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domingo, 8 de julho de 2012

ROGACIANO BEZERRA LEITE:
O POETA FILÓSOFO


José Ozildo dos Santos

Considerado o mais ilustre de todos os poetas de Itapetim-PE, Rogaciano Bezerra Leite nasceu no sítio Cacimba Nova, aos 30 de junho de 1920. Filho de agricultores, teve um infância simples e humilde. Inteligência precoce, cedo descobriu que possuía o dom da poesia. E, aos quinze anos de idade já “mostrava sua tendência para literatura e para a arte de fazer poesia”, tendo, nessa época, desafiado o cantador e poeta Amaro Bernardino.
Na cidade de Patos, Estado da Paraíba, Rogaciano iniciou sua carreira como cantador. Nesse estado, participou de várias cantorias, travando conhecimento com Pinto de Monteiro, de quem tornou-se amigo e discípulo. Posteriormente, transferiu-se para o Rio Grande do Norte.


Em 1943, retornando ao Pernambuco, fixou residência em Caruaru, onde, por algum tempo, redigiu e apresentou seu primeiro programa radiofônico diário.
Poeta andarilho, cantou em diversas capitais brasileiras: em São Paulo, apresentou-se no Palácio Bandeirantes, sendo reconhecido pelo então Governador Ademar de Barros. Depois escolhe Fortaleza, capital cearense, para fixar residência. Ainda participando de cantorias para sobreviver, especializa-se em dramaturgia, passando a atuar na profissão, apesar de não deixar de ser poeta. Em 1953, casa-se no Rio de Janeiro. Viaja pelo país, mas retoma à Fortaleza. Em 1968, deixa o Brasil e passa curta temporada na França e outros países europeus, incluindo a ex-URSS (União Soviética). Deixou na praça central de Moscou o seu registro maior: a poesia ‘Os Trabalhadores’, que traduzida para o idioma daquele país, tornar-se-ia como epígrafe sua, contida em ponto de relevo.
Cognado como ‘o poeta filósofo’, Rogaciano Leite deixou extensa produção literária. Entre seus poemas mais conhecidos, destacam-se: ‘Acorda Castro Alves’, ‘Dois de dezembro’, ‘Os Trabalhadores’ e ‘Eulália’, além do famoso soneto intitulado “Se Voltares...”, transcrito a seguir:

Como o sândalo humilde que perfuma
O ferro do machado que lhe corta,
Hei de ter a minh’alma sempre morta
Mas não me vingarei de coisa alguma

Se algum dia, perdida pela Bruma,
Resolveres bater à minha porta,
Em vez da humilhação que desconforta
Terás um leito sobre um chão de pluma

Em troca dos desgostos que me deste,
Mais carinhos terás do que tiveste
E meus beijos serão multiplicados...

Para os que voltam, pelo amor vencidos,
A vingança maior dos ofendidos
É saber abraçar os humilhados

Convidado pelo ‘Jornal Última Hora’, de São Paulo, para escrever uma matéria sobre a seca do Nordeste, apresentou seus resultados em uma série de três poemas: ‘A terra’, ‘O homem’ e ‘O Retirante’, publicados nas páginas daquele jornal paulista, em 9 de março de 1953, dos quais, transcrevemos abaixo, apenas este último:

Sobre a estrada poeirenta os batalhões famintos
Desenham, com seus pés, confusos labirintos
Que outros pés, a seguir, não tardam a apagar;
É o drama... é o desgraçado drama degradante
Do romeiro rural, do rosto retirante
Sem rumo e sem arrimo, e sem arranjo, a errar...

Sob o sol causticante, à margem das estradas,
Em torno aos troncos nus das árvores peladas
Choram homens sem fé, mulheres infelizes...
Criancinhas mirradas, como cães sem dono,
Para iludir a fome e conciliar o sono
Mordem cascas de pau e succionam raízes!

No olhar de cada mãe desesperada e aflita
Há uma dor que vem d’alma, estúpida, infinita
E que o seio materno em convulsões retalha,
Por ver, exposto ao solo adusto e fumarento,
Seu filhinho morrer, famélico e sedento,
Sem um só pingo de água e sem qualquer migalha

A tragédia traduz-se atrás do tosco tronco...
E o bando sem bandeira, abandonado e bronco,
Em pós de se prover do que o País promete,
Expõe-se, estaca, estanca, esvai-se, exclama, estua,
E cansa e cai e xinga e chora e continua
Na mesma cena atroz que aumenta e se repete

No silêncio da noite, à beira de alguns poços
Onde exala o mau cheiro e onde branquejam ossos,
Onde a lama estalou de tanta sequidão
Há clamor de inocentes, maldições de adultos...
E em meio àqueles magros e sedentos vultos
Samaritana alguma estende a sua mão!

Mal nasce o sol de novo, aqueles desgraçados
Rotos, sujos, famintos, fracos, fatigados
Recomeçam seu lento e incerto caminhar,
Tendo apenas de seu a consciência medonha
Da humilhação estrema e última vergonha
De andarem como uns cães, de porta em porta, a uivar!

Ai, meu Deus, quanto horror! Que coisa ultradantesca!
Será que pode haver tragédia mais grotesca,
Gente mais desgraçada e em condições mais vil?
Não pode haver, meu Deus, porque essa caravana
Atingiu os extremos da miséria humana
E esbarrou na maior vergonha do Brasil!

Casado com a senhora Maria José Ramos Cavalcanti, Rogaciano faleceu de enfarte do miocárdio no Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, a 7 de outubro de 1969. Seu corpo, transladado para Fortaleza-CE, foi sepultado no cemitério São João Batista, daquela capital.
Patrono da cadeira nº 33, da Academia Serra-talhadense de Letras, Rogaciano Leite foi também bancário e jornalista. Diplomado em Direito e em Letras, publicou no Rio de Janeiro, em 1950, o livro Carne e Alma’, prefaciado pelo folclorista e historiador norte-riograndense Luís da Câmara Cascudo, com quem, ainda jovem travou conhecimento, quando de sua passagem por Natal.

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