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domingo, 26 de fevereiro de 2012

ALLYRIO MEIRA WANDERLEY


José Ozildo dos Santos


Figura da maior projeção da literatura paraibana, ALLYRIO MEIRA WANDERLEY nasceu aos 22 de outubro de 1906, na fazenda Campo Comprido, termo e comarca do município de Patos, no sertão paraibano. Foram seus pais Francisco Olídio Mon­teiro Wanderley e Inácia Maria Meira Wanderley. Em 1912, aos cinco anos de idade, vencida a ‘Carta de ABC’, foi matriculado no ‘Colégio Leão XIII’, fundado e dirigido na cidade de Patos, pelo talentoso padre José Viana. Naquele estabelecimento de ensino, fez seus primeiros estudos. E, em fevereiro de 1919, transferiu-se para a capital paraibana, onde matriculou-se como interno do ‘Colégio Diocesano Pio X’. Em agosto daquele mesmo ano, mal tinha vencido a primeira etapa do ano letivo, adoeceu de uma infecção intestinal e teve que retornar ao lar paterno, onde esteve preso ao leito, por quatro meses. Com a saúde restabelecida, foi enviado para o Recife. Naquela capital, concluiu o secundário no ‘Colégio Salesiano’. Em junho de 1924, deixou o Recife com destino à capital pau­lista tendo em mente prosseguir com os estu­dos e trabalhar. Entretanto, em São Paulo, não encontrou o esperado. Os empregos que conseguiu, foram temporários. E, desempregado, as dificuldades foram aumentando. A lembrança dessa fase difícil de sua vida seria transportada para um de seus romances - ‘Bolsos Vazios’ - que, sem dúvidas, são suas próprias memórias. No início da década de 1930, passou a trabalhar como tradutor para jornais e editoras, de São Paulo. Foi nesse período que traduziu para o português, vários autores russos consagrados, a exemplo de Leon Tolstoi (‘Khadji-Murat’ e ‘Padre Sérgio’), Dostoievski (‘O Jogador’) e Leonid Andreief (‘Judas Iscariotes’ e ‘Os Sete Enforcados’). Jornalista da melhor escol, em 1931, passou a escrever para as páginas do jornal ‘A Razão’, publicado na capital paulista. Seguidamente, ali, atuou no ‘Correio de São Paulo’, ‘Correio Paulistano’, ‘O Dia’ (1933), ‘A Platéia’ e ‘A Gazeta’. Era, pois, um jornalista de sucesso, quando estreou no mundo das letras com o romance ‘Sol Criminoso’, publicado em 1931. O referido livro, bastante aceito pela crítica, foi laureado pela Academia Brasileira de Letras (1932) e marcou uma época na literatura nacional. Conferencista de talento, dono da palavra limpa, ao longo de sua produtiva existência proferiu várias palestras, abordando sempre temas polêmicos. Espírito culto, possuidor de um estilo imitável, escrevia sem parar. De 1932 a 1933, produziu: ‘Cães sem Donos’ (romance), ‘Serões de uma Traça’ (volume de crítica) e inexplicavelmente deixou inacabado o romance ‘Caminhos da Bronzeada’. Em 1934, publicou o romance ‘Os Brutos’. Desse último ano é também o seu segundo volume de crítica, intitulado ‘A Seara do Próximo’, que, a exemplo do primeiro, também ficou inédito. Por esse tempo, passou a escrever para as páginas d‘A Gazeta’, editada em São Paulo. Membro da Associação Paulista de Imprensa, em meados de 1935, publicou o polêmico livro ‘As Bases do Separatismo’, cujos exemplares numerados e rubricados pelo autor, foram apreendidos pela polícia, na capital paulista. Por pregar em seu livro a divisão do Brasil em cinco regiões distintas, foi perseguido pelo Governo de Vargas. Retornanodo ao seio familiar, refugiou-se na Fazenda Campo Comprido - de seu pai - enquanto aguardava uma decisão judicial, por parte do Tribunal de Segurança Nacional. Absolvido por unanimidade, por algum tempo, continuou na cidade de Patos, isolado do ‘mundo’, mas apegado a sua pena. Em 1940, publicou seu quarto livro - ‘Bolsos Vazios’. Por esse tempo, passou a colaborar nas páginas d‘A União’, jornal estatal paraibano. Em João Pessoa, no início de 1945, dirigiu ‘O Estado da Paraíba’, matutino independente e noticioso. Ainda em finais daquele ano, convidado, tornou-se crítico literário do jornal ‘A Manhã’, editado no Rio de Janeiro, para onde transferiu-se. Em julho do ano seguinte ingressou nos ‘Diários Associados’. E, com total liberdade de expressão passou a escrever para ‘O Jornal’, onde manteve por quase três anos uma coluna sob o título ‘A Ronda dos Livros’. No Rio de Janeiro, publicou seu quinto livro - ‘Ranger de Dentes’ - romance que traz o subtítulo ‘Crônicas de um Ocaso’ (1945). Com este livro, iniciou uma série de romances autônomos. Assim, produziu ‘As Formigas’ e ‘Espinho Branco’, que ficaram inéditos. O primeiro, traz como subtítulo ‘Crônicas de um Ocaso II’. Nos início dos anos 50, retornou à Paraíba, fixando-se em João Pessoa, onde, logo cedo, passou a militar na imprensa local, atuando como colunista nas páginas d‘O Norte’. Seguidamente, colaborou no ‘Correio da Paraíba’ (1953) e no ‘Paraíba Agrícola’ (1954), bem como no ‘Diário de Notícias’ (1953) e na ‘Gazeta de Alagoas’ (1953), estes últimos, editados no Rio de Janeiro e em Maceió, respectivamente. Seu último livro - ‘Os Carneiros Cinzentos’ - foi publicado em 1954, através da Editora Teone, de João Pessoa. Lamentavelmente, não viveu o suficiente para ver o reconhecimento de sua obra literária, falecendo no dia 15 de janeiro de 1955, em sua residência, no bairro Santa Júlia, na capital paraibana. Seu corpo, em câmara ardente, foi exposto por todo o dia no salão nobre da ‘Associação Paraibana de Imprensa’. Transladado para a cidade de Patos, foi sepultado no Cemitério São Miguel, em sua cidade natal. Homem inteligente e de imaginação fértil, é patrono da cadeira nº 37, da Academia Paraibana de Letras.

Allyrio Meira Wanderley


BOLSOS VAZIOS

Allyrio Meira Wanderley

Esta tarde, estou desocupado; vou contar a minha história. O coração é meu tinteiro. Se estas memórias não findam, é que eu me sobrevivo a mim mesmo. Sim, o homem é a sua ambição e a minha ambição morreu de fome.
Estranhar-se-á que, assim jovem, me volva para o passado? Mas, sem dúvida, explica-se: há tempos, descobri que todo futuro acaba no silêncio único. É curioso e é medonho. Cada passo adiante é um passo atrás; quanto se anda, tanto se recua. A existência é uma retirada...
Bem.
Naquela ingênua cidadezita sertaneja falavam do meu talento. Colaborava num semanário de palmo e meio, domingueiro e literário, discursava na Associação dos Empregados no Comércio quando era preciso discursar, elegiam-me orador do clube de futebol, o invicto e alvirubro Borborema, discutia as obscuridades eternas com o vigário e possuía uma estantezinha abastecida a capricho. Francamente, eu cria também nessa centelha de divindade; era mesmo, em segredo, o meu maior admirador; por isso, talvez, lia até à borda das madrugadas.
Uma ocasião que lhe mostrara um conto de minha lavra, o velho Zeca Escrivão me disse:
Cimaldo, por que não procura outro meio, melhor, no sul do país? Siga o meu alvitre; não enterre sua inteligência num deserto... Seja duro, bote a proa para o alto mar e você irá longe!
Pesei-lhe as palavras. À noite, revi a papelada esboços de novelas, tassalhos de poemas, peças e peças em debuxo onde pressentia inéditos fulgores. Com as duas mãos e um pouco de coragem construiria o meu destino. Abri-me a meu pai e, passada uma semana, despediamo-nos:
Prometo-lhe ser alguém...
Vai, meu filho, e tem fé!
Beijei minha mãe, cega de lágrimas; abracei o amigo, o suave Zeca Escrivão. No céu, surgiu um instante dourado; depois, os craúnas e os reflexos acordaram. Meu pai, o doce e forte lavrador, segurando-me o estribo, e o olhar muito fito em meu olhar, advertiu-me ainda:
A vida costuma puxar a gente para baixo; custe o que custar, sê um homem, meu filho!
Ouvi e calei. A manhã cantava pelos caminhos, como uma mulher loura; a terra, a amada do sol, espreguiçava-se toda, descansada e cérula. Deixei o claro solo natal, atravessei ruidoso regato fulvo e saí, sozinho e desarmado, no encalço da minha ilusão.
Cheguei, lembro-me, num setembro à Paulicéia. As moscas alegravam-se de achar luz abundante sobre as paredes, arremansava-se nos jardins uma efusão de verdes, borboletas ansiosas e azuladas vogavam entre os postes e os gritos da rua. Tomada de primavera, a cidade era múrmura e inquieta opala atravessada de resplendores ou embaçada de cerrações.
Morava em Santa Ifigênia, numa pensão alemã e estudava num externato, pertinho. Alinhavava os preparatórios e meu pai, muito sabido, desejava um bacharel na família. Então, eu fitava sempre o céu, como um girassol. Divagava pelas leituras, como por países de fada e lenda e ouro. No ar, as horas rolavam a custo, semelhando insetos de chumbo, tal a densidade de esperança. E à noite, a um canto do quartinho, montão de esterlinas ou de estrelas, lá estava a fulgir abafadamente na penumbra aquela miragem... Não compreendia bem o que fosse mas dava-lhe um nome, que esqueci. Às vezes, surpreendia-me de novo na terrinha natal e meiga: debaixo de uma cajarana bem velhinha, ao lado de Zeca Escrivão, rodeados da saudade e do arrebol, recordávamos os entardeceres e as fantasias indeléveis de outora; uma sussurração densa e macia, e agradável como o incenso, subia das casas, rojava nas ruas, vinha os pés aliar-me infindamente.
Quimeras de papelão.
Não contraí doenças nem amizades. Cristóvão Dourado, paulista e moreno, e Carmelo Verpetti, pintor de quatro lustros, eram as minhas camaradagens. Dias inteiros, no terraço da pensão, de relações cortadas com o mundo e esquecidos das espantosas realidades da vida, devaneávamos a todo pano ou escutávamos a tagarelice estentórea dos altofalantes. Desprezávamos a loucura ecumênica; só nos interessava a existência em cor das telas, a conquista do mármore selvagem ou o desabrochar das estrofes de chama e de anil.
Habitávamos longe, muito longe, na ilha do sonho...
Tinha seu valorzinho o Dourado. Estudara gramática um mês e tanto, e não emburrecera inteiramente. Publicara alguns versos e contos, granja grossa e pouco ouro; daí, perderem-no os colegas. Saciado de elogios, foi mais uma promessa crônica, gênio latente e consagrado, a atravancar-nos as confeitarias e a literatura.
São as vítimas do incenso...
Doutro metal, o Verpetti. Sem dúvida, não raro se parecia com os demais. Por exemplo: era um mamífero também. Mas, tinha o ombro esquerdo mais alto que o direito e nunca lhe descobri a corrente obsessão da publicidade; nascera com a mazela azul do talento, o infeliz. Por isso, uma vez, ao crepúsculo, num viaduto, sucedeu-lhe o que lhe sucedeu. Prejudicavam-no, no palco da terra, as suas intemperanças de ilusão, um apego de ostra à penumbra e lamentável incapacidade para o descaramento.
Que espera da vida, Carmelo? perguntei-lhe uma ocasião. Cimaldo, imagina-se que se tem inteligência e não se passa, freqüentemente, de uma besta iludida. Besta de boa fé; mas besta, Cimaldo.
Dourado atalhou-lhe:
Modéstia é vício. Se eu pensasse assim não estaria consolidado...
- ...pelo florescente cabotinismo nacional.
Ganhei o meu lugarzinho na literatura, meninos!
A literatura, dita brasileira, lembra uma literatura, como uma melancia lembra uma montanha...
Os seus contos e versos, esparsos em revistas e gazetas, eram a sua vigilante e intratável vaidade; tirante esse pequeno sem brilho, restava uma inofensiva criatura, passo tardio, costas abauladas, cabelo a fartar e duas palmas de moça o Cristóvão Dourado.
Através do portão, víamos a rua carregada de bulício e de ocaso. A vida vagava, vestida de seda e de chita, as mãos cheias de promessas e de castigos, um olhar de vidro na pupila que era um sol. E cruzavam muitos homens, muitos: aquele arrastava um cuidado, semelhante a grossa cadeia de ferro: acolá, outro, de casimira cinzenta, coxeava com o sapato apertado; um terceiro, que lhe pisou o pé direito, sobraçava sorrindo e apressado, um ramalhete de orquídeas; atrás dele vinha esse aqui, doce e lento, turvo, descoberto, sempre à espera de mirtos e de louros para a calva...
De improviso, Dourado observou:
Olhem, que perna... No ponto do bonde, a moça de meias cor de carne... Meu Deus!
Bom, já vimos; agora, voltemos ao assunto, disse Verpetti.
Não vale a pena, o Cimaldo implica...
Implico, não.
Ao menos, publiquei o que pude; e você?
Alguns têm vivacidade, improvisam, e é muito; outros têm paciência, elaboram, e é mais.
Há não sei quanto, anuncia um romance e o romance nada de aparecer...
Para começar pelo canibalismo gramatical desta época dos folhetos? Aprendo antes: depois, não me confundirei com os abutres do idioma. Quero nascer mestre. Aqui, ou se escreve demais ou se escreve de menos, pára-se na estréia ou produz-se às arrobas; daí, sermos atrofiados ou efêmeros.
Isso, entre nós, ainda é mitologia... E, por cima, também se admira por contágio ou por sugestão; donde, a vitalidade das famas de cobre!
Ora! que lucraria eu em matar-me na caça da perfeição?
A arte se basta, Cristóvão; é o que tem de comum com o sol.
Para mim, o essencial é o aplauso.
Isto me irritou até a medula; gritei:
Afinal, não me espantam os progressos da imbecilidade humana!
Não se briga por opiniões, interveio Verpetti.
Por opiniões é que se briga!
Tolices...
Mas, não é? Os nossos poetas, em regra com a olímpica vocação da albarda, são uns autômatos versejantes. E, cantar sem sentir não é mentir a cantar?
A sinceridade faz o justo, Cimaldo; o artista, não. É necessário pôr mais alguma coisa...
A inspiração? indaguei, suspenso.
A habilidade! retrucou, sorrindo,.
Ao cabo, retorqui-lhe, pouco se me dá; a importância da poesia é a mesma do berimbau.
Escurecia. Só uma chama de sol, escarlate e póstuma, percorria as nuvens.
Baixavam-se as portas de aço das lojas, acendiam-se as vitrinas e duas ou três estrelas acabavam de chegar ao céu, nuas como raparigas que se banham num mar azul. Dourado e Verpetti retiraram-se quase logo e eu, que precisava argamassar o futuro à força de músculo e desejo, corria ao trabalho.
Uma esperança inveterada.
Arrependido dos meus ócios, via a insondável esterilidade da preguiça. É um crime malversar as horas. Sentir é muito; pensar é mais; obrar é tudo. Aquecia-me e lutava. Sim; sonhar, poder e subir...
Mas, refletia de repente, de que servem as nossas suntuosas ninharias se até o sol, no alto ar, uma vez se apagará como uma brasa pequena?
Eis a incansabilidade do tempo. Ontem, seduzia-me uma narração da carochinha; hoje, apavora-me a novela da eternidade. A morte, no seu apetite de aniquilamento, consome deuses, rios, constelações inteiras e ainda apanha, aqui no quintal da pensão, as formiguinhas que passam tão baixo e as exíguas lagartas verdes que moram no fundo das rosas.
A carne range e o osso treme, se se pensa, e, se não, dá no mesmo; a sua foice infalível não esquece nem despreza.
Distraio-me, garatujando as paredes com giz. Rio dos bonecos, os bonecos riem de mim, e os minutos batem em todos nós com os seus machados pesados, e ninguém sente nada. Um dia, inesperadamente, eles nos desvaneceram da face da vida!
Cristóvão Dourado advertiu-me: Procure uma namorada; estudar, estudar, estudar, é perigoso: acaba fazendo calos na palma da mão... Divida as horas.
Porém, ajeite-se, primeiro; nada de gravata para o ombro, punhos esfiapados, barbas de mês, sabe?
Nesse comenos, encontrei no bonde da Barra Funda uma rapariguinha quieta, míope, leitosa; mais tarde, parava na esquina e ela se debruçava da janela, piscando mansamente por detrás dos óculos.
Senhorita, têm-se visto casos em que o amor fez de um homem qualquer um grande homem...
Coisas de cinema, Cimaldo!
Coisas da realidade, da realidade também... Que pretenderia que eu fosse?
Meu ideal... meu ideal mesmo... está em Hollywood!
Virei as costas àquela alma sem asas e recaí nos antigos hábitos. Escrevinhava freneticamente, doido por ver a feição da minha frase: delineava o primeiro romance: A Vocação de Jarjalã. Do Nordeste, no fim do mês, recebia a mesada; pagava aqui, pagava ali, pagava além e, dois dias após, um tostão não me restava.
Era assim eu, Cimaldo Olídio, quando cheguei à Paulicéia, em mil novecentos e tantos, com quase vinte anos, sobeja esperança e nenhum dinheiro; agora, nesta tarde de ócio e de bruma, quis dar-me ao trabalho de tecer, com algum amor, nem sei porque, este ramo de lembranças e de violetas...

(Do Livro 'Bolsos vazios')

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DE FLORES

José Ozildo dos Santos
Rosélia Maria de Sousa Santos
Almair de Albuquerque Fernandes

A
 Cidade de Flores, no sertão do Pajeú, Pernambuco, possui um valioso conjunto histórico composto por construções que remontam ao início do século XIX. Entre esses atrativos, destaca-se o antigo Edifício da Câmara, que também funcionou como cadeia Pública e hoje sedia a Prefeitura Municipal.  O prédio da antiga Casa da Câmara, onde também funcionavam as sessões do Tribunal do Júri, teve sua construção iniciada em 1872.
Foram necessários nove anos para sua conclusão. Inicialmente, no térreo, funcionava o comando do destacamento policial e a cadeia pública. No primeiro andar, a Justiça. Posteriormente, no andar superior, ali instalou-se a Câmara Municipal, ainda no final do século XIX.

Antiga Casa da Câmara e Cadeia Pública,
construída na segunda metade do século XIX

Toda a estrutura do imóvel foi preservada. Seu piso superior é totalmente construído em cedro. Duas amplas escadas em declive, ligam os dois pavimentos.
Quando o turista de aproxima do centro da cidade Flores já sente que ali se respira história. O passado parece está impregnado na paisagem que oferece ao observador mais atento, valiosas memórias do tempo em que o Sertão do Pajeú viveu o seu apogeu. A antiga Cadeia e Casa da Câmara é uma parada obrigatória numa visita à cidade de Flores.
Por mais de cento e vinte anos, o referido imóvel vem sendo palco das decisões políticas e históricas do município de Flores.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição,
 construída na segunda metade do século XIX

A atual Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição teve sua construção iniciada em 1800, no mesmo espaço anteriormente ocupado pela primitiva capela de Nossa Senhora do Rosário. Após várias obras de reparos e ornamentos, coordenadas pelo vigário Pedro Manoel da Silva Burgos e pelo frade capuchino frei Serafim de Catania, ainda no século XIX, a referida Matriz passou a ter o atual aspecto de apurado gosto artístico. Ao seu lado direito existe um grande largo, que é utilizado para festas e eventos religiosos. No local, também se destaca uma pequena gruta, construída em granito

Casarão de Juvênio Medeiros,
construído no final do século XIX

Casarão de D. Carmelita Santana, construído
em 1908, pelo padre Anísio Torres Bandeira

Antigo Casarão do Coronel Dodô,
construído no final do século XIX

Casario da Travessa Manoel Quidute,
construído no inicio do século XX

Além desses dois atrativos, que se destacam por seus significados históricos, vários outros atrativos podem ser encontrados no centro da cidade de Flores. Ao longo da Praça Dr. Manoel Santana Filho, em ambos os lados, existem uma série de casarões e estabelecimentos comerciais construídos, em sua grande maioria, na segunda metade do século XIX.
Nessa época, a Vila de Flores destacava-se no sertão do Pajeú por sua importância econômica.  Tais construções são heranças desses tempos memoráveis na história local.

Casarão da Rua Siqueira Campos,
construído na segunda metade do século XIX

Outro imóvel digno de registro é o Casarão da Siqueira Campos, que encontra-se a poucos metros da Praça Dr. Manoel Santana Filho, a principal da cidade. Construído no início da segunda metade do século XIX, nele, residiu o senhor Antônio Medeiros de Siqueira Campos, político prestigioso em Flores nas três primeiras décadas do século XX, tendo sido prefeito e deputado estadual.

Fonte: POTENCIALIDADES
TURÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE FLORES (2009).

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O RIO GRANDE DO NORTE NA CRÔNICA POLICIAL DO SÉCULO XIX - II


O ASSASSINATO DO CAPELÃO DE JARDIM DE PIRANHAS (29-09-1825)

José Ozildo dos Santos

E
m 1823, o padre Antônio José Ferreira Nobre aparece no Rio Grande do Norte, exercendo as funções de capelão da povoação de Jardim de Piranhas, cuja capela, dedicada a Nossa Senhora dos Aflitos, integrava a Freguesia de Nossa Senhora Santana, de Caicó. Naquela povoação, a permanência do referido sacerdote foi curta e desastrosa. Esquecendo seu ministério, envolveu-se em questões banais e foi assassinado na referida povoação, no dia 29 de setembro de 1825, após ter recebido uma facada em uma de suas coxas.
Registra a tradição oral, no Seridó, “que o padre Ferreira Nobre era dono de um comportamento pouco recomendável”(1). E, envolvendo-se numa luta corporal com uma mundana, ao tentar tomar uma faca que ela portava, foi atingido mortamente na virilha. Transladado para Caicó, o corpo do referido sacerdote foi sepultado numa das arcadas da Igreja Matriz do Seridó (2).
Os dados biográficos do padre Antônio José Ferreira Nobre são poucos conhecidos. Sabe-se apenas que nasceu no ano de 1799, sendo, portanto, ignorados o local de seu nascimento e qual a sua filiação. Provavelmente, era parente próximo do padre Alexandre Ferreira Nobre, antigo capelão de São Gonçalo do Amarante, nascido em Natal entre os anos de 1812 e 1814. No entanto, seu nome também “faz lembrar o do padre José Ferreira Nobre, vigário de Pombal, altamente comprometido na jornada de 1817, nos sertões paraibanos, de quem a vitima pa­rece ser consangüínea”(3).
O que é certo, é que o padre Antônio José Ferreira Nobre por sua fama de namorador, não era bem visto pela população jardinense. Sua morte, de forma significativa atrapalhou o desenvolvimento da povoação de Jardim de Piranhas, que por duas vezes pretendeu ser elevada à condição de freguesia e não obteve êxito em sua pretensão.


NOTAS
1 - MEDEIROS FILHO, Olavo de. Cronologia Seridoense. Mossoró: FGD; FVR, 2002, pág. 225.
2 - Matriz de Nossa Senhora Santana (do Seridó). Livro de Óbito – Ano 1825. “Aos vinte e nove dias do mez de settembro de mil oitocentos e vinte e cinco na povoação do Jardim de Piranhas desta Freguesia do Seridó faleceo repentinamente sem sacramentos, por motivo d’huma facada em hua coxa da perna, o Reverendo Antônio José Ferreira Nobre, Prebistero Secular, com idade de vinte e seis annos. Seu cadaver foi sepultado nesta Matriz de Santa Anna, junto à grade do arco para baixo em o dia seguinte, sendo involto nas vestes sacerdotaes de cor roxa, acompanhado solemnemente, e encommendado por mim; de que para constar fiz este Assento que assigno. O Vigrº Francisco de Brito Guerra”.
3 - DANTAS, Dom José Adelino. Homens e fatos do Seridó Antigo. Garanhuns-PE: O Monitor, 1961, pág. 41.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PADRE JOÃO MARIA

O SANTO POTIGUAR (I)


José Ozildo dos Santos

J
oão Maria Cavalcanti de Brito nasceu a 23 de junho de 1848, no sítio Logradouro, no antigo território caicoense, hoje, parte integrante do município de Jardim de Piranhas, no Seridó norte-riograndense. Foram seus pais Amaro Cavalcanti Soares de Brito e Ana de Barros Cavalcanti. Com seu pai, que era professor primário, aprendeu as primeiras letras.
Padre João Maria

Em 1861, matriculou-se no tradicional Seminário de Olinda, no qual estudou os preparatórios e fez parte do curso de Teologia, recebendo as ordens menores. Transferindo-se para o Seminário de Fortaleza, ali concluiu seus estudos eclesiásticos. Sua Ordenação sacerdotal, ocorreu em 1871, após receber a ordem sagrada do presbiterato das mãos de Dom Luís Antônio dos Santos, Bispo Diocesano de Fortaleza.
Volvendo ao Rio Grande do Norte, o jovem sacerdote seridoense celebrou sua primeira missa a 10 de dezembro daquele mesmo ano, na Igreja Matriz de Nossa Senhora Santana, na cidade do Caicó e iniciou no sacerdócio como Capelão da povoação de Jardim de Piranhas, sua terra natal, onde fundou uma escola primária que funcionava em sua casa materna (1872-1877).
Seguidamente, foi capelão da povoação de Flores, atual cidade de Florânia, na região do Seridó potiguar. Designado vigário da Freguesia de Santa Luzia do Sabugi, na Paraíba, retornou ao Rio Grande do Norte para reger a Matriz de Nossa Senhora do Ó, de Papari - atual cidade de Nísia Floresta.
Anos mais tarde, permutando sua freguesia com o Padre José Herminio da Silveira Borges, tornou-se vigário da Matriz de Senhora da Apresentação, da cidade do Natal, em cujas funções empossou-se a 7 de agosto de 1881.
Sacerdote virtuoso, o Padre João Maria – como ficou conhecido -  por “seu apostolado incessante e caridade inextinguível foi a mais impressionante e sedutora figura de sacerdote que tenha paroquiado os natalenses. Em vida, cercava-o uma auréola de santidade”.
Em Natal, o Padre João Maria fez sua residência no consistório da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e num gesto digno de registro, “diariamente, a pé ou montado num jumento, saía de casa em casa, distribuindo conselhos, otimismo, animando e incentivando as almas piedosas. Dava todo dinheiro que por acaso recebia de suas atividades na Igreja. Muitas vezes, dava a própria rede, passando a dormir numa cadeira velha”.
Em 1905, quando da epidemia de varíola na cidade do Natal, “desdobrou-se no atendimento a quantos necessitavam de auxílio, remédios, comido, roupas, carregando água ou lenha para os que nem isso possuíam, trabalhando noite e dia nessa vigília de solidariedade humana”.
Figura da maior culminância na história do clero potiguar, o Padre João Maria foi ‘um verdadeiro discípulo de Cristo’, pois “a sua fé foi íntegra e infrangível como a dos mártires, a sua caridade incansável e ilimitada como a de Vicente de Paulo”.
Abolicionista nato, participou ativamente da vida social e católica natalense. E, num gesto pioneiro, fundou o ‘Oito de Setembro’, que foi o primeiro jornal católico editado no Rio Grande do Norte. Em Natal, o Padre João Maria criou a Escola São Vicente de Paula, na Matriz e deu início as obras de construção da futura Catedral, na Praça Pio X.
Cognado de ‘pai dos pobres’, esse título por si só, traduz a incomparável bondade que possuía. Adorado pelo povo natalense, faleceu a 16 de outubro de 1905, na capital potiguar, deixando “imperecível recordação de suas peregrinas virtudes”. No dia de seu sepultamento, a cidade toda esteve presente ao cortejo, que converteu-se numa apoteose.
Para homenagear seu eterno pastor, os natalenses colocaram um busto em bronze (modelado pelo escultor Hostílio Dantas), na praça que possui seu nome e que foi inaugurado no dia 7 de agosto de 1921. O lugar, logo tornou-se ponto de devoção popular e ainda hoje é visitado diariamente por milhares de devotos do ‘santo’ da cidade do Natal.
Entre seus irmãos, alcançou projeção e destaque o Dr. Amaro Cavalcanti, jurista de renome internacional, que representou o Rio Grande do Norte no Senado e na Câmara dos Deputados, e, foi Ministro de Estado e do Supremo Tribunal Federal, durante a Primeira República.
Patrono da cadeira nº 11 da Academia Norte-Riograndense de Letras, em vida, o Padre João Maria foi “absolutamente bom e absolutamente humilde” e tive “a raríssima felicidade de conservar imaculados esses atributos de tua perfeição, sendo, como igualmente foste, absolutamente pobre”. Seu sacerdócio, era um apostolado e como cristão, soube amar o próximo mais que do que a si mesmo.

Continua...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O RIO GRANDE DO NORTE NA CRÔNICA POLICIAL DO SÉCULO XIX - I

O ASSASSINATO DO VIGÁRIO DA VILA
DE PAPARI (21-11-1835)

José Ozildo dos Santos



N
orte-riograndense, o padre Antônio Gomes de Leiros fez seus estudos eclesiásticos no Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, Província de Pernambuco, onde ordenou-se em finais de 1833. Retornando ao Rio Grande do Norte, assumiu a recém-criada Freguesia de Nossa Senhora do Ó, sediada na antiga vila de Papari (atual cidade de Nísia Floresta), tornando-se o primeiro vigário daquela sede paroquial.


Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, na atual cidade de Nísia Floresta

Jovem e com grande disposição para o trabalho, o padre Leiros - como ficou conhecido - logo tornou-se estimado por seus paroquianos. No entanto, esquecendo os ensinamentos e os dogmas da Igreja e movido pelo espírito da ganância, ambicionou o ‘Sítio Bica’, pequena propriedade agrícola, pertencente ao agricultor Tomás Marinho, que com muitos esforços, havia transformado seu sítio no mais produtivo da região.
Alegando que o referido imóvel rural ficava dentro das terras, que formavam o patrimônio de sua freguesia, o referido sacerdote contratou os serviços do rábula Manuel Gabriel de Carvalho e usou das prerrogativas do cargo que ocupava para conseguir seus objetivos.
No final, num processo jurídico que durou poucos meses, conseguiu uma sentença que lhe foi favorável. Por outro lado, o agricultor Tomás Marinho, que passou a ser objeto de gozação em Papari, decepcionado com a justiça, jurou vingança. Adquiriu uma pistola e munições, na cidade do Natal e de maneira proposital, numa certa tarde, encontrou-se com seu arquiminigo, no centro da vila de Papari.
O padre Leiros, vendo-o, dirigiu-se ao seu encontro e num tom de zombação, disse:
- Tomás, perdeste a questão e a terra!
O agricultor, sacando de sua pistola, bruscamente investiu-se contra o sacerdote, dizendo:    
- E o senhor, padre, a vida!
Assim, efetuou um disparo, que mortalmente atingiu o referido sacerdote.
Ferido, o padre Leiros caiu agonizando. Minutos depois, Tomás Marinho foi preso e posteriormente, transferido para a cadeia do Natal. Na prisão, o assassino foi ajudado por alguém, que lhe forneceu uma lima e quinhentos mil réis, quantia que foi usada “para fazer o soldado, encarregado da sentinela, dormir estando acordado”.
Assim, serrando as grades de sua cela, evadiu-se numa noite chuvosa, antes de ser levado a julgamento. E, apesar de todas as diligências policiais, seu paradeiro não foi descoberto.
Quanto ao padre Leiros, assassinado publicamente, no centro de Papari, às 2 horas da tarde, do dia 21 de novembro de 1835, foi sepultado no interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. Entretanto, em princípios de outubro de 1839, “o tenente José Antônio de Souza Caldas, comandante do destacamento do Corpo de Polícia na Vila Nova da Princesa, atual cidade de Assú, fora informado que um homem misterioso residia nos arredores da sede. Procurou verificar a veracidade da denúncia e encontrou Tomás Marinho já morto, por um colapso, horas antes da diligência policial”. 
Conduzido para a sede daquela vila, Tomás Marinho foi sepultado no interior da Matriz de São João Batista. No dia 15 daquele mesmo mês, chegou ao Assú, em visita pastoral, dom João da Purificação Marques Perdigão, bispo de Olinda, a cuja diocese era subordinado o território potiguar. Informado que o assassino do padre Leiros, havia sido sepultado no interior da Matriz local, aquele prelado determinou que o referido cadáver fosse dali retirado e sepultado distante do solo sagrado, no anonimato, para que fosse esquecido com o tempo.
Posteriormente, visitando a vila de Papari, no período de 3 a 5 de novembro daquele mesmo ano de 1839, o referido diocesano registrou a seguinte versão para os fatos:
Foi nesta povoação, que assassinaram o pároco antecessor do atual pela 1 hora da tarde, cuja morte mui sensível foi para a maior parte dos habitantes. Esse assassino, morrendo na freguesia do Assu, poucos dias antes de eu visitar aquela freguesia, foi sepultado na igreja, depois que aquele pároco encomendou seu corpo, ignorando ser o assassino do dito padre. Logo porém, depois que este corpo foi entregue à sepultura, foi desta tirado e enterrado em lugar não sagrado, em conseqüência da certeza que o pároco teve de ser homem o assassino daquele pároco”.
Na própria Papari - hoje cidade de Nísia Floresta - o nome do padre Leiros é completamente esquecido, numa visível demonstração de que não existe lugar na história para aqueles que esquecem seu ofício e desvirtuam os exemplos da fé.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

NORTERIOGRANDENSES ILUSTRES - IX

ULISSES OLEGÁRIO LINS CALDAS



José Ozildo dos Santos


F
oi o mais bravo soldado norte-riograndense, que participou da Guerra do Paraguai. Nascido na antiga Vila Nova da Princesa, atual cidade de Assú, a 5 de maio de 1846, Ulisses Caldas era filho do Alferes Francisco Justiniano Lins Caldas e de dona Maria Gorgonha de Holanda Wanderley. Em sua juventude, transferiu-se para Natal, onde continuou os estudos iniciados em Assú, tornando-se popular em toda cidade, por seu espírito comunicativo.

Ulisses Caldas Lins Caldas

Eclodindo a Guerra contra o Paraguai, movido por forte gesto de patriotismo, alistou-se no Batalhão de Voluntário da Pátria, a 17 de março de 1865, integrando a primeira turma de voluntários, embarcando logo em seguida para o cenário da guerra, sendo-lhe dado a patente de alferes. Ao seu irmão, João Perceval que encontrava-se no Recife e que também alistou-se como voluntário, deram-lhe o posto de sargento.
Logo no primeiro combate, demonstrou que era um bravo. Numa determinada ocasião, “após a explosão de uma mina e vendo dispersos os membros mutilados de companheiros mortos ao seu lado, gritou aos sobreviventes, num lance de indômita coragem, avança, camaradas! ainda é vivo Ulisses!”, e toma, ele mesmo, à ponta de espada e por entre um chuveiro de balas, duas peças de artilharia ao inimigo, sendo, do corpo a que  pertencia, o primeiro que galgou as suas trincheiras”.
Por este valente feito, foi condecorado com o hábito de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Seu nome, tornou-se uma legenda. A cada combate, aumentava seus atos de valor e “ao falecer, a sua fé de ofício oferecia, pelo número de elogios que continha, um verdadeiro contraste com a rapidez de sua carreira militar”.
Alferes do 29º Corpo de Voluntários da Pátria, em ação na Zona de Combate, foi comandado pelo tenente coronel Alexandre Freire Maia Bittencourt e, a 4 de setembro de 1866, recebeu a patente de tenente. Com sua espetacular bravura, encorajava seus homens, guiando-os de espada em punho, nas frentes de batalhas. No comando, “atirava-se às refregas acesas, criando renome, citado, apresentado aos comandantes como exemplo de coragem, de tenacidade, de sangue frio”.
O Tenente Ulisses Caldas faleceu em combate a 7 de novembro de 1866, nas avançadas da tomada de Curuzu, aos  vinte anos de idade e menos de dois, prestados ao serviço militar, deixando às gerações futuras, “um nome e uma tradição de heroísmo que não morrerão jamais”.
Registrou Tarcísio Medeiros, que Ulisses Caldas “ao falecer, a sua fé de ofício oferecia, pelo número de elogios que continha, um verdadeiro contraste com a rapidez de sua carreira".
Por carta, João Perceval comunicou aos seus pais, residentes em Assú, a morte de seu irmão, em detalhes, numa narrativa emotiva e comovido de lágrimas. Eis a carta:
Meus caros pais, abençoam”.
Acampamento em Curuzu, 8 de novembro de 1866.
Depois de ter passado por tantos trabalhos, por tantos perigos, veio a sucumbir em um tiroteio que houve entre nosso piquete e o inimigo, ontem às 9 horas e meia da manhã, o meu querido irmão Ulisses, o maior amigo que eu tinha. VV. mercês. devem avaliar a minha dor, pela de VV. mercês. Estava eu com o batalhão junto às trincheiras, quando soube que ele tinha sido baleado. Imediatamente entreguei a bandeira a outro alferes e segui para o hospital onde ele se achava. Em caminho soube que ele (baleado) foi conduzido morto; cheguei ao Hospital, com efeito, achei-o na eternidade, cercado por muitos oficiais e soldados; entrei, dei-lhe um ósculo na face, muitas lágrimas banharam meu rosto pálido, mas não desfigurado. Sai a fim de preparar o caixão, sepultura e arranjar o que era necessário para sepultá-lo com decência, para o que muito se prestaram alguns comprovincianos nossos que são meus verdadeiros amigos. O ferimento foi de lado, no braço direito quase no costado do ombro; não quebrou o osso, porém a bala foi ao coração. É doloroso esse golpe que acabamos de sofrer, porém alguma cousa aliviada pela brilhante figura que fez sempre em todos os combates em que se achou, pelo que foi sempre elogiado nas ordens do dia do seu comandante e mesmo do Exmo. Sr. General”.
Sem dúvida o nome dele já está nas colunas dos jornais, pela bravura que apresentou no combate do dia 3 de setembro, que a ele se deve a tomada de duas bocas de fogo. No dia 22, portou-se com o mesmo e assim no dia 13 de outubro, o batalhão dele achava-se de proteção ao piquete; este foi atacado pelo inimigo que depois refugiou-se na mata. O general do dia pediu ao comandante um oficial de confiança e oito praças; ele foi escolhido; segue para dentro da mata afim de provocar o inimigo, quando recebeu grande descarga, ficando logo três praças baleados. Com cinco praças que restavam sustentou o arrojo do inimigo que avaliou em 80, até que veio socorro de mais 50 praças, e neste último em que sucumbiu portou-se dignamente, marchando na frente como sempre fazia. A morte dele causou grande choque no segundo corpo do exército. Vv. Mercês sabem do gênio dele; a todos agradava grandes e pequenos; no semblante de todos se divisava sentimento”.
Foi acompanhado à sepultura por mais de 150 oficiais e alguns cadetes, sendo a maior parte de infantaria, muitos de cavalaria e alguns da marinha. Foi sepultado as 4 e meia da tarde do mesmo dia entre duas       árvores, onde estão mais alguns bravos seus companheiros. Era tenente do dia 4 de setembro, quando eu também fui promovido a alferes”.
Tudo isto, meus caros pais devemos encarar com muita resignação. Deus o tenha em sua glória. Adeus. Aceitem o coração saudoso de seu filho obediente e amigo - JOÃO”.
No Rio Grande do Norte, o nome do Tenente Ulisses Caldas é lembrado com admiração. Em Natal, desde 13 de fevereiro de 1888, encontra-se imortalizado, designando a Rua onde está hoje o edifício da Prefeitura Municipal.

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