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sábado, 8 de dezembro de 2012

CRISTIANO LAURITZEN: Uma grande vida

José Ozildo dos Santos

N
ascido a 11 de novembro de 1847, na Jutlândia, península da Dinamarca, Cristiano Lauritzen aos 21 anos de idade emigrou para o Brasil e após percorrer a região Nordeste, fixou-se em Campina Grande, onde estabeleceu-se inicialmente como vendedor de joias, em idos de 1880. Naturalizando-se brasileiro, casou-se a 26 de julho de 1883 com Elvira Cavalcanti, filho do Coronel Alexandrino Cavalcanti, rico fazendeiro e comerciante, que durante anos presidiu a Câmara Municipal de Campina Grande. Assim, ligado-se a uma das famílias mais influentes na política campinense, passou “a interessar-se pelos problemas da comuna, vindo a concorrer apaixonadamente para o desenvolvimento da terra a que se ligara”.
Cristiano Lauritzen  

Ingressando na política, recebeu das mãos do Dr. Antônio da Trindade Antunes Meira Henriques, Juiz de Direito e ex-deputado provincial, a chefia do Partido Conservador no município de Campina Grande, em virtude daquele magistrado ter sido removido para a Comarca de Pitimbú. E, com o advento da República, foi nomeado membro e Presidente do Conselho de Intendência, pelo Dr. Venâncio Neiva, primeiro dirigente do Estado da Paraíba.
Permaneceu no referido cargo por pouco mais de um ano. Mas, foi o tempo suficiente para deixar sua marca como administrador. Em Campina Grande, Cristiano Lauritzen realizou “serviços que ainda perduram como a construção do prédio do atual Ginásio ‘Alfredo Dantas’ e a compra do relógio da Matriz, hoje Catedral”.
Em 1891, elegeu-se deputado à Assembleia Estadual Constituinte. No entanto, teve seu mandato parlamentar interrompido com a dissolução da Assembleia, a 13 de janeiro de 1892, por ato da Junta Governativa, instalada no governo logo após a queda de Deodoro da Fonseca e a consequente deposição do primeiro Presidente do Estado da Paraíba. Em 1895, no ostracismo, Cristiano Lauritzen viu-se envolvido no episódio que ficou conhecido na história campinense com o ‘Rasga Vale’, fruto de armação de seus adversários e que abalou toda a cidade. Preso, foi posto em liberdade por ordem de um ‘habeas corpus’.
Fiel aos seus princípios éticos e políticos, após consultar Epitácio Pessoa e Venâncio Neiva, de quem era amigo e correligionário, aceitou o convite formulado pelo senador Álvaro Machado para integrar o Partido Republicano. Assim, foi reconduzido à chefia política do município de Campina Grande, em 1904 e somente foi dela afastado com sua morte, ocorrida em 1923, após mais de três décadas de militância política.
Em 1912, conseguiu eleger seu filho Ernani Lauritzen para a Assembleia Legislativa, que reeleito em sucessivas legislaturas, permaneceu no Parlamento Estadual até 1924, quando renunciou seu mandato para substituí-lo no comando político campinense. Amigo íntimo do senador Epitácio Pessoa, esteve ao lado daquele ilustre paraibano, quando da realização do tumultuado pleito de 1915, que marcou a ascensão do epitacismo e do qual saiu fortalecido na chefia política do município de Campina Grande.

Cristiano Lauritzen e família - 1913 

Graças ao seu prestígio político, Cristiano Lauritzen conseguiu a revisão do contrato de arrendamento entre a Prefeitura de Campina Grande e a Great Western, possibilitando a conclusão dos trabalhos da via férrea de Itabaiana à cidade ‘Rainha da Borborema’, cujo trecho foi inaugurado a 2 de outubro de 1907. Sua atuação como chefe político e prefeito, fez-se presente em todo o município. Assim, na esperança de sanar os problemas enfrentados pela cidade com a falta d’água, conseguiu junto a IFOCS, a construção do Açude de Bodocongó. Em Campina Grande, fundou o ‘Correio de Campina’, periódico noticioso e independente, que circulou de 1911 a 1915 e que teve como colaboradores, figuras como Generino Maciel, João Suassuna, Lino Fernandes, Severino Pimentel, Hortêsio Ribeiro, Elpídio de Almeida e Otávio Amorim, entre outros.
Nome dos mais ilustres da história campinense, Cristiano Lauritzen faleceu a 18 de novembro de 1923, em Campina Grande, cidade que adotou como sua, a qual dedicou mais da metade de sua vida na busca de soluções dos mais variados problemas. Hoje, seu nome encontra-se imortalizando naquela comuna, designado uma via pública e um importante centro comercial.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

ADALBERTO JORGE RODRIGUES RIBEIRO


José Ozildo dos Santos

Nasceu a 23 de abril de 1885, na capital pernambucana. Foram seus pais Antônio da Cruz Ribeiro e Josefina Elvira Rodrigues Ribeiro. Em sua cidade natal, cursou o secundário no antigo Colégio Salesiano.

Adalberto Jorge Rodrigues Ribeiro

Posteriormente, ingressando na tradicional Faculdade de Direito local, diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, no ano de 1907, tendo, entre outros, como colegas de turma concluinte, os paraibanos Antônio Bernandino Santos Neto, Augusto Ferreira Baltar Filho, Arquimedes da Cunha Souto Maior, Orris Gomes Soares e Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos, o imortal poeta do ’Eu’.
No Pernambuco, iniciou sua vida profissional. Funcionário público, pertenceu aos quadros da Delegacia Fiscal, onde ocupou o cargo de escriturário. Anos mais tarde, transferiu-se para Cruz do Espírito Santo, no Estado da Paraíba.
Ali, além do exercício de suas funções, exerceu a advocacia e ingressando na política, elegeu-se membro da Câmara Municipal local. Em 1934, iniciado o processo de reconstitucionalização do país, filiou-se ao Partido Progressista da Paraíba, fundado e dirigido no Estado por José Américo de Almeida, elegendo-se deputado estadual à legislatura de 1935-1938, oficialmente instalada a 22 de janeiro de 1935, formada, em sua totalidade, por “homens conhecidos e de valor, uns pela inteligência ou pela cultura, outros pelo prestigio popular ou pela dedicação, em sua esfera, aos interesses do Estado, não raros por esses variados títulos reunidos”.  
Jornalista de reconhecidos méritos, durante muito tempo militou na imprensa paraibana, tendo colaborado no ‘Correio da Paraíba’ e n‘O Norte’. Na Paraíba, o Dr. Adalberto Ribeiro ocupou ainda o cargo de Inspetor Estadual de Ensino. Em 1945, após a redemocratização do Brasil, filiou-se às hostes da UDN - União Democrática Nacional, de cuja legenda, fui um dos fundadores na Paraíba, elegendo-se Senador à Assembléia Nacional Constituinte.
No Senado, foi primeiro Secretário da Mesa Diretora. Mas, por divergências internas em seu partido, na Paraíba, renunciou ao seu mandato senatorial (23-04-1951), sendo substituído por seu suplente, o Dr. Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Casado em segundas núpcias com a senhora Maria Dolores Rocha, Adalberto Jorge Rodrigues Ribeiro faleceu a 23 de março de 1975, no Rio de Janeiro, um mês antes de completar 90 anos de idade.

sábado, 10 de novembro de 2012

ANTÔNIO ALFREDO DA GAMA E MELO


José Ozildo dos Santos

Político, jornalista, poliglota e orador de grandes dotes, Antônio Alfredo da Gama e Melo nasceu a 1º de outubro de 1849, na capital paraibana, onde cursou as primeiras letras, ingressando posteriormente no tradicional Lyceu Parahybano. Foram seus pais o renomado advogado Severino Antônio da Gama e Melo e dona Alexandrina Josefina D’Avila Lins.
Concluindo o curso de preparatório, matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife (1869), bacharelando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, na turma de 1873. Ainda acadêmico, disputou em concurso de provas e títulos, as cadeiras de Latim e Retórica, do Liceu Paraibano. Aprovado para ambas, foi nomeado para ocupar a primeira cátedra.

Antônio Alfredo da Gama e Melo

Diplomado, logo após assumir suas funções como professor no Liceu, instalou-se com banca de advogado na capital paraibana (1874). Cedo, distinguiu-se como professor e advogado, demonstrando que “herdara do pai - a quem sucedera na cátedra - os pendores de cultor da língua de Cícero e as inclinações para o estudo da ciência de Ulpiano”.
Em 1875, ingressando na política, elegeu-se Conselheiro Municipal, iniciando assim, sua carreira política, à qual “haveria de dedicar toda a sua vida”.
Por esse tempo, passou a militar na imprensa provinciana, escrevendo para as páginas d’O Publicador’. Filiado ao Partido Liberal, chefiado na Província pelo ilustre Comendador Felizardo Toscano de Brito, “pouco a pouco, se projetou na agremiação, utilizando-se da imprensa para defender suas ideias do liberalismo monárquico”.
No ‘Liberal Parahybano’, órgão do seu partido, terçou a arma da palavra escrita, despertando atenções e aplausos. Com inteligência, fez do jornalismo “seu instrumento de lutas pelas reivindicações oposicionistas; por meio dele começou a sua ascensão política, triunfando no primeiro prélio que se dispõe a enfrentar”, conquistando o eleitorado da capital, com suas ideias elevadas e nobres, expostas através da imprensa.
Com a ascensão dos liberais, Gama e Melo elegeu-se deputado provincial, para a legislatura de 1878-1879. Na Assembleia Legislativa, teve uma atuação destacada no plenário e nas comissões parlamentares, revelando-se um profundo conhecedor dos problemas da Província, além de “confirmar a solidez de seus conhecimentos jurídicos gerais”.
Nomeado 1º Vice-Presidente da Província, por Carta Imperial de 19 de abril de 1880, assumiu interinamente o governo da Paraíba, nos seguintes períodos: de 15-05 a 1º-06-1880; de 3-09 a 20-10-1880; de 4-03 a 21-05-1882; de 1º a 5-11-1882 e de 17-04 a 7-08-1883, oportunidades em que tratou com zelo os problemas relacionados à instrução pública.
Estas interinidades serviram para revelar o administrador probo que era, sempre primando pela absoluta moralidade administrativa. Com 1º Vice-Presidente da Província, permaneceu até 1885. Ao deixar o referido cargo, foi condecorado pelo Imperador com a medalha de Oficial da Imperial Ordem da Rosa, por seus relevantes serviços prestados à Instrução Pública e à Província.
De 1885 a 1888, dedicou-se à advocacia e à sua cátedra no Liceu Paraibano. Em 1889, com a volta dos liberais ao poder em todo o Império, assumiu o comando da política provincial e a chefia do Partido Liberal.
Eleito deputado geral, nas eleições realizadas em agosto daquele ano, viajou ao Rio de Janeiro “para tratar do reconhecimento de sua eleição” e assumir sua cadeira na Assembleia Geral, cuja posse, estava marcada para o dia 20 de novembro. Mas, logo no dia 15, houve a proclamação da República, fato que provocou a dissolução da Assembleia Geral e do Senado. Retornando à Paraíba, reiniciou suas atividades no magistério e na advocacia, permanecendo afastado do cenário político até 1892.
Durante o Governo do Marechal Floriano Peixoto, foi convidado pelo aquele presidente para ocupar o Ministério da Justiça. No entanto, delicadamente, recusou o referido convite, preferindo “ficar com os pudores do seu status de quase deputado geral do Império”.
Homem de princípios, chegou a afirmar: “Sou homem de crença. O governo do Marechal é um governo revolucionário; fazendo parte desse governo terei de encontrar-me muitas vezes em contingência de trair o governo ou a minha consciência. Resolvi ficar com ela, recusando o cargo”.
Em 1892, foi escolhido para integrar a Comissão Diretora Provisória do Partido Republicano, fundado e comandado na Paraíba, por Álvaro Machado. No ano seguinte, foi nomeado Inspetor da Alfândega, na Bahia, por ato do Presidente Floriano Peixoto, “sem consulta prévia e em honrosas circunstâncias que não lhe permitiam a escusa”.
Jornalista exímio, Gama e Melo começou a escrever nas páginas do “Jornal do Recife” e do ‘Jornal do Comércio”, quando ainda acadêmico de Direito. Durante vários anos, militou na imprensa provinciana e foi o primeiro redator-chefe de “A UNIÃO”, fundada a 2 de fevereiro de 1893, na capital paraibana, ano em que foi jubilado como professor do Liceu Paraibano.
Provedor da Santa Casa de Misericórdia, em março de 1896, teve seu nome homologado em convenção realizada pelo Partido Republicano, como candidato à sucessão de Álvaro Machado/Walfredo Leal. Eleito pela Assembleia Legislativa (via indireta), tomou posse no Governo da Paraíba a 22 de outubro daquele mesmo ano.
Seu governo, prolongou-se até 22 de outubro de 1900, oportunidade em que passou o cargo ao sucessor - Dr. José Peregrino de Araújo - elegendo-se em seguida, senador da República, para um mandado de nove anos.
Durante seu mandato como senador, disputou sem êxito a Vice-Presidência do Senado Federal, perdendo-a para o senador Rui Barbosa, por apenas 2 votos. Na Alta Câmara, integrou a Comissão de Legislação e Justiça, inicialmente, como membro e posteriormente, como presidente; presidiu a Comissão de Redação de Leis e compôs a Comissão Especial de Reforma Eleitoral.
Em 1906, levado por circunstâncias internas da política paraibana, rompeu com o líder Álvaro Lopes Machado - o líder supremo da política paraibana - que do Rio de Janeiro, “decidia unipessoalmente as magnas questões em que a Paraíba deveria opinar, sem ouvir, no entanto, a representação federal do Estado”. A gota d’água para o referido rompimento foi a imposição do nome do Dr. João Lopes Machado - irmão do senador Álvaro Machado - como candidato à sucessão do Monsenhor Walfredo Leal, candidatura que encontrou forte oposição dentro de seu próprio partido.
Formada a dissidência, Gama e Melo teve seu nome lançado como candidato oposicionista ao Governo do Estado, apoiado por três deputados federais e quatorze estaduais. Ao longo da campanha, fundou o jornal “A REPÚBLICA”, para defender sua candidatura, junto à sociedade paraibana. Mas, de pouco ou quase nada valeram seus esforços.
No final, foi derrotado numa campanha onde a vontade popular foi superada pela arte da política. Seu insucesso político, trouxe a depuração de todos os seus candidatos eleitos à Câmara Federal, sendo, ao seu grupo, reservado apenas três vagas na Assembleia Legislativa.
A derrota de 1907, marcou fortemente a pessoa do senador Gama e Melo, que deixando a Paraíba, recolheu-se ao Rio de Janeiro, falecendo a 10 de abril de 1908, antes mesmo de concluir seu mandato senatorial.
Homem de sólida cultura, orador renomado, educador, filósofo, poliglota, jurista e publicista, Antônio Alfredo da Gama e Melo foi sem dúvida um estadista e seu nome merece ser lembrado pelas gerações futuras.
De sua bibliografia, ficaram poucos artigos, notas, comentários, alguns discursos e pareceres, registrados nos Anais do Senado Federal que, lamentavelmente, ainda não foram coligidos e publicados num merecido volume, o que enriqueceria em muito a bibliografia paraibana. Por tudo o que representa à cultura estadual, Gama e Melo teve seu nome escolhido para patrono da cadeira nº 17, da Academia Paraibana de Letras, que atualmente é ocupada pelo historiador e escritor Joacil Pereira de Brito.  

domingo, 14 de outubro de 2012

A LITERATURA LATINA E SEUS PRINCIPAIS EXPOENTES - I

José Ozildo dos Santos


A
 literatura latina foi menos original que a grega. No entanto, ela possui certas particularidades. Os escritores romanos além de seguirem quase todos os modelos literários de seus predecessores, interessavam-se por temas menos abstratos e mais práticos, de tendências humanistas e realistas.
Num contexto geral, entende-se por literatura latina toda a produção literária escrita em latim, desde a organização social do povo romano (época em que o latim era língua viva), até o período medieval e o Renascimento, quando o latim passou a ser utilizado por muitos outros povos para a divulgação dos escritos relacionados aos rituais religiosos, à educação e à administração pública.
Definido como língua culta, o latim foi o idioma empregado pela filosofia e pela ciência durante toda a Idade Média europeia e até meados do século XVIII. Essa condição fez com que a literatura latina exercesse forte influência sobre a cultura ocidental.
Em termos estilísticos, a evolução da literatura latina acompanhou o curso dos acontecimentos históricos ligados ao Império Romano. Essa estreita relação fez com os pesquisadores dividissem a literatura latina em quatro fases distintas: a antiga, a época de Cícero, a idade de ouro (também denominada de fase contemporânea de Augusto), e a idade de prata. Essa última fase, prolongou-se até a morte de Adriano.
No entanto, outros pesquisadores, acrescentam a essas fases clássicas as manifestações literárias do baixo Império Romano e as da época medieval. Entretanto, deve-se registrar que na Idade Média o latim foi utilizado menos pelo valor literário do que por necessidades da teologia, da doutrina e da filosofia.

I - A LITERATURA LATINA NO PERÍODO ANTIGO

A produção literária latina do período antigo é pouco conhecida. Nessa primeira fase de sua história, a influência helênica não era ainda tão significativa.
As primeiras obras literárias produzidas em latim foram os carmina (cantos), escritos em versos. Alguns desses cantos eram de inspiração religiosa, a exemplo do ‘carmen saliare’ e do ‘carmen arvale’. Outros estavam mais próximos do épico, como os ‘elogia’ (elogios), os ‘carmina connivalia’, os ‘carmina triumphalia’ e as ‘neniae’ (cantos fúnebres).
Havia também os malum carmen e os carmen famosum, a poesia satírica, que, a exemplo dos carmina fescennina e da fábula atelana, foram, também, formas rudimentares de expressão dramática nos primórdios da literatura latina. No entanto, o início da literatura latina propriamente dita deu-se quando se firmou o estreito intercâmbio com a cultura helênica.
O primeiro grande nome da literatura latina foi Lúcio Lívio Andrônico (284-204 a.C). Originário de Tarento, colônia grega conquistada, foi vendido como escravo a um membro da família Livia, de quem herdou o nome. Autor de tragédias e comédias (inclusive do primeiro drama representado em Roma, no ano 240 a.C., para comemorar a vitória romana sobre Cartago), Lúcio Lívio é considerado o fundador da poesia e do teatro épico em Roma. Além de ter introduzido na literatura romana a métrica grega, traduziu a ‘Odisséia’, de Homero para o latim. De sua produção poética, restam apenas fragmentos.
Outro grande expoente da literatura latina no período antigo foi Cneu Névio, que também viveu no século III a.C. Criador de peças baseadas em fatos históricos e nas lendas da Roma antiga, Cneu participou da primeira guerra púnica, que retratou-a numa epopéia, a ‘Bellum poenicum’ (Guerra púnica), considerada o primeiro poema épico latino.
Ainda nessa primeira fase da literatura latina surgiram os ‘Annales’ (Anais), uma epopeia histórica escrita por Quinto Ênio, que conta a história de Roma desde os tempos lendários até meados do século III a.C. Ênio, que ficou conhecido como criador da literatura romana, escreveu também tragédias e poesias de inspiração filosófica e moral. Épico, dramaturgo e crítico, foi ele quem criou e aperfeiçoou uma forma de expressão poética (verso hexâmetro) que alcançou sua maior beleza com Virgílio.
A comédia e a tragédia latinas tiveram inspiração grega. Nesse período de formação da literatura latina, Eurípedes foi o dramaturgo grego mais imitado pelos autores latinos, a exemplo de Lívio Andrônico, Névio, Ênio e Marco Pacúvio.
A comédia romana conquistou maior popularidade do que a tragédia. Com raízes firmadas no modelo da nova comédia grega criada por Menandro, a comédia latina além de primar pelo o humor, contava com a representação de personagens populares. Entre os principais expoentes desse gênero literário, encontram-se nomes como Mácio Plauto (na segunda metade do século III a.C.) e Públio Terêncio Áfer, que escreveram somente fabulae palliatae, ou seja, comédias adaptadas ou traduzidas da nova comédia grega.
Em sua curta existência, Terêncio (c.195 a.C. - c.159 a.C.) escreveu somente seis comédias, que foram representadas em Roma entre 166 e 160 a.C. Tais obras foram preservadas em sua totalidade. Cronologicamente, suas produções literárias podem ser ordenadas da seguinte forma: ‘Andria’ (166 a.C.; A mulher de Andros), ‘Hecyra’ (165 a.C.; A sogra), ‘Heauton timoroumenos’ (163 a.C.; O castigador de si mesmo), ‘Eunuchus’ (161 a.C.; O eunuco), ‘Phormio’ (161 a.C.; Fórmio) e ‘Adelphi’ (160 a.C.; Os irmãos).
Ao contrário do que fez Plauto, Terêncio não tentou romanizar ou vulgarizar suas tramas. Em suas comédias, empregou forma literária refinada. Por isso, sua produção literária é considerada um modelo da língua latina, tendo exercido influência duradoura no teatro ocidental.
Depois de Terêncio não se criaram novas comédias, embora tenha-se mantido o hábito da encenação teatral. No entanto, muito tempo depois, Lúcio Aneu Sêneca retomou a prática interrompida dessa arte.
Ainda nessa fase da literatura latina, outro tipo de composição importante foi a sátira, cujas origens, genuinamente latinas, são bastante antigas. Esse gênero literário teve como principal expoente Caio Lucílio, que dela serviu-se para fustigar os vícios de seu tempo.
A primeira obra de grande significação na prosa latina foi ‘Lex XII tabularum’ (A lei das 12 tábuas). Escrita em estilo extremamente conciso e datada de 451-450 a.C., ‘Lex XII tabularum’ é a mais antiga codificação da lei romana antiga.
Logo após a segunda guerra púnica, a narrativa histórica começou a ser cultivada, graças à contribuição dos analistas, entre os quais destaca-se Marco Pórcio Catão, dito o Censor, considerado um dos mais originais.
Ferrenho defensor da tradição romana contra a influência helenista, Catão foi autor de ‘Origines’, primeira história latina de Roma e de ‘De agricultura’ (Sobre a agricultura). Dessa primeira produção literária, sobreviveram apenas alguns fragmentos. Homem de reconhecida cultura, Marco Pórcio Catão destacou-se também na arte da oratória, na qual, recebeu a influência das diferentes escolas.
Outros nomes que também sobressaíram na oratória, ainda na segunda metade do século II a.C., foram Caio e Tibério Graco (irmãos, que, como discursos inflamados, mobilizaram multidões), Lúcio Licínio Crasso e Marco Antônio. Esses dois últimos são considerados os maiores oradores romanos antes de Cícero.
II - A LITERATURA ROMANA NA ÉPOCA DE CÍCERO

Entre 88 a.C. e 44 a.C., registrou-se o apogeu da literatura latina. Esse período - caracterizado por turbulências políticas - também assinalou dois fatos importantes na história romana: início das guerras civis e o assassinato de Júlio César,
Nesta fase da literatura latina - que ficou conhecida com ‘a época de Cícero - surgiu um grupo de poetas tradicionalmente conhecidos como poetae novi (poetas novos), que, retomando o estilo dos poetas alexandrinos, escreveram peças de extrema concisão e apuro formal.
Entre os ‘poetas novos’, a figura de maior projeção foi Caio Valério Catulo. Autor de poemas eruditos, notabilizou-se por seus poemas de amor e exerceu grande influência sobre as gerações posteriores.
Nesse mesmo período, Roma conheceu o poeta Tito Lucrécio Caro, que, à margem do movimento desenvolvido pelos ‘poetas novos’, escreveu ‘De rerum natura’ (Sobre a natureza das coisas), obra considerada o primeiro grande poema didático da literatura latina. Em seu livro Lucrécio expõe sua concepção epicurista sobre o universo, defendendo a tese sobre a inutilidade de temer a morte.
Nessa fase da literatura romana, não se registrou a produção de novas tragédias ou comédias. No entanto, o teatro romano continuou a representar as antigas peças. Autores como Décimo Labério e Publílio Siro ficaram famosos difundindo as ‘pantomimas’, produção literária semelhante às farsas, mas completamente diferente das atuais ‘pantomima’.
Durante a época de Cícero a literatura romana registrou uma excepcional evolução na prosa, com destaque, especialmente, para a historiografia e a retórica, que chegaram a uma perfeição estilística tão significativa, que muitos de seus autores se tornaram clássicos, a exemplo de Júlio César, autor de ‘De bello galico’ (Sobre a guerra aos gauleses), que introduziu o modelo de narrativa de episódios militares, e, Caio Salústio Crispo, autor de ‘Bellum Jugurthinum’ (A guerra de Jugurta) e de ‘De coniuratione Catilinae’ (Sobre a conjuração de Catilina).
Aos olhos da crítica atual, como historiador, Júlio César mostrou-se conciso, breve e interessante. No entanto, escreveu com intenção apologética. Crispo, embora possuísse um estilo narrativo elegante, foi monógrafo sentencioso em sua produção histórica.
Salústio, seguindo o estilo criado pelo escritor grego Tucídides, deu a sua produção histórica uma concepção dramática. Preocupado em analisar as causas dos acontecimentos, Salústio descreveu com precisão a decadência da sociedade e dos costumes, além de ter denunciado a corrupção que abalava as instituições romanas de sua época.
Como historiadores desse período, Cláudio Quadrigário, Valério Antias e Cornélio Nepos, são também dignos de registros. Esse último, em sua obra principal, incluiu uma série de biografias de renomadas figuras romanas e estrangeiras.
Autor de obras enciclopédicas denominadas ‘Antiquitates’, Marco Terêncio Varrão é um nome que consta entre os historiadores eruditos, desse período da história da literatura latina. Muito citados entre os antigos, os escritos de Terêncio Varão perderam-se com o tempo. Deles, conservaram-se apenas fragmentos.
Sérvio Sulpício deu uma notável contribuição à jurisprudência latina, nesse período. É importante registrar que durante a época de Cícero, a oratória romana se consagrou. Surgiu um grande número de oradores, que passaram a ser agrupados segundo suas tendências.
A escola neo-ática, que tinha uma linha sóbria e era ao mesmo tempo clara e desprovida de artifícios, teve como principais expoentes Caio Licínio Calvo, Marco Júnio Bruto e o próprio Júlio César. Entre os membros da escola asiática, que preconizava um estilo mais rebuscado, projetaram-se Quinto Hortênsio Hortalo e Marco Antônio.
A terceira escola - a de Rodes - que caracterizou-se por ser  eclética e moderadora, teve como expoente máximo Marco Túlio Cícero, considerado o maior orador romano e a personalidade máxima da literatura latina.
Falando ou escrevendo, Cícero possuía o atecismo da palavra, encantando plateias. Em seus primeiros discursos, trabalhou o estilo da escola asiática. Com o passar dos tempos, adotou depois a forma de Rodes. No entanto, produziu também peças oratórias do tipo ático.
Considerado o pai da eloquência latina, o maior orador da Roma antiga, possuidor de uma vasta bibliografia, Cícero deixou inúmeros discursos jurídicos (pronunciados no tribunal, na qualidade de defensor ou promotor) e políticos (feitos no Senado). Entre estes últimos, encontram-se as célebres ‘Catilinárias’.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FRANCISCO DE SALES TORRES HOMEM

José Ozildo dos Santos


O
 CONSELHEIRO SALES TORRES HOMEM nasceu na cidade do Rio de Janeiro, aos 29 de janeiro de 1812 (1). Foram seus pais Apolinário Torres Homem e Maria Patrícia. No entanto, “filho de uma quitandeira, deve ter tido, contudo, do lado paterno, uma assistência vigilante nos primeiros anos” (2), visto que seu pai era sacerdote. Em sua terra natal fez seus primeiros e estudou “latim, francês, philosophia moral e racional, rhetorica e matemathicas elementares, seguindo depois o curso da antiga Academia medico-cyrurgica, e manifestando sempre comprehenção facílima, memória prodigiosa e imaginação viva e brilhante” (3).


Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1832), na capital do Império, chegou a se preparar para disputar uma vaga professor na antiga academia, no entanto, “a sua vaidade (dizia-o elle) o arrebatou, impondo-lhe a própria carreira, para que sentia negação” (4).
Foi por esse tempo que travou conhecimento com ilustre estadista Evaristo da Veiga, redator da ‘Aurora Fluminense’ e chefe do Partido Liberal. Aquele, conhecedor do talento de Sales Torres Homem, “fê-lo, sem prévia consulta por habil calculo, admittir membro da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, e immediatamente elegê-lo para o Conselho Nacional e para um dos redactores da gazeta da mesma sociedade” (5).
Cedo o jovem Sales Torres Homem revelou-se um exímio jornalista, merecendo os mais significativos elogios de Evaristo da Veiga, que nas páginas da Aurora Fluminense, passou a recomendar a leitura dos seus artigos por serem escritos com eloqüência e beleza de estilo. E, “o credito que merecidamente ganhou na imprensa como intelligencia de primeira ordem, e como escriptor de elegância já então notável, facilitou-lhe com o concurso de Evaristo e de outros viagem à Europa em 1833” (6).
Secretário da Legação e Encarregado dos Negócios da França (1833), na Universidade de Sorbone, cursou Direito. Durante o período em que esteve na capital francesa, “estudou com applicação sufficiente em quem dispunha de extraordinário talento direito constitucional, litteratura, as línguas inglesa e italiana, aprofundou os seus conhecimentos em philosophia, e em história, observou attento, e como se seguisse um curso de sciência política as práticas dos mais celebres oradores parlamentares da França e da Inglaterra, e a escola da melhor imprensa dos diversos partidos políticos, e emfim com precilecção que manteve até seus últimos dias cultivou séria e preceituosamente a economia política e os systemas financeiros dos Estados”(7).
Retornando ao Brasil, dedicou-se aos estudos de Direito Constitucional, Economia Política e Sistemas Financeiros.
Jornalista talentoso, fundou e dirigiu o jornal ‘O Debate’ (1836-1838) e colaborou nos seguintes periódicos:  ‘Independente’  (1831-1833), ‘Nictheroy’ (1836, impresso em Paris), ‘Aurora Fluminense’, ‘Despertado’ (1839-1841 ‘Jornal do Commércio’, ‘Correio Mercantil’ e ‘Minerva Brasiliense’(8).
Ligado politicamente a Evaristo da Veiga, fez oposição ao regente Diogo Feijó. Mas, combateu sistematicamente os conservadores. Em 1849, escreveu o famoso ‘Libero do Povo’ (Tip. da Nação, Lisboa), abordando a ‘Revolta Praeira’ e atacando violentamente o imperialismo. Abordando essa quadra de sua vida, um de seus biógrafos afirma que:
“Trouxe dos estudos em Paris uma grande bagagem literária e política. Foi com esses elementos que redigiu o célebre Libero do Povo, sob o pseudônimo de ‘Timandro’. Desde aí que foi uma personalidade, seu livro foi um acontecimento que o colocou desde logo na primeira plana das sumidades intelectuais.
O Libelo do Povo era bem um libelo no sentido jurídico da palavra. Não poupava a família imperial. Arrastava-lhe os antepassados, mesmo os mais próximos, pela rua das amarguras. Os Bourbons de Nápoles, família da Imperatriz, esses eram os mais impiedosamente tratados.
O Imperador ressentiu-se profundamente desses ataques. Só a sua magnanimidade poderia perdoá-los. Mas ele próprio não poderia nem admitir essa hipótese, a menos de um milagre. O milagre deu-se. Salles Torres Homem, analisando uma situação financeira, mostrou tal superioridade, tão grande mestria no assunto que o Imperador lhe deu uma pasta de ministro para executar seu pensamento [...].
Do seu primeiro encontro com o Imperador tem havido várias versões e vários desmentidos. É inexato que ele se tivesse ajoelhado. Mas a verdade é que proferiu a célebre frase: ‘Senhor, para os grandes crimes as grandes expiações. Esmagado pela generosidade de Vossa Majestade, forçado a retratar-me dos erros de uma mocidade petulante, a expiação do meu orgulho não podia ser maior’ [...]”(9).
Diplomata de carreia, filiado às hostes do Partido Liberal, elegeu-se deputado geral pela Província de Minas Gerais (1845-1847). E, vinculando-se à política carioca, retornou à Assembléia Geral, eleito para as legislaturas de 1848-1850, 1857-1860 e de 1861-1863.
Em 1853, Torres Homem apoiou o governo de conciliação, instituído pelo Marques de Paraná, passando a pertencer às fileiras do Partido Conservador. Ocupava uma cadeira na Assembléia Geral quando foi escolhido para integrar o Gabinete de 12 de dezembro de 1858 (presidido pelo Visconde de Abaeté), na condição de Ministro da Fazenda, em cujo cargo permaneceu até 10 de agosto do ano seguinte (10).
No exercício das referidas funções, combateu a política da pluralidade bancária e as facilidades emissoras de Souza Franco. Para tanto, revogou a autorização dada ao Banco do Brasil, visando elevar a emissão ao triplo do fundo disponível. Assinala um de seus biógrafos, que:
 “O grande período do Salles (assim lhe chamavam os contemporâneos) foi o da questão financeira, o da luta com Souza Franco, partidário e realizador da pluralidade bancária.
Os desastres dessa política financeira de Souza Franco deram-lhe razão ponto por ponto. Tornou-se o grande financeiro do Império na opinião geral. Não chegou a ter o conceito externo de Itaboraí e talvez lhe faltasse a capacidade de execução deste. Mas superava-o no talento e na instantaneidade de visão” (11).
O ministro Torres Homem contraiu empréstimo para liquidar a dívida de 1829 e encampou as Estradas de Ferro D. Pedro II e União e Indústria. Homem de decisão, em 1859 introduziu alterações na estrutura do Tesouro Nacional, que se encontrava em vigor desde a reforma de 1850.
Quando da sua escolha para ocupar o cargo de ministro, parecera difícil compreender-se o esquecimento das injúrias pessoais, que o Timandro lançara à face do Imperador, e da família reinante” (12). No entanto, abordando esse acontecimento, o conselheiro João Manuel Pereira da Silva - que contemporâneo de Torres Homem, faz o seguinte relato:
“Contou-me o Senador Paulino de Sousa que Limpo de Abreu lhe referira ter partido espontaneamente de Sua Majestade a lembrança do nome de Sales Torres Homem para a repartição da Fazenda. Assegurara-lhe o Imperador que não guardava memória de ofensas, e que em todo seu reinado aceitaria os serviços dos homens, que lhe parecessem apropriados às situações do momento” (13).
Conselheiro de Estado (1866) e do Imperador, foi nomeado Presidente do Banco do Brasil (1866). Antes, porém, havia chefiado uma das diretorias do Tesouro Nacional.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto Histórico de França, bem como da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, a convite do Dr. Francisco Gomes da Silva, importante político conservador potiguar, integrou a lista tríplice de candidatos à sucessão do senador Dom Manoel de Assis Mascarenhas (falecido em 1867), formada também pelos bacharéis Jerônimo Cabral Raposo da Câmara e Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto (14).
Promovida a eleição, Torres Homem foi eleito e nomeado senador por carta Imperial de 22 de julho de 1868. No entanto, em 1º de junho de 1869 o Senado do Império anulou a dita eleição, ficando, por conseguinte, sem efeito a mencionada carta de nomeação.
Procedida uma segunda eleição, o futuro visconde de Inhomerim foi novamente escolhido e nomeado por Carta Imperial de 27 de abril de 1870, tornou-se o quinto senador norte-riograndense, no Império. Sua posse ocorreu no dia 20 de junho seguinte (15).
Escolha de Torres Homem para o Senado causou uma crise no Império, que resultou na demissão de todo um gabinete. Oliveira Viana abordando esse momento histórico, assim se expressa:
“Na lista tríplice de senadores pelo Rio Grande do Norte, ao lado de dois ilustres desconhecidos, viera Sales Torres Homem, grande orador e grande escritor, senhor de um dos mais luminosos e cultos talentos da sua época. Dizia-se dele, que trazia na cabeça a chave de todos os problemas nacionais - no que há evidentemente uma boa dose de ilusão, porque Torres Homem pertencia à classe dessas belas inteligências, feitas para o idealismo e a imaginação, mais artísticas do que positivas, mais literárias do que científicas, para quem uma bela frase vale bem uma bela ação e uma palavra eloqüente é sempre a rainha do mundo - regina rerum oratio, à boa maneira romana.
O Imperador – que não tinha ódio aos homens de talento, como Domiciano aos homens de bem – preferiu escolher Sales Torres Homem. Era justo que o fizesse, tanto mais quando os dois outros concorrentes eram entidades se não inteiramente anônimas, pelo menos razoavelmente anônimas. Zacarias, entretanto, discordou, porque tinha um certo ressentimento de Torres Homem. Objetou que não julgava ‘acertada a escolha’; sugeriu a de Amaral Bezerra, figura obscura, mas chefe provincial do partido de Zacarias. Nunca disse por que não julgava acertada a escolha do Imperador; naturalmente, porque sentia que os motivos não eram dos mais elevados, nem recomendaria muito aos olhos da posteridade a sua proverbial austeridade de Catão, censor implacável das faltas e erros alheios.
O Imperador, mais uma vez, não atendeu a Zacarias. Sentindo- se desautorado, Zacarias apresentou a sua demissão, a demissão coletiva do Gabinete” (16).
Pouco tempo após ter sido empossado, teve novamente seu nome lembrado para ocupar a pasta do Ministério da Fazenda, passando a fazer parte do Gabinete de 20 de setembro de 1870, que teve curta duração, chefiado pelo Marquês de São Vicente. Na referida pasta foi substituído em 7 de março de 1871 pelo Visconde do Rio Branco (17).
No Senado, Torres Homem defendeu a Lei do Ventre Lei. Autor de um inflamado discurso sobre o elemento servil, recebeu o título de Visconde com as honras de grandeza de Inhomirim (2º), por decreto de 15 de outubro de 1872 (18), num reconhecimento à sua atuação em defesa da liberdade dos filhos das escravas. No entanto, por conta do ‘Libelo do Povo’ que escreveu em 1848, sempre encontrou oposição por parte de monarquistas e por estes era sempre atacado cada vez que galgava um novo posto. Assim, ocorreu quando foi agraciado com título de visconde. Nesta ocasião, periódico ‘A Reforma’, na Corte, publicou anonimamente os seguintes versos:
“Vós, gramáticos defuntos,
Não vistes o que hoje vi!
Dois diminutivos juntos,
Um português e um tupi!

Inho, até aqui desinência,
Já se antepõe a mirim
Simbolizando a eminência
Do senhor Inho ... mirim!” (19).
Nos últimos anos de vida, vitimado pela asma, o velho conselheiro já não mais brilhava na tribuna e tinha uma pequena participação nos debates no Senado. Na busca de cura para seus males, embarcou para Paris, onde faleceu em 3 de junho de 1876, aos 64 anos de idade, deixando viúva a senhora Isabel Alves Machado, com quem havia casado-se em 1846, no Rio de Janeiro.
O senador Francisco de Sales Torres Homem foi um dos homens mais elegantes do Segundo Império, “feio, mais digno de hombrear-se a um Conde d’Orsay, pelo requinte da maneira e pela espiritualidade”. Mestiço, “caminhava a passo lento e firme, sem olhar para os lados, sempre empavesado, trajando caprichosamente, com apuro irrepreensível” (20).
Admirando por muitos e temido por outros, Torres Homem era “baixo, gordo, pernicurto, pesadão, lábios grossos, óculos de ouro sobre os olhos esbugalhados, tinha um aspecto fechado, convencido e solene. A cor de cera da tez e a longa cabeleira postiça, atenuavam-lhe o mascavo da raça. Não tinha um delise no trajar: pensava que não se deve deixar aos tolos a superioridade de andar bem vestido. Tinha sege e ‘coupé’ particular, com trintanário. Andava sempre de luvas, não na mão, como Quintino Bocayuva, mas calçada. Variava diariamente de gravatas e alfinetes com que quebrava a monotonia da eterna sobrecasaca. Acreditava nas propriedades das pedras preciosas e dava-lhe preferência segundo os dias da semana e a feição da atmosfera. Nabuco de Araújo, referindo ao seu orgulho e à sua fealdade dizia: ‘Se ele não tivesse tanto talento, poderiam chamar-lhe peru de roda. Pavão é que nunca. Para pavão, falta-lhe algum tanto de beleza’[...]”(21).
No Senado, Torres Homem era sempre uma fonte de consulta, à qual sempre recorria seus pares. Dono de uma lucidez chamejante, seu perfil de homem público e intelectual é traçado por Antônio Baptista Pereira, em seu ‘Figuras do Império e outros ensaios’, nos seguintes termos:
“Bom humanista, como os seus grandes contemporâneos de destaque, sabia latim como um padre e trazia Lucrecio de cor. Falava Frances como um parisiense, sem o mínimo sotaque. Seus escritores preferido foram Chateaubriand, Benjamin Constant, Paul Louis Courier e Cormenin.
Grande orador, dos maiores de seu tempo, era simples e magnífico. Não há na história parlamentar da monarquia dia mais memorável do que o em que respondeu a Zacarias que atacava o projeto Rio Branco sobre a emancipação dos nascituros (5 de setembro de 1871).
A asma, de origem cardíaca, que o devia fulminar pouco tempo depois em Paris, já lhe dificultava a respiração e o uso da palavra.
Zacarias fora além de mordaz, eloqüente. Dera o máximo contra essa reforma, a que atribuía, e com razão, a perda da simpatia imperial. Salles não quis deixar a outrem a honra e o perigo do revide. Os contemporâneos, quando ele começou a falar, interrompido por espasmos, assistiram a uma cena quase trágica: a luta do espírito querendo alar-se contra a matéria, buscando cortar-lhe o vôo.
Mas a vontade venceu. Salles conseguiu domar a máquina rebelde. E continuou a falar. O seu discurso [...] é uma peça maravilhosa [...]. Há nele gritos do coração e imprecações que tocam as raias do sublime. Enquanto este não for proscrito do pensamento, como incompatível com a grosseira ambiente, será lido com emoção o discurso de Salles” (22). 
Em vida Torres Homem, além de totalmente absorvido pela política, exerceu a advocacia e a medicina, tendo também dedicado-se ao comércio, ao magistério e ao jornalismo. Na sua valiosa bibliografia destacam-se os seguintes títulos: ‘Sociedade em comandita e bancos de circulação’ (Rio de Janeiro, 1853, discursos), ‘Questões sobre impostos’ (Rio de Janeiro, 1856), ‘Proposta e relatório apresentados à Assembléia Geral Legislativa na 3ª sessão da 10ª legislatura’ (Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1859), ‘Relatório apresentado à Assembléia Geral dos Acionistas do Banco do Brasil’ (Rio de Janeiro, 1867-69).
O visconde de Inhomirim, até o presente, foi o único negro a comandar a economia do país. No parlamento, condenou “a escravidão como sistema desumano, não jurídico e anticristão” e “durante a discussão da Lei do Ventre Livre, demoliu a argumentação dos escravagistas sobre a propriedade dos africanos na condição de bens semoventes, considerando-a uma doutrina absurda e execrável”. Abolicionista ao extremo, “não assumia sua condição de negro, usando perucas e pó-de-arroz, sendo caricaturado como um macaco por charges da época” (23).


NOTAS
1. Alguns autores, a exemplo de Joaquim Manuel de Macedo (Supplemento do Anno Biographico (I). Rio de Janeiro: Typographia, 1880, pág. 419), citam o ano de 1811.
2. PEREIRA, Antônio Baptista. Figuras do Império e outros ensaios. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 1991, pág. 57.
3. MACEDO, Joaquim Manuel de. Op. cit., pág. 419.
4. Idem, idem.
5. Idem, pág. 420.
6. Idem, pág. 422.
7. MACEDO, Joaquim Manuel de. Op. cit., págs. 422-423.
8. Minerva Brasiliense: jornal de ciências, letras e artes, publicado pela Associação de Literatos do Rio de Janeiro. Seu primeiro número circulou no dia 1º de novembro de 1843. Entre seus colaboradores, além de Torres Homem, figuravam Gonçalves de Magalhães, cônego Januário Barbosa, Odorico Mendes e Manoel de Araújo Porto Alegre (SILVA, Innocêncio Francisco da. Diccionário bibliographico portuguez (Tomo VI). Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, págs. 251-252.).
9. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., págs. 57-58.
10. GALVÃO, Miguel Archanjo. Relação dos cidadãos que tomaram parte no governo do Brazil no período de março de 1808 a 15 de novembro de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 26.
11.  PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 58.
12.  SILVA, João Manuel Pereira da. Memórias do meu tempo. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 269.
13. Idem, idem..
14. LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 2 ed. Natal: IHG-RN, 1998, pág. 347.
15. A lista tríplice era formada por Agostinho Leitão (49 votos), brigadeiro José Ignácio Borges (30 votos) e pelo coronel Afonso de Albuquerque Maranhão (21 votos). SENADO DO IMPÉRIO. Notícia dos senadores do Império do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p. 284.
16. VIANA, Oliveira. O ocaso do Império. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2004, págs. 29-30.
17. GALVÃO, Miguel Archanjo. Op. cit., págs. 30-31.
18. SILVA, João Manuel Pereira da. Op. cit.,  p. 579.
19. Visconde negava sua negritude. In: ‘Folha de São Paulo’, São Paulo, edição de sábado, 13 de outubro de 2001.
20. GARCIA JÚNIOR. A elegância masculino no Império. In: Revista Sul América. Ano 21, nº 83. São Paulo, julho/agosto/1940, pág. 22.
21. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 58.
22. PEREIRA, Antônio Baptista. Op. cit., pág. 59.
23. Visconde negava sua negritude. In: ‘Folha de São Paulo’, São Paulo, edição de sábado, 13 de outubro de 2001.

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