores. Servem só para enga­belar os alunos de Letras. Se um dia me convencerem de que os rótulos valem mais que as obras em si, prometo que irei me reformar e reformarei os livros também, se merecerem reedições”.
Para o escritor e jornalista Severino Ramos, ex-presidente da Associação Paraibana de Imprensa, "Urquiza pertenceu a uma geração de intelectuais sempre inquieta e desejosa de modificar nossas estruturas tão carcomidas. Era um reformador, na medida em que se mostrava sempre incon­formado com o quadro que lhe tora dado contemplar. Destacou-se como um humanista e muito contribuiu para o enaltecimento da Cultura na Paraíba, haja  visto que foi um dos nossos maiores intelectuais”.

O RECONHECIMENTO NO MUNDO LITERÁRIO

Poeta e prosador, Zé Urquiza - como era chamado nos ciclos literários, viveu como sempre quis, “sem a menor preocupação com as coisas materiais”.  E, por sua expressiva produção artística, foi eleito para a Academia Paraibana de Letras.
No entanto, não tomou posse devido à sua morte prematura, que também o impediu de receber o honroso título de ‘Cidadão Pessoense’, outorgado pela Câmara Municipal de João Pessoa, em reconhecimento aos seus inúmeros serviços prestados à capital paraibana. Autor de inúmeras crônicas, José Urquiza deixou esparsa valiosa produção literária, lamentavelmente ainda não reunida em merecidos volumes.
Escritor, novelista, jornalista, poeta, ensaísta, cineasta, cronista, político, promotor público e professor universitário, Urquiza foi “o maior teórico da literatura na Paraíba”. E, sua obra literária constitui-se em páginas de esplêndidas idéias, que encantam os apreciadores da boa leitura. Vergonhosamente, em Patos, cidade que lhe serviu por berço, sequer seu nome é lembrado, designando uma simples via pública.

José Urquiza, o homem de letras

O professor Urquiza era um homem dotado de uma simplicidade ímpar. E, imune aos vírus da ambição e da inveja, pautou sua vida pela honestidade, ignorando a maldade e sempre fazendo da verdade a sua companheira inseparável. Amigo franco, bom esposo e excelente pai, na observação de Dorgival Terceiro Neto, “não cometia pecados, nem os veniais”. E, “se há bom lugar para os bons, ele está na primeira fila".
José Urquiza, não desejou ser na vida nada mais do que escritor. E foi. A lei natural que rege a vida, levou o homem. Porém, o escritor ficou, inume a sentença da morte prematura. Transcorridos quase vinte e quatro anos da morte do homem, que foi Urquiza, reverenciou o escritor, que vive e viverá, enquanto houver literatura, livros e leitores.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

NAPOLEÃO LAUREANO

UM SÍMBOLO NA LUTA CONTRA O CÂNCER NO BRASIL

José Ozildo dos Santos

Napoleão Rodrigues Laureano, foi, indiscutível, um dos mais ilustres paraibanos do século XX. Nascido aos 22 de agosto de 1914, em Natuba, à época, distrito de Umbuzeiro, foram seus pais o tenente Floriano Rodrigues Laureano e dona Teófila Bezerra da Silva. Desde jovem, demonstrou ser possuidor de firmes propósitos e vontade férrea de vencer desafios e obstáculos. Em Umbuzeiro, fez o curso primário, transferindo-se em seguida para Recife, onde matriculou-se no ‘Colégio Félix Barreto’, cursando até o 3º ano do ginasial.
Retornando à Paraíba, fixou-se em João Pessoa, tendo concluído seus estudos básicos no ‘Liceu Paraibano’. Em seguida, ingressou na Faculdade de Medicina do Recife. Dedicado aos estudos, foi discípulo do renomado professor Ageu Magalhães, grande anatomo-patologista pernambucano, diplomando-se em princípios de 1943, obtendo destaque entre seus colegas de turma. Logo em seguida, filiou-se ao Serviço Nacional do Câncer, centralizado no Rio de Janeiro, especializando-se em cirurgia do câncer e em ginecologia.

Napoleão Laureano
Em outubro de 1943, após um curto estágio na Argentina, retornou à Paraíba com o intuito de servir aos seus co-estaduanos. Assim, instalou seu consultório na Rua Barão do Triunfo, nº 474, 1º andar, no centro da cidade de João Pessoa, atendendo nas especialidades de obstetrícia e tratamento cirúrgico das cicatrizes e outros defeitos congênitos ou adquiridos.
Profissional de larga experiência e espírito humano, o Dr. Laureano - como ficou popularmente conhecido - logo tornou-se uns dos médicos mais solicitados da capital paraibana, revelando-se, ao lado do Dr. Asdrúbal Marsiglia de Oliveira, um dos primeiros médicos a dedicar-se ao tratamento do câncer, na Paraíba. Preocupado com o câncer ginecológico, que ceifava milhares de mulheres brasileiras, escreveu um “Tratado Relativo à Aplicação da Mostarda no Combate ao Câncer”.
Homem simples, possuidor de “uma força interior incomensurável” e “despido de qualquer vaidade”, o Dr. Napoleão Laureano teve para com os pobres uma dedicação sincera. Idealista, sobre seu caráter, uma das melhores afirmações nos foi dada pelo Dr. Asdrúbal de Oliveira, que, declarou à imprensa paraibana: “para a vida que levou, o resultado econômico não era problema para ele, jamais deixou de atender um paciente porque não dispunha de recursos. Seu consultório, que eu convivi e freqüentei, atendia 80% dos pacientes, gratuitamente. O seu lado humano, é preciso que se diga, era absolutamente perfeito de bondade, era um homem voltado para o sofrimento humano, sem levar em consideração seus problemas pessoais (...)”.
Quando universitário, no Recife, Napoleão Laureano participou ativamente dos movimentos estudantis contra o Estado Novo, nos últimos anos da ditadura Vargas. Redemocratizado o país, ingressou na política, filiando-se aos quadros da União Democrática Nacional, elegendo-se vereador à Câmara Municipal de João Pessoa, para a legislatura de 1947-1951.
No referido pleito, realizado em janeiro de 1947, obteve 959 votos, sendo o segundo mais votado em seu partido, numa eleição bastante disputada, sendo sido suplantado apenas pelo vereador Cabral Batista, que obteve 974 votos. Por seus méritos, logrou reeleição para a legislatura seguinte.
Na política, o Dr. Laureano revelou-se um líder inconteste. Eleito Vice-Presidente da Mesa Diretora da Câmara Municipal, logo assumiu a presidência, uma vez que o presidente, vereador Miguel Batista, assumiu a Prefeitura da capital, após licenças para tratamento de saúde, concedidas ao prefeito e ao seu vice.
Sentindo os primeiros sintomas da doença, que prematuramente levá-lo-ia ao túmulo, o jovem médico paraibano viajou aos Estados Unidos. Em Nova Iorque, permaneceu por alguns meses tratando-se no ‘Memorial Center Hospital’. E, desenganado pelos especialistas americanos, “ante às precárias condições do combate ao câncer na época”, foi aconselhado a retornar ao Brasil, ciente de que teria, “semanas ou meses de vida”.
Após constatar que era portador de um mal incurável, o Dr. Laureano “aproveitou sua breve existência para traçar um vasto plano de ação em benefício dos cancerosos brasileiros”. E, regressando dos Estados Unidos, permaneceu alguns dias no Recife, vindo à Paraíba antes de empreender sua viagem ao Rio de Janeiro, onde esperava firmar as bases de sua campanha de combate ao câncer.
No aeroporto de Santa Rita, foi recebido por autoridades, jornalistas e milhares de pessoas dos mais variados segmentos sociais. Em João Pessoa, o Dr. Napoleão Laureano lançou a campanha pró-Hospital do Câncer, cujo movimento foi encabeçado pelo jornalista e fotógrafo Rafael Mororó, recebendo o apoio das autoridades estaduais, municipais e do povo em geral, sendo promovida uma intensa propaganda em todo o Estado, através da ‘Rádio Arapuã’.
No dia 15 de março de 1951, embora ausente, o Dr. Laureano foi eleito presidente da Mesa Diretora da Câmara Municipal de João Pessoa, para o biênio 1951/1952. Durante sua curta permanência na capital paraibana, recebeu a visita de destacadas personalidades do mundo social, político e cultural paraibano.
Na oportunidade, o governador José Américo, representando pelo jornalista Juarez Batista, manifestou seu apoio à construção do ‘Hospital do Câncer’, em na capital paraibana. A falta de equipamentos médicos na Paraíba, impossibilitou o jovem médico de fazer uma autodiagnosticação cedo, fato que levou-o a solicitar ao governador a aquisição de um aparelho de radium.
A 16 de março seguinte, o Dr. Napoleão Laureano desembarcou no Rio de Janeiro, num avião da FAB, cedido pelo presidente Vargas. Na antiga capital federal, submeteu-se logo a uma soroterapia especial, seguindo a orientação do cientista húngaro Josef Fiedler. Assinala Luís Hugo Guimarães que “a doença de Laureano ensejou uma luta sem quartel, promovendo uma grande campanha nacional em prol da assistência hospitalar aos cancerosos do Brasil, contribuindo para a fundação do Hospital do Câncer da Paraíba e a criação da Fundação Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro”. Assim, “por sua pertinácia na conquista desse desiderato, foi consagrado como o patrono dos cancerosos”.
No dia seguinte à chegada do Dr. Laureano, ao Rio de Janeiro, em sua sede, o ‘Diário Carioca’ realizou uma mesa redonda para discutir o problema do câncer no Brasil. Dela, além de ilustre médico paraibano, participaram os doutores Mário Kroeff, Orlando Machado, Jorge Marsillac, Alberto Coutinho e outros especialistas em Oncologia, além do Ministro da Saúde, do Prefeito daquela capital e de seu Secretário Municipal de Saúde. Na referida reunião, foi criada a ‘Fundação Nacional do Câncer’, sendo, posteriormente eleita a primeira diretoria, que ficou assim constituída: Presidente de Honra: Sra. Darcy Vargas, esposa do Presidente da República e Vice-Presidente de Honra, jornalista Assis Chateaubriand; Presidente Efetivo: Dr. Amadeu Fialho; Tesoureiro: Senador Ruy Carneiro; Secretário: Dr. Jorge Marsillac e Diretor Executivo: Dr. Mário Kroeff.
Criada a ‘Fundação Nacional do Câncer’, intensa campanha visando adquirir fundos e doações foram promovidas pelos organismos da imprensa nacional, obtendo logo bons resultados. Na Paraíba, a Comissão Central pró-construção do Hospital do Câncer - logo denominado ‘Hospital Napoleão Laureano’ - intensificou seus trabalhos, contando com forte apoio da imprensa local, especialmente de algumas emissoras de rádio do Estado, a exemplo da Arapuã (João Pessoa), da Caturité (Campina Grande) e da Espinharas (Patos), divulgadoras da campanha em toda a Paraíba, possibilitando o recolhimento das doações oriundas dos vários setores da sociedade paraibana.
Internado no ‘Hospital Graffe Guinle’, sob os cuidados dos oncologistas Orlando Machado e Antônio Vieira, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro, o Dr. Laureano que embora tenha sido submetido a vários tratamentos - inclusive a aplicações de Krebiozen, vindo especialmente dos Estados Unidos para este fim - faleceu às 20:20h do dia 31 de maio de 1951.
Seu corpo foi embalsamado e exposto em câmara ardente, na Igreja da Candelária, onde foi visitado por milhares de pessoas. No final do dia seguinte, foi transladado para João Pessoa, sendo recebido no Aeroporto de Santa Rita, por uma grande multidão, à qual fizeram-se presente o governador José Américo e diversas autoridades administrativas, eclesiásticas, legislativas, judiciárias e militares.
Na Catedral Metropolitana de João Pessoa, o corpo do Dr. Laureano ficou exposto à visitação pública até às 15:30h do segundo dia, de onde seguiu para o ‘Cemitério do Senhor da Boa Sentença’, sendo o féretro seguido por grande multidão. E, à beira de seu túmulo, falaram diversas autoridades, além do escritor Juarez Batista, diretor d‘A União’, representando a ‘Fundação Napoleão Laureano’. Um de seus últimos pedidos foi para fosse sepultado ao som da melodia ‘Liebstraum’, de Lizt.
Em julho de 1951, o Dr. Mário Kroeff, à época, diretor do Serviço Nacional do Câncer, veio à Paraíba com o objetivo de tratar com o governador José Américo, sobre a instalação, no Estado, de um núcleo do Departamento do Serviço Nacional do Câncer. Durante a referida visita, foi escolhido o terreno para a construção do ‘Hospital Napoleão Laureano’; terreno este que foi posteriormente adquirido e doado pelo governo estadual à Fundação Napoleão Laureano.

Construção do Hospital do Câncer, em João Pessoa

Lamentavelmente, o tempo foi passando e os apoios dos organismos de governo sumiram, inviabilizando a realização do sonho do grande médico paraibano, que despertou o Brasil para a luta contra a mais terrível doença da época, até parecendo que o esforço e o sofrimento do Dr. Laureano foram em vão.

Deputado Jandhuy Carneiro assinando a ata de fundação do Hospital do Câncer
Adquirido o terreno, os trabalhos foram iniciados. No entanto, o dinheiro destinado para as referidas obras, foi curto e insuficiente. E, curta também foi “a memória das autoridades” e os patéticos apelos do grande médico e mártir foram jogados ao esquecimento. O descrédito tomou conta do povo, que sentiu-se traído por seus governantes, pois, a população paraibana ainda tinha viva na memória os momentos de sofrimentos, vivos pelo incansável médico.

Hospital Napoleâo Laureano - João Pessoa
Por fim, após longos anos, as obras de construção do referido hospital foram concluídas, graças ao empenho do deputado federal Janduhy Carneiro, que conseguiu consignar no orçamento da União, uma verba para tal objetivo. Assim, a 24 de fevereiro de 1962, ocorreu a inauguração do ‘Hospital do Câncer Napoleão Laureano’, em solenidade que contou com a presença do Governador do Estado, Dr. Pedro Moreno Gondim; do Ministro da Saúde, Dr. Estácio Souto Maior; do deputado federal Jandhuy Carneiro, além de várias outras autoridades convidadas.
Napoleão Laureano, que teve sua vida como homem publico, “marcada pela serenidade de propósitos”, “pela clareza ao tratar com as pessoas, pela firmeza e brilho na defesa de suas idéias”, deve ser sempre lembrado pelo povo paraibano como um homem que em vez de pensar em si, demonstrou “a vontade de servir aos mais humildes e desafortunados”.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

ARTE RUPESTRE EM PERNAMBUCO

OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO RIACHO  
DAS LETRAS

José Ozildo dos Santos
Rosélia Maria de Sousa Santos
Almir de Albuquerque Fernandes
I - A PAISAGEM

O Riacho das Letras corre por um pequeno canyon, que se forma nas encostas da Serra das Letras. O referido canyon, onde se situam os setes locais contendo gravuras, é marcada por encostas abruptas, com diferenças de altitudes da ordem de 200 metros. Tais encostas freqüentemente exibem vários paredões rochosos, muitos deles com lapas naturais ainda não estudadas, que constituem potenciais sítios arqueológicos.

Foto 1 - Aspectos do canyon por onde corre o Riacho das Letras

Possivelmente, o vale do Riacho das Letras, constituiu-se numa passagem natural para as populações indígenas pré-históricas. As matas ciliares acompanhando o Riacho das Letras, além de caminhos para os indígenas pré-coloniais, constituem e constituíram corredores naturais de deslocamento da fauna, e nesses locais a caça era abundante.

Foto 2 - Aspectos do leito do Riacho das Letras, onde o canyon
assume significativa largura

Em alguns locais, o referido canyon assume uma largura superior a 12 metros, ora estreitando-se bruscamente. Nesses espaços mais largos, surge uma rica e variada cobertura vegetal, que, em determinados locais, apresenta exemplares com alturas superiores a 10 metros, com destaque para as catingueiras e para os angicos.
Nas encostas dessa garganta pode-se encontrar diversos nichos, cavidades na rocha bruta, que mais parecem obras de arte. Algumas pequenas furnas também são encontradas, enriquecendo o aspecto da paisagem, embelezando-a. 
Várias dessas cavidades encontram-se no mesmo nível do solo. Outras, porém, em alturas superiores a 4 metros, com espaços internos variados e, que, sem dúvidas, serviram de locais de ocupação humana, na pré-história.

 Foto 3 - Aspectos dos nichos existentes ao longo do Riacho das Letras

Foto 4 - Aspectos das furnas existentes ao longo do Riacho das Letras

Foto 5 - Aspectos dos paredões existentes ao longo do Riacho das Letras

Foto 6 - Aspectos da mata ciliar que margeia o Riacho das Letras

II - OS REGISTROS RUPESTRES DO RIACHO DAS LETRAS

As gravuras rupestres existentes no Riacho das Letras estão distribuídas em sete locais de coordenadas diferentes. 
O primeiro destes pontos localiza-se nas coordenadas 07º 59’ 21” S e 37º 48’ 98” W. Trata-se de um pequeno bloco de rocha, que contém um conjunto de capsulares, dispostos, em sua grande maioria, na vertical. Ao todo, é possível notar a existência de 75 pontos cuidadosamente alinhados, formando 04 segmentos na vertical, onde, no primeiro e no segundo, encontramos 16 capsulares em cada. 

Foto 7 - Primeiro ponto do Riacho das Letras com caracteres rupestres

Esse bloco de pedra constitui uma elevação isolada no meio do leito do Riacho das Letras, e, por sua localização, encontra-se totalmente exposto e sujeita às inundações ali registradas durante o período chuvoso. Essa particularidade, tem, em muito, contribuído para o desgaste dos capsulares ali encontram.

 Foto 8 - Primeiros caracteres rupestres registrados no Riacho das Letras

Ao lado dos caracteres rupestres e em vários outros pontos da pedra suporte, pode-se notar a presença de uma pigmentação avermelhada, que é fruto da composição natural da referida rocha, não podendo ser confundida com vestígios de uma pintura rupestre.
Os capsulares que compõem o primeiro painel do Riacho das Letras, se repetem como se fossem carimbadas. Tais sinais, esculpidos cuidadosamente na pedra, demonstram que foram executados com ferramentas especiais, revelando conhecimento sobre o princípio de contagem.  Pois, o referido painel apresenta 75 capsulares, dispostos em quatro linhas verticais, contendo, num primeiro plano, respectivamente, 16, 15, 14 e 13 caracteres, ocupando uma área de 58 cm x 51 cm.
Inserida numa área sujeita à inundação, o estado de conservação da rocha suporte é regular, embora o monumento sofra a degradação imposta pelo sol, pelos ventos, pela chuva e pela ação de fungos.

Foto 9 - Identificação dos capsulares encontrados Riacho das Letras

Foto 10 - Registro dos capsulares encontrados Riacho das Letras

Partindo desse ponto, seguindo o curso do riacho em seu sentido contrário, é possível visualizar uma bela paisagem, que se forma entre os paredões. Nos dois lados, vê-se também uma série de ‘caldeirões’ - covas lisas e circulares erodidas na rocha - perfeitas obras de arte, produzidas pela natureza.
O segundo local contendo caracteres rupestres (pinturas e gravuras), encontra-se situado num ponto dados pelas coordenadas 7º 59’ 23” S e 37º 48” 96” W, distante 8 metros do centro do leito do Riacho das Letras, seguindo seu curso em sentido contrário, a partir do bloco de pedra contendo os capsulares esculpidos.

Foto 11 - Aspectos do primeiro abrigo existente no Riacho das Letras,
contendo pinturas e gravuras rupestres, visto do leito do riacho

Mesmo protegido pela mata ciliar, o referido abrigo, dependendo da intensidade das chuvas registradas na região, sofre os efeitos das inundações, face à sua aproximação do leito do Riacho das Letras. Entretanto, segundo informações colhidas juntos aos moradores da região, nos últimos anos, o mencionado riacho não vem colocando cheias que inundem esse abrigo.

Foto 12 - Aspectos do primeiro abrigo existente no Riacho das Letras,
contendo pinturas e gravuras rupestres, visto de perto

Na parede desse abrigo encontra-se um painel, com dimensões 1,95 m x 1,40 de altura, formado por grafismos puros na cor branca. Existem também alguns vestígios de pinturas rupestres, que, lamentavelmente, pela falta de preservação, não mais apresentam contornos visíveis.
A maior representação existente nesse painel é uma figura geométrica, à semelhança do algarismo 8, que possui 25 cm de tamanho e apresenta uma maior largura de 9 cm. Tal representação possui sua base unida a uma linha ondular, sem característica expressiva.
Outros caracteres são notados. No entanto, todos eles já não possuem visibilidade expressiva. O sol, o vento, a chuva e a ação de fungos, aliada a algumas pichações, são exemplos de elementos de degradação que afetam esse monumento.
Foto 13 - Principal grafismo do Sítio Arqueológico Riacho das Letras II

Foto 14 - Aspectos dos grafismos do Sítio Arqueológico Riacho das Letras II

O Sítio Arqueológico Riacho das Letras III, encontra-se localizado num pequeno abrigo rochoso, existente ao longo do referido riacho, num ponto dado pelas coordenadas 07º 59’ 24” S e 37º 48’ 96” W. 

Foto 15 - Vista parcial do Sítio Arqueológico Riacho das Letras III

O sítio apresenta um conjunto rupestre formado por grafismos puros na cor branca, gravados na rocha que forma a base do abrigo, ocupando um espaço de 4,25 m x 2,25 m.
Localizado nas paredes da encosta do canyon por onde corre o Riacho das Letras, este sítio rupestre está sujeito a periódicas inundações, que vem danificando seu aspecto de visibilidade. A grande parte dos referidos caracteres não mais apresentam um contorno visível, apenas sendo possível determinar que naqueles espaços existiu uma representação rupestre.

Foto 16 - Trabalho de identificação dos caracteres rupestres
do Sítio Arqueológico Riacho das Letras III

Nota-se, no entorno desse sítio, aspectos geológicos e geomorfológicos significativos, como afloramentos de rochas graníticas, que dividem o espaço com uma densa vegetação nativa, apresentando exemplares com alturas superiores a 10 metros.
O referido sítio pertence à tradição Itacoatiara (ou Itaquatiara), que, segundo a professora e arqueóloga Gabriela Martin Ávila, congrega inscrições que possuem uma característica peculiar, ou seja, “sempre estão associadas às águas, insculpidas em rochas nas imediações de cursos de rios, riachos, córregos, lagoas, olhos d’água ou tanques naturais”. 
Na base da pedra suporte, onde existe uma concavidade, após as cheias registradas no Riacho da Letras, fica uma grande quantidade de sedimentos que encobre alguns caracteres rupestres. Já bem próximo ao solo, existe esboçado um quadrilátero, que possuem lados que medem, respectivamente, 30 e 36 cm. A referida gravura, encontra-se divida em quatro partes igual.

Foto 17 - Aspectos de uma gravura existente no painel principal
do Sítio Arqueológico Riacho das Letras III

Foto 18 - Aspectos de uma gravura existente no Sítio Arqueológico
Riacho das Letras III, já bem próximo do solo

Foto 19 - Linhas onduladas existentes no Sítio Arqueológico Riacho das
Letras III, localizadas já bem próximo ao solo

Foto 20 - Aspectos do painel secundário do Sítio Arqueológico
 Riacho das Letras III (contornado para uma melhor visibilidade)

O Sítio Arqueológico Riacho das Letras IV, encontra-se num ponto de coordenadas 07º 59’ 24” S e 37º 48’ 96” W. Nesse local, o paredão rochoso apresenta uma saliência, que entra cerca de 1,10 m dentro do Riacho das Letras, formando, em sua base, um poço, que se mantém com água durante muito tempo, mesmo após o término do período chuvoso, encobrindo, às vezes, alguns caracteres.


Foto 21 - Aspectos da rocha suporte, contendo caracteres rupestres,
no Sítio Arqueológico Riacho das Letras IV

A vegetação, os aspectos geológicos e geomorfológicos deste local, são idênticos aos descritos no anterior, pois, ambos encontram-se no mesmo paredão, separados por uma distância inferior a 10 metros.

 Foto 22 - Aspectos da cavidade existente na rocha suporte
(Sítio Arqueológico Riacho das Letras IV)


Na base superior da rocha suporte, existe uma cavidade, que se prolonga por mais de três metros, em todos os sentidos, apresentando uma altura máxima de 70 cm, formando um espaço suficiente para alongar até quatro pessoas deitadas. Todos os caracteres existentes nesta parte do Sítio Arqueológico Riacho das Letras IV, são de baixa visibilidade. Sobre eles, o sol, os ventos, as chuvas, as inundações e os fungos, agiram fortemente.
O Sítio Arqueológico Riacho das Letras V encontra-se ao longo do paredão esquerdo, que margeia o curso d’água que dá nome ao referido monumento, num local que possui quarto cavidades, em série, sob as coordenadas 07º 59’ 25” S e 37º 48’ 94” W.

Foto 23 - Aspectos da rocha suporte, contendo caracteres rupestres,
no Sítio Arqueológico Riacho das Letras V

Em seu entorno, sobressaem uma vegetação e um relevo idênticos aos já descritos nos pontos anteriores. Nesse ponto, conforme mostra a foto 23, durante o período chuvoso, forma-se um poço, que se mantém com água por muito tempo, encobrindo alguns dos caracteres, existentes já bem próximo ao solo.
Completamente expostos ao sol, às chuvas, aos ventos e às inundações, os caracteres encontrados nesse ponto também não apresentam boa visibilidade. Alguns, já foram completamente apagados pela ação do intemperismo. Contudo, sobressaem algumas representações dignas de registros, que podem ser visualizadas a partir da foto 24.

Foto 24 - Aspectos dos caracteres rupestres, existentes no
 Sítio Arqueológico Riacho das Letras V

Bem no centro da cavidade maior, pode-se notar uma seqüência de capsulares – 24 ao todo. Ao lado, mais para esquerda, nota-se uma outra representação gráfica não definida. Abaixo, existe uma figura geométrica num mesmo plano que existe uma outra seqüência de quatro capsulares. O painel que contém essas representações ocupa um espaço de 85 cm x 1,10 cm.
Nesse local do Riacho das Letras, mais uma vez encontramos representações rupestres ligadas à Tradição Itacoatiara (do Tupi: ita = pedra + kwatia = riscada).  Tais petróglifos representam manifestações rupestres pré-históricas, esboçadas a partir de diferentes técnicas, “as quais, de acordo com pesquisas arqueológicas da Fundação Homem Americano, ainda não existem estudos que permitam estabelecer classificações e divisões confiáveis para este tipo de testemunho arqueológico no Nordeste”.

Foto 25 - Aspectos dos caracteres rupestres, existentes no
 Sítio Arqueológico Riacho das Letras V

O sexto ponto com representações rupestres (gravuras), existentes ao longo do Riacho das Letras, encontra-se num local definido pelas coordenadas 07º 59’ 26” S e 37º 48’ 93” W. Trata-se de um bloco de pedra solto, que serve de obstáculo ao curso do riacho que dá nome ao patrimônio arqueológico, ora descrito.

Foto 26 - Bloco de pedra, no meio do Riacho das Letras, contendo caracteres rupestres

O referido bloco de pedra apresenta em sua parte superior - que possui dimensões de 54 cm x 98 cm - um conjunto de capsulares (seis ao todo), que, apesar de estarem sujeitos a elementos degradantes diversos, apresentam-se bastante visíveis. Alguns destes capsulares, apresentam profundidades superiores a 1 cm.
Quanto à vegetação e ao relevo registrados nesse ponto, possuem características idênticas às descritas nos anteriores. Por sua localização atípica, muitas vezes, tais caracteres não são percebidos por aqueles que utilizam o leito do Riacho das Letras como caminho.

Foto 27 – Aspectos dos capsulares polidos, encontrados no
Sítio Arqueológico Riacho das Letras VI

O Sítio Arqueológico Riacho das Letras VII, encontra-se numa cavidade formada ao longo de um paredão rochoso, que existe no mencionado riacho, num ponto dado pelas coordenadas 07º 59’ 25” S e 07º 48’ 85” W. Ali, é possível identificar vários caracteres rupestres. Lamentavelmente, por encontrarem-se expostos a elementos de degradação como o vento, as chuvas, o sol e a ação dos fungos, alguns desses caracteres não mais possuem aspecto de visibilidade.

Foto 28 - Aspectos da cavidade rochosa, onde são encontrados vários caracteres rupestres, no Sítio Arqueológico Riacho das Letras VII

 Foto 29 - Aspectos dos caracteres rupestres do Sítio
Arqueológico Riacho das Letras VII

              Entretanto, a amostra de sete caracteres ali coletados, serve para dar uma idéia do valor arqueológico que o referido sítio ainda possui. Figuras geométricas e incisões profundas na rocha bruta, caracterizam esse ponto do Riacho das Letras. No entorno, verificam-se aspectos geológicos e geomorfológicos significativos, como afloramento de rochas graníticas, além de uma densa vegetação nativa.

__________
Texto: José Ozildo dos Santos
Prospecção: Almair de Albuquerque Fernandes
Fotos: Rosélia Santos
Guia: João José da Cruz Neto