UM CONTADOR DE ESTÓRIAS
José Ozildo dos Santos
José Cavalcanti da Silva ou simplesmente ‘Zé Cavalcanti’, nasceu a 27 de julho de 1918, em São José de Piranhas, no alto sertão paraibano. Filho do casal Manoel Cavalcanti da Silva e Bernardina Soares de Souza, era o segundo de uma prole de onze irmãos. Seu pai, o conhecido ‘seu’ Né Cavalcanti, era abastado fazendeiro naquele município e membro de uma tradicional família local.
No antigo Colégio Salesiano ‘Padre Rolim’, em Cajazeiras, José Cavalcanti iniciou o curso ginasial. No entanto, interrompeu seus estudos para servir ao Exército. Licenciado do serviço militar, a convite do talentoso Padre Manoel Vieira, instalou-se na cidade de Patos, onde, no Ginásio Diocesano, concluiu seus estudos, tornou-se professor de História Geral e do Brasil, naquele estabelecimento de ensino. E, foi nesse período, que conheceu a professora Rosalina Queiroz, com quem veio a contrair matrimônio.
Zé Cavalcanti
Em 1950, a convite de Ernani Sátiro, ingressou na política, elegendo-se deputado estadual pela União Democrática Nacional, sendo o terceiro mais votado entre os quinze candidatos udenistas eleitos para a Assembléia Legislativa. Reeleito para a legislatura seguinte, obteve 3.148 votos no pleito estadual de três de outubro de 1954. Quatro anos mais tarde, conquistou nas urnas seu terceiro mandato parlamentar, totalizando 3.442 sufrágios.
Durante a legislatura de 1959-1963, José Cavalcanti apresentou na Assembléia Legislativa cinco projetos-de-lei, criando os municípios de Serra Grande, Salgadinho, Santa Terezinha, Passagem e Cacimba de Areia, que aprovados, foram sancionados pelo Governador Pedro Gondim, em dezembro de 1961.
Em 1959, lançou-se candidato à Prefeitura Municipal de Patos, sendo derrotado pelo agropecuarista Bivar Olinto de Melo e Silva. No pleito estadual de 1962, Zé Cavalcanti apesar de ter obtido 3.842 votos, ficou na primeira suplência de seu partido - a UDN. Naquele ano, os resultados das eleições de sete de outubro, revelaram um novo cenário político no Estado. O próprio Ernani Sátiro, que tentou reeleger-se deputado federal, teve que se contentar com a primeira suplência da UDN.
Entretanto, com a convocação do deputado Otávio Mariz Maia para assumir a Secretaria de Saúde, no Governo Pedro Gondim, ainda em princípios de 1963, Zé Cavalcanti retornou à Assembléia Legislativa. No entanto, naquele mesmo ano, renunciou seu mandato parlamentar, após ter sido eleito prefeito do município de Patos, nas eleições realizadas a 11 de agosto.
Zé Cavalcanti administrou a cidade de Patos, no período de 30 de novembro de 1963 a 29 de janeiro de 1969, em virtude da prorrogação dos mandatos de prefeitos e vereadores. Em 1965, instituído o bipartidarismo, filiou-se aos quadros da Aliança Renovadora Nacional - ARENA.
Verdadeiro protótipo do político populista - “seu Zé”, como popularmente ficou conhecido - à frente da edilidade patoense, “procurou fazer um governo que atendesse aos interesses de todas as classes”. No entanto, apesar de sua administração ter sido muito discutida e combatida, implantou um novo modelo administrativo no município.
Possuidor de uma visão progressista desenvolveu uma gestão, visando atender as necessidades básicas da população carente. No Bairro de São Sebastião, executou o mais arrojado empreendimento de sua administração: construiu uma vila popular em regime de mutirão - com material e terrenos doados pela Prefeitura, ficando a mão-de-obra a cargo do beneficiado com a nova moradia. Isto, quando ainda não existia o Sistema Nacional de Habitação, o que faz dele um precursor.
Preocupado com a educação, a saúde e o bem-estar de seus munícipes, construiu diversas escolas na zona rural e na sede do município, dotando os bairros da periferia com postos médicos, clubes de mães, calçamentos e iluminação pública, revolucionando-os completamente. Diversificou os locais das feiras livres, construindo pequenos mercados nos bairros mais afastados do centro da cidade.
Sua ação administrativa se fez presente em todos os setores e recantos do município. Na cidade, embelezou diversas vias públicas, a exemplo das Avenidas Epitácio Pessoa e Solon de Lucena. Cuidou da limpeza pública e pôs em prática o primeiro programa municipal de arborização das ruas de Patos, atestando assim, seu valor como administrador e homem público de visão.
No final de sua gestão administrativa, conseguiram entregar à população patoense duas grandes realizações: O Estádio Municipal - que hoje possuí o seu nome - e a Praça João Pessoa, no centro da cidade. A população carente, beneficiada com a construção da vila popular, no Bairro de São Sebastião, batizou-a como “Vila Cavalcanti”, numa justa homenagem ao seu idealizador.
Suas realizações como prefeito do município de Patos, associadas ao carisma que desfrutava junto à população despertaram inveja em alguns políticos locais, ligados ao situacionismo.
Acusações surgiram e em 1972, José Cavalcanti teve seus direitos políticos cassados, pelo regime militar, sem, contudo, ter a oportunidade de defender-se das acusações que lhe foram impostas. Assim, o líder das massas viu ser sepultado o sonho que nutria em retornar à Prefeitura de Patos. Naquele ano, sua eleição era tida como certa, até mesmo, na observação de seus opositores e a cassação foi a única forma encontrada para derrotá-lo.
Homem simples, mas de atitudes fortes e corajosas, “seu” Zé costumava dizer que tinha um carinho muito especial por Patos e que, se não tivesse sido cassado, teria retornado à Prefeitura patoense e ali, novamente, realizado outra administração totalmente voltada para o social.
Cassado, “exilou-se” em João Pessoa. No ostracismo, cercado por poucos amigos, passou a dedicar-se à literatura, escrevendo e falando das coisas do povo do sertão, publicando seus ’causos’ nas paginas do ‘Correio da Paraíba’ e de ‘O Norte’. Assim, a cidade de Patos perdeu o mais autêntico de seus políticos. Mas, por outro lado, a Paraíba ganhou um grande folclorista.
Capa de um dos livros de Zé Cavalcanti
Membro do Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba, da Associação Paraibana de Imprensa, Zé Cavalcanti que é, até o presente, o mais prolífero contador de estória, da Paraíba, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e à Academia Paraibana de Letras - onde foi recepcionado a 19 de setembro de 1981, pelo acadêmico Afonso Pereira. Na Casa de Coriolano de Medeiros, onde passou a ocupar a cadeira nº 38, em substituição ao escritor patoense Nelson Lustosa Cabral, representou “a vertente popular da literatura de nosso Estado”.
Diversos foram seus artigos publicados na imprensa paraibana com o pseudônimo de ‘Zé Bala’, cuja alcunha, herdara de seu avô paterno João Cavalcanti da Silva - rico fazendeiro no município de São José de Piranhas - inclusive, assumida sem constrangimento, por vários descendentes daquele patriarca.
Anistiado, Zé Cavalcanti retornou ao cenário político paraibano. Em 1986, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, lançou-se candidato à Assembléia Legislativa. A falta de recursos financeiros, aliada a sua longa ausência do meio político, fortemente refletiram na votação obtida no pleito realizado a 15 de novembro daquele ano. Com o passar do tempo, a cidade de Patos havia esquecido seu grande benfeitor. E, decepcionado com o desempenho de sua candidatura, o velho Zé Bala recolheu-se definitivamente à vida privada.
Seu corpo foi velado no salão nobre da Academia Paraibana de Letras. E, no final da tarde do dia 1º de janeiro seguinte, saiu o féretro acompanhado por um grande número de amigos, familiares e admiradores para o Cemitério de Nossa Senhora da Guia, de João Pessoa, onde foi sepultado. À beira de seu túmulo, falaram personagens do meio cultural e político paraibano, que, unanimemente, enalteceram a personalidade daquele que em vida, foi o maior contador de ‘causos’ da Paraíba.
Folclorista, memorista e poeta popular, José Cavalcanti da Silva era um espírito alegre, possuidor de uma memória invejável. Escrevendo, utilizava um estilo próprio, jamais visto e toda a sua vasta bibliografia, possui cunho folclórico.
Em vida, publicou 26 livros, narrando as his(es)tórias alegres do povo sertanejo, entre eles, citamos: Potocas, Piadas e Pilhérias (1974); Casca e Nó (1974); Sem Peia e Sem Cabresto (1975); Bisaco de Cego (1977); Gaveta de Sapateiro (1977); Espalha Brasas (1979); Rabo Cheio (1980); As Fofocas de Seu Zé (1984); 360 Lorotas Políticas de Seu Zé (1985); Pais Tolos, Filhos Sabidos; Sabedoria Popular; Um Setentão; Quengada de Matuto; Curupacopapaco; Sertanejadas e Buscapé, livros que reúnem “um punhado de pequenas estórias que deliciaram grandemente seus leitores, algumas de teor picante”.
Patrono da cadeira nº 15, do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José Cavalcanti da Silva era um homem puro, autêntico, que não escondia palavras. Com um estilo próprio, rico no linguajar popular, descreveu e relatou fatos da vida sertaneja, numa originalidade que somente era sua. E, como imortal, será sempre lembrado como um dos maiores folcloristas paraibanos.