Hoje é

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

FLORES - PERNAMBUCO

CAFUNDÓ: O VALE DAS MIL E UMA MARAVILHAS

José Ozildo dos Santos
Rosélia Maria de Sousa Santos
Almair de Albuquerque Fernandes

O Vale do Cafundó é a área do município de Flores-PE, que possui o maior número de atrativos naturais. São inúmeros caldeirões, furnas, montes, picos, serras atípicas, paredões, canyons, olhos d’água, etc., etc., etc. No referido vale o visitante tem a impressão que voltou no tempo, à época do paleolítico. Rochas resultantes de transformações vulcânicas contornam toda a paisagem do imenso vale que corta o município em vários sentidos, assumindo, em alguns pontos, outras denominações.

 
Aspectos da cobertura rochosa sobre grande parte do solo, no Sítio Cafundó

Quem chega pela primeira vez ao Vale do Cafundó não pode deixar de se surpreender. Ali, onde as rochas dão o tom da paisagem, o tempo esculpiu com paciência um grande universo de formas e cores, um espetáculo para os sentidos e um convite à reflexão num ambiente de pura energia. Com sítios arqueológicos e canyons que testemunham o passado, o lugar é hoje um dos mais belos santuários geológicos do Nordeste brasileiro, um espaço para a prática de esportes de aventura e um patrimônio histórico e natural de extrema importância científica.

Registro da paisagem ao longo da principal via de acesso ao Sítio Cafundó 

O acesso até o Vale das Mil e Uma Maravilhas é fácil e não oferece obstáculos. Saindo do Distrito de Fátima, segue-se por uma estrada vicinal que passa inicialmente pela comunidade São Benedito. Antes, porém, já é possível visualizar as milhares de formações rochosas que parecem brotar umas sobre as outras.
A meio caminho, um ponto distante 7 Km do distrito de Fátima, o visitante pode deixar a estrada e entrar numa pequena porteira, que dá acesso à residência de dona Maria do Carmo. Poucos metros dali, encontramos os primeiros caldeirões do Cafundó. São cavidades naturais esculpidas na rocha bruta com profundidade, formatos e tamanhos diversos. Tais construções naturais além de constituírem um belo atrativo, servem como depósitos para a captação das águas das chuvas, que são utilizadas pelos moradores locais.
Aspectos do primeiro caldeirão (tanque de pedra) do Cafundó
Esse caldeirão possui uma particularidade. Quando cheio, sangra para o Grande Canyon, que se projeta em sua encosta, atingindo uma altura superior a cem metros.

Canyon do Cafundó

Após contemplar o Grande Canyon, retornando à estrada e seguindo em frente, chega-se até a residência do senhor Ernesto Henrique de Lima. Ali, transpondo-se uma pequena portueira localizada num ponto definidos pelas coordenadas 37º 58’ 83” S e 37º 44’ 30” W, chega-se ao leito do Riacho do Cafundó. Depois do referido riacho, a trilha se ramifica: para a esquerda, segue para outros caldeirões, e, para direita, nos leva até a Pedra da Tartaruga.

 
 Aspectos do maior caldeirão do Cafundó

O caldeirão da propriedade de ‘seu’Ernesto é o maior do Vale do Cafundó. Possui mais de 15 m de extensão por 8,5 m de largura. Sua profundidade máxima é de 7,8 m. Esse atrativo é dividido ao meio por uma longa ponte natural de pedra, que lhe dá uma beleza incomparável. Numa de suas extremidades, construiu-se uma série de degraus de cimento, que permite o acesso até a base do referido atrativo.
Durante o período chuvoso, o atrativo em descrição fica praticamente cheio pelas águas que escorrem pelas pedras em declive. No Cafundó, a água que escorre sobre as pedras, cava na rocha seu próprio caminho e desce pelas encostas enchendo os caldeirões, reservatórios naturais que são utilizados pela população local e por animais.

Caminho das águas sobre as rochas, no Sítio Cafundó

Retomando a trilha inicial, seguindo-se pela direita, chega-se à Pedra da Tartaruga, que fica a pouco mais de trezentos metros da porteira da entrada, num local definido pelas coordenadas 07º 58’ 91”S e 37º 44’ 35” W. A Pedra da Tartaruga do Cafundó é um bloco rochoso de aproximadamente 2,5 m de altura, em formato oval, com um diâmetro de pouco mais de 1,80 m. A referida pedra está numa pequena elevação, separada do Riacho do Cafundó por uma estreita área de plantação de cultura de subsistência. Formação atípica, coberta parcialmente por fungos, tal atrativo apresenta-se em prefeito estado de conservação.

Pedra da Tartaruga do Sítio Cafundó

Deixando para traz a Pedra da Tartaruga e seguindo em direção ao leito do Riacho, após uma pequena descida, deparamos com um imenso bloco de pedra, em declive, formando em sua base uma grande fenda, ao mesmo tempo, que com outras rochas laterais, forma uma galeria, por onde o referido curso d’água abre caminho.
Formações rochosas do Vale do Cafundó

Nas encostas do imenso salão, é possível encontrar vários pontos contendo pinturas rupestres. São representações em vermelho, que ora apresentam-se bastante visíveis, e, ora não possuem visibilidade, tornando-se impossível definir os contornos dos referidos grafismos.

Pinturas rupestres do Sítio Cafundó

Um conjunto de mãos humanas dispostas na horizontal constitui os caracteres mais visíveis nesse sítio arqueológicos, onde somente existem pinturas rupestres. Ao todo, são quatro mãos, de formatos e tamanhos variados. Logo abaixo, vê-se um conjunto de linhas ramificadas. Noutro ponto do referido paredão, aparecem novos caracteres. São representações geométricas de difícil interpretação. Mais abaixo, um conjunto de pontos em circulo domina a paisagem, escondendo consigo os mistérios do Vale do Cafundó.
Deixando à propriedade de ‘seu’ Ernesto e seguindo em frente, chega-se à casa de ‘Zequinha Marinheiro’, espécie de figura lendária que nasceu e viveu por muitos anos numa casa construída sob uma grande pedra, no Vale do Canfudó. Ali, o visitante encontra inúmeros outros calderões e ver de perto rochas com formatos ‘esquisitos’ e o mesmo tempo, belos.
Grande parte do solo dessa região é coberta por uma fina camada rochosa, que facilmente pode ser removida. Parece, que por ali, correu o magna de um vulcão, modificando o aspecto inicial do solo, alterando de forma significativa sua cama superficial.
Saindo da casa de ‘seu’ Zequinha Marinheiro, indo novamente em direção ao leito do Riacho do Cafundó, novos atrativos são encontrados. São formações que recebem o nome de ‘pão’, por parte dos moradores locais, por lembrarem o ‘Pão de Açúcar’, do Rio de Janeiro. Contudo, em alguns pontos, novas formas se elevam, contrariando a paisagem local. São picos, montes e torres.
Caminhando pelo Vale do Cafundó, após cruzar uma grande várzea, que se forma ao longo do Riacho que dá nome a localidade, o visitante começa a visualizar, a distancia, contrastando com os paredões rochosos e suas encostas, uma construção atípica, que aos poucos vai ganhando forma. Trata-se da lendária ‘Casa de Pedra do Cafundó’, solidamente construída no século XIX, aproveitando uma fenda que existe numa encosta.

 Casa de Pedra do Cafundó, construída no final do século XIX

Durante o período chuvoso, o referido atrativo fica quase que totalmente encoberto pela vegetação que ganha um verde exuberante. A Casa de Pedra do Cafundó vem resistindo ao tempo. Suas solidas paredes, por mais de um século, se mantém erguidas, testemunhando o passado e contando nossa história. Em seu interior, além da sala e da cozinha, existem três quartos, que foram cuidadosamente projetados.
Três gerações de uma mesma família, ali viveram entre as décadas de 1890 e 1970, sendo o senhor Zequinha Marinheiro – que ali nasceu – neto do ‘construtor’ da Casa de Pedra do Cafundó. A mais antiga referência bibliográfica sobre este atrativo data do início do século passado e ilustra um relatório da antiga IFOCS, elaborado em 1911.
Do batente da famosa Casa de Pedra, o visitante olhando em sua volta, pode contemplar diversos atrativos naturais. A Pedra do Chapéu é um destes atrativos. Outro, é um paredão que parece dá uma volta por todo o vale, ora transformando-se em grandes serras, ora reduzindo-se a pequenas elevações.
Retomando a trilha inicial e seguindo-se pela esquerda, chega-se ao Covoado, uma localidade inserida dentro do Vale do Cafundó, que também possui inúmeros atrativos e guarda seus segredos. O primeiro atrativo que se registra nessa localidade é a Pedra da Esfinge, que se destaca no alto de um penhasco a uma altura de aproximadamente 80 metros.

Pedra da Esfinge no Sítio Cafundó

Vista de longe e dependendo do ângulo, apresenta um aspecto que faz lembrar a histórica Esfinge do Egito, com sua opulência e beleza natural, sempre fitando o Vale do Cafundó, que guarda inúmeros ‘segredos’ e ‘mistérios’.
O segundo atrativo mais significativo do Covoado é a ‘Gruta de Pedra’, encravada nas encostas rochosas, poucos metros após a Pedra da Esfinge. Durante o período quando a vegetação cresce e surge um novo verde, o referido atrativo fica totalmente encoberto. Ele apresenta um salão de aproximadamente 10m², em sua base, na qual, em seu ponto extremo, para o alto, sobrelevam-se três novos andares, que podem ser facilmente escalados, até o teto, onde existe uma outra abertura na rocha, que se projeta acima da entrada principal, cerca de 9 metros.

Aspectos da Gruta de Pedra do Covoado

Deixando para trás a Gruta de Pedra e retomando o curso do Riacho do Cafundó onde começa a se formar um novo Canyon, o visitante avista logo de início uma segunda esfinge, uma formação rochosa que lembra a cabeça de um leão: uma ‘Sentinela de Pedra’, guardando a entrada de mais um atrativo do Covoado, no Vale do Cafundó.


Aspectos da Esfinge do Covoado, localizada no início do Canyon

A partir daquele ponto, inicia-se um imenso paredão, que atinge altura superior a 150 metros. Por entre a gigantesca garganta de pedra, corre o Riacho do Cafundó que vai aumentado de volume, à medida que vai recebendo as águas que escorrem das encostas.


  
Aspectos dos Paredões do Covoado

Nessa parte do Covoado, protegida pelas muralhas de pedras, encontramos espécimes da vegetação nativa, que não registradas em outros locais do município. São, principalmente, bromélias de várias espécies, que necessitam ser classificadas para que a população local e os visitantes possam sobre elas serem informados.
Inúmeras pequenas cavidades se formam nas rochas que compõem os imensos paredões do Canyon do Covoado, servindo de abrigo natural para os animais silvestres que habitam a região, principalmente para as abelhas, morcegos, marimbondos, mocós, etc. Em alguns locais, existem cavidades tão amplas, que, possivelmente, serviram para a ocupação humana, no passado. No entanto, nesses locais, até o presente, não foram encontrados vestígios que confirme tal hipótese.
Finalizando a caminhada pelo Vale do Cafundó, chega-se à Garganta do Covoado, um caminho milenar aberto por entre as pedras, que serve para o escoamento das águas que descem das encostas e alimentam o Riacho do Cafundó.
  
Início da Garganta do Covoado 

A Garganta do Covoado se prolonga por mais de dez metros em declive. Ela serve de ligação entre o Sítio Covoado e a estrada vicinal, que dá acesso ao Vale do Cafundó. Os paredões rochosos que forma a ‘Garganta do Covoado’, apresenta um formato que lembra um trapézio, visto de lado, com uma altura máxima de 6 a 7 metros.
Calçada, de forma natural, a referida passagem possui em sua base 80 cm em seu ponto mínimo e vai lentamente se abrindo, atingido em seu ponto máximo 1,20 m. Marcas nos paredões, em diversas alturas, registram as enxurradas que por ali passaram, ao longo de centenas de anos.
No seu final, à direita, o visitante pode ainda contemplar a Pedra do Boné, formação rochosa que se eleva do solo por mais de 10 metros, servindo de coordenada geográfica, assinalando o final da trilha que percorre todo o VALE DO CAFUNDÓ.
O Vale das Mil e Uma Maravilhas guarda outros atrativos que são um convite ao visitante. Cerca de quatro quilômetros após a ‘Casa de Pedra’, descrita anteriormente, no topo de uma pequena serra, encontramos um espaço antigo de ocupação humana, que merece ser relacionado como um ponto digno de visitação. Trata-se da antiga Casa de Farinha do Cafundó, que também é citada no Relatório da IFOCS, elaborado em 1911 e na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada em 1958, pelo IBGE.

Prensa da antiga Casa de Farinha, Sítio Cafundó -Flores-PE

Forno da antiga Casa de Farinha do Sítio Cafundó

Hoje, pouco resta da grande Casa de Farinha do Cafundó. Contudo, o tempo ainda não conseguiu destruir a antiga e secular prensa e o velho forno de torrar farinha. Lá, estão sobrevivendo ao tempo e às intempéries. O referido forno ocupa parte de uma grande fenda. Ao seu lado, num segundo plano, encontramos a prensa. Pelo chão, velhos equipamentos e restos da construção ainda podem ser encontrados.
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Fotos: Rosélia Santos.
Guia: João José da Cruz Neto (Flores-PE)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

PATOS - PARAÍBA

UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA

José Ozildo dos Santos

OS PRIMEIROS HABITANTES DA REGIÃO

Até os primórdios do século XVIII, o Sertão das Espinharas era habitado por indígenas da nação tarairiús - verdadeiros tapuias do Nordeste - que desde o princípio, ofereceram forte resistência à penetração lusa e à conquista do interior paraibano. Possuidores de elevada estatura, aqueles silvícolas alimentavam-se basicamente de mel de abelha e frutos silvestres.
Guerreiros corajosos, os tapuias praticavam o endocanibalismo, ou seja, comiam seus próprios parentes, “alegando que o melhor lugar para guardá-los, era dentro de si mesmo”, e, diferenciam-se da nação Cariri, por fazer uso de uma língua truncada, sendo, por isso, considerados ‘bárbaros’ pelo elemento luso-brasileiro. Nação formada por muitas tribos, os tapuias eram nômades. E, segundo estudos recentes, realizados pelo professor José Elias Borges, habitavam o território do antigo município de Patos, os Janduís, os Ariús e os Panatis.

A CONQUISTA DO SERTÃO DAS ESPINHARAS

Na segunda metade do século XVII, iniciou-se o desbravamento e o povoamento efetivo do Sertão das Espinharas. No dia 4 de fevereiro de 1670, o governador geral do Brasil, sediado na Cidade da Bahia, concedeu a chamada ‘Data da Ribeira dos Espinharas’, que teve como beneficiários o capitão Antônio de Oliveira Ledo, Custódio de Oliveira Ledo, capitão Francisco de Abreu e Lima, alferes João de Freitas da Cunha, José de Abreu, Luís de Noronha, Antônio Martins Pereira, Estevam de Abreu de Lima, Sebastião da Costa, Gaspar e Gonçalo de Oliveira Pereira.
A referida concessão abrangia um território correspondente a 50 léguas de extensão, por 12 (doze) de largura, sendo 6 (seis) para cada lado do rio das Espinharas, principiando das nascenças do aludido curso d’água, ao sertão a dentro, tendo como fronteiras a serra da Borborema. No requerimento endereçado ao governo geral, os suplicantes informaram que as referidas terras eram “povoadas de índios” e foram descobertas “com grande dispêndios de suas fazendas e riscos de suas vidas pr. serem de tapuios, qe. nunca tiveram conhecimento de brancos” .
Essa concessão não foi demarcada e nem recebeu confirmação régia. Três anos mais tarde, os irmãos Antônio e Custódio de Oliveira Ledo, associados a Manoel Barbosa de Freitas, obtiveram uma outra data de terra e sesmaria, “que começava das vertentes da Serra do Teixeira, pelo rio das Espinharas abaixo”, com três léguas para cada banda do referido rio.
A presença efetiva do elemento luso-brasileiro, no interior nordestino, despertou revolta entre os tapuias, que pondo-se em armas, passaram a acatar as fazendas de gados, em diversos pontos, causando sérios prejuízos aos colonizadores brancos. Essa revolta, conhecida como “Guerra dos Bárbaros”, em pouco tempo espalhou-se por todo o sertão paraibano, atingindo as capitanias vizinhas do Ceará e do Rio Grande do Norte. E, apesar da superioridade bélica do elemento branco, essa guerra foi longa e desastrosa, somente terminado em idos de 1722, por via diplomática, após a assinatura de um tratado de paz, que foi o primeiro na América Latina, firmado entre um soberano europeu e um chefe indígena brasileiro.
Coube, pois, aos irmãos Teodósio e Francisco de Oliveira Ledo, juntamente com o desbravador Manoel Vidal Curado de Garro, a conquista do sertão das Espinharas, cujo povoamento foi acelerado ainda no início do século XVIII. Assim, aos 18 de fevereiro de 1718, um certo Manoel Alves Gomes, morador da Capitânia da Paraíba, obteve uma data de terra e sesmaria no futuro território patoense, cujas terras localizavam-se por detrás da Serra dos Cavalos, indo até a Serra do Maborigua. Hoje, parte integrante dos municípios de São Mamede e Quixaba.

AS PRIMEIRAS FAZENDAS DA REGIÃO

A primeira fazenda de gado instalada no território patoense, pertencia ao desbravador João Pereira de Oliveira (filho de Antônio de Oliveira Ledo). Oriundo do Baixo São Francisco, aquele pioneiro chegou ao sertão das Espinharas na companhia de seu pai. E, em 1677, já encontrava-se instalado com sua fazenda, às margens do Riacho da Farinha.
No entanto, no início do século XVIII, essa fazenda, com casa de taipa e curral de pau-a-pique, foi vendida ao coronel Domingos Dias Antunes. Anos mais tarde, por morte desse pioneiro, a referida propriedade passou a ser administrada por seus filhos Antônio e Mariana Dias Antunes. Entretanto, a parte herdada por Antônio Dias Antunes, na segunda metade daquele século, foi vendida ao capitão Paulo Mendes de Figueiredo, que instalou sua fazenda de gados nas proximidades da lagoa ‘dos Patos’, de onde provém o topônimo, que passou a designar o arraial, núcleo inicial da atual cidade de Patos.

A CAPELA DE NOSSA SENHORA DA GUIA

Antiga Igreja Matriz de Nossa da Guia, concluída em 1772. Hoje, capela de
Nossa Senhora da Conceição

Movidos pela fé, Paulo Mendes de Figueiredo e sua esposa Maria Teixeira de Melo, associados ao desbravador João Gomes de Melo e sua esposa Mariana Dias Antunes, aos 26 de março de 1766, doaram partes de suas terras para a constituição do patrimônio da futura capela de Nossa Senhora da Guia, que pretendiam erigir no arraial, que se formava. Esse patrimônio, ratificado aos 28 de novembro de 1786, mais tarde, foi aumentado por doações de outros moradores da região.
Em 1772, a capela de Nossa Senhora da Guia já estava concluída e ao seu redor, os fazendeiros Paulo Mendes e João Gomes de Melo construíram as primeiras casas de moradas. As estes pioneiros, cabe a fundação da povoação dos ‘Patos’, que, aos poucos, foi adquirindo delineamento urbano. Nota-se, portanto, que a cidade de Patos nasceu da conjunção do elemento religioso, apoiado na atividade econômica, representada pela pecuária, que incentivou o povoamento dos sertões nordestinos.

DE POVOAÇÃO À VILA

A localização privilegiada, a existência de aguadas e a fertilidade do solo, foram fatores que contribuíram para o rápido crescimento da pacata povoação, que adquirindo importância econômica, tornou-se sede da Freguesia de Nossa Senhora da Guia, criada através da Provisão Régia nº 14, de 8 de outubro de 1788. Seu território, foi desmembrado da Freguesia de Nossa Senhora Santana, sediada na antiga Vila Nova do Príncipe, atual cidade de Caicó, no vizinho Estado do Rio Grande do Norte (e não, da Matriz de Pombal, como até agora vem sendo divulgado), abrangendo o território da Ribeira das Espinharas e prolongando-se “até a fazenda do Jardim e a Capela de Santa Luzia, com todos os seus moradores na distância de quatro léguas em circulo”.

Antiga Casa da Câmara e o largo da Matriz de Nossa Senhora da Guia

Aos 9 de maio de 1833, por Resolução do Conselho da Província, foi criada a Imperial Vila de Patos, desmembrada do município de Pombal, antiga povoação de Nossa Senhora do Bonsucesso (do Piancó). Nesta data, verificou-se a emancipação política de Patos, pois, de acordo com a legislação do Império, a elevação de uma povoação à categoria de vila, dava-lhe o status de município, com autonomia e Conselho Administrativo próprio.
Sua instalação ocorreu no dia 22 de agosto daquele ano. Logo no início de 1834, a Câmara Municipal de Patos enviou à Assembléia Geral, uma longa representação, solicitando a revogação do Decreto de 25 de outubro de 1831, que demarcou o território da antiga Vila Nova do Príncipe (Caicó-RN). No entanto, a referida representação não atingiu seus objetivos.
No plano religioso, em junho de 1839, a Freguesia de Nossa Senhora da Guia recebeu sua primeira visita pastoral, realizada por Dom João da Purificação Marques Perdigão, bispo de Olinda, a cuja diocese encontrava-se subordinado todo território paraibano. Em Patos, aquele diocesano sofreu “grande amargura por causa do depravado procedimento do vigário”, que publicamente vivia em concubinato com uma senhora da vila, morando na mesma casa e de cuja união, proibida aos olhos da Igreja, havia alguns filhos. No entanto, o ilustre visitante limitou-se a determinar que o referido vigário, providenciasse residência para sua amante, em local distante da sede da freguesia.
Ainda na primeira metade do século XIX, um fato registrado na história de Patos, que merece destaque, foi a passagem de Frei Caneca pelo território patoense, na companhia de alguns confederados aprisionados. O mártir da Confederação do Equador, chegou à povoação de Patos, na tarde do dia 7 dezembro de 1824, escoltado por um pelotão das forças legais à Coroa. Aquele religioso deixou escrito em seu ‘diário de viagem’, a impressão que teve da pacata povoação, onde foi bem recebido e jantou na casa do padre Antônio da Silva Costa, que hospedou-o com muita afabilidade.
Em 1855, a população de Patos, totalizava 5.066 almas, sendo que 660 eram escravos. No ano seguinte, seu território foi assolado pela epidemia do cólera morbus, o conhecido ‘mal do Ganges’, vitimando 24 pessoas, que foram sepultadas em valas coletivas e distante do perímetro urbano.
Passada aquela epidemia, o governo provincial determinou a construção do primeiro cemitério na Vila de Patos. Antes, porém, os mortos eram sepultados no interior da Matriz de Nossa Senhora da Guia. Coube ao vigário Manoel Cordeiro da Cruz, a missão de benzer o referido cemitério, bem como, sua cruz, fato ocorrido no dia 19 de janeiro de 1857, em solenidade que contou com a presença de grande número de pessoas e do padre José Jácome de Fontes, coadjutor da Freguesia de Nossa Senhora da Guia.
Aos 8 de outubro de 1860, chegava à Vila de Patos, procedente de Pombal, o Dr. Luís Antônio da Silva Nunes, Presidente da Província, em visita ao interior da Paraíba, oportunidade em que foi saudado pelos membros da Câmara Municipal, sob a presidência do vereador João Machado da Costa, hospedando-se na residência do vigário local.

A CRIAÇÃO DO TERMO JUDICIÁRIO E DA COMARCA

Juridicamente, a Imperial Vila de Patos integrou à Comarca de Pombal até 29 de outubro de 1864, quando, através da lei provincial nº 139, passou a pertencer à unidade judiciária da Vila de Teixeira. Esta, por força da lei nº 597, perdeu seu status, sendo a referida comarca transferida para a Vila de Patos, aos 26 de novembro de 1875.
No entanto, aos 18 de fevereiro de 1879, o referido juizado retornou à Vila do Teixeira, voltando a Vila de Patos à condição de termo judiciário. A futura capital das Espinharas somente conquistou sua independência judiciária, após a Proclamação da Republica, quando, no governo Venâncio Neiva, tornou-se novamente sede de comarca (Decreto nº 5, de 22 de janeiro de 1890).

Centro da Cidade de Patos, no final da década de 1920
Entretanto, no dia 1º de junho de 1929, aquela unidade judiciária foi suprimida por força do decreto nº 1.591. Mas, sendo logo restabelecida a 18 de setembro daquele ano (decreto nº 1681) e reinstalada no dia 17 do mês seguinte, pelo Dr. Manoel Simplício de Paiva, seu novo titular.
Durante o Império, a vida política patoense girou em torno de vários nomes, a exemplo do capitão Ildefonso Aires Cavalcanti de Albuquerque, do padre Manoel Cordeiro da Cruz, do capitão Ló (Jerônimo José da Nóbrega) e do coronel Manoel Gomes dos Santos, todos eleitos deputados provinciais. A este último, coube até 1904, a chefia política do município de Patos.

A CONSTRUÇÃO DA SEGUNDA IGREJA

Ainda na segunda metade do século XIX, por sua importância econômica, a Vila de Patos passou a projeta-se no interior paraibano, apresentando um crescimento populacional de forma considerável, impondo ao vigário Joaquim Alves Machado a obrigação de construir uma nova matriz, uma vez que a antiga Igreja não comportava mais seus fiéis.

Segunda Igreja Matriz de Patos, na década de 1930

Assim, aos 18 de abril de 1893, o referido vigário, endereçou uma petição ao bispo de Olinda - ao qual era subordinado - solicitando autorização para erigir uma nova igreja matriz. Devidamente autorizado, o referido sacerdote lançou a pedra fundamental para a construção da segunda matriz de Patos (hoje, servindo como Catedral), localizada na atual Avenida Epitácio Pessoa, em solenidade realizada aos 22 de outubro de 1893, que contou com a participação de grande massa popular.

A ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE CIDADE

Pela Lei Estadual nº 200, de 24 de outubro de 1903, a Vila de Patos foi elevada à categoria de cidade. Na época, o referido município era representado na Assembléia Legislativa pelo deputado Leôncio Pereira Monteiro Wanderley. No entanto, para facilitar o tramite nas comissões parlamentares e atendendo as conveniências da política, o projeto que deu origem aquela lei foi apresentado pelo deputado José Campelo de Albuquerque. Aprovado, foi o mesmo sancionado pelo Dr. José Peregrino de Araújo, Presidente do Estado e pai do médico de igual nome, futuro dirigente do município de Patos.

Antiga Casa da Câmara e o Colégio Diocesano, no final da década de 1930

A VIDA ADMINISTRATIVA

Logo após a Proclamação da República, a gestão administrativa dos municípios paraibanos - por força da Lei nº 9, de 17 de dezembro de 1892 - passou a ser desempenhada pelo Conselho Municipal. E, para preenchimento do referido cargo no município de Patos, o Dr. Álvaro Machado - segundo Presidente da Paraíba, no novo regime - em princípios de 1893 (e não em 1897, como até agora vem sendo divulgado), designou o senhor Constantino Dantas Correia de Góis, por indicação do Dr. Manoel Dantas, líder político de Teixeira e futuro presidente da Assembléia Legislativa.


Inauguração da Ponte do São Sebastião, sob o Rio Espinharas, em 1923

Inauguração da Ponte do São Sebastião, em 1923

Em 1895, criado o cargo de prefeito municipal (Lei nº 27, de 2 de março), aquele cidadão foi mantido à frente da administração local, tornando-se o primeiro prefeito patoense. E, embora o referido cargo tenha sido extinto aos 25 de outubro de 1900, Constantino Dantas administrou a cidade de Patos até 2 de dezembro de 1904, na condição de presidente do novo Conselho Municipal e não como interventor, como afirmam alguns pesquisadores locais. Para substituí-lo, foi designado o senhor Sizenando Florindo de Sousa, cuja nomeação marcou o início da ascensão da família Sátyro, no cenário político municipal.
Festa de Nossa Senhora da Guia, em 1922

Dessa época até finais de 1930, o município de Patos foi administrado pelos seguintes agentes públicos: Sizenando Flórido de Sousa (1904-1907); Sebastião Ferreira da Nóbrega (1907-1913), José Peregrino de Araújo Filho (1913-1928); Firmino Ayres Leite (1928-1930) e Canuto Torres (1930), todos sob a tutela política do ‘major’ Miguel Sátyro.
Hotel Central, no cruzamento da Rua Epitácio Pessoa com a atual Pedro Firmino, década de 1940

Centro da cidade Patos na década de 1940

Colégio Rio Branco, no centro de Patos, ao lado, o prédio da prefeitura, em construção

Cine Eldorado (hoje demolido), década de 1950

Aspectos do centro de Patos no final da década de 1940

Aspectos do centro de Patos no final da década de 1940

Rua Felizardo Leite, na década de 1940

Rua Solon de Lucena, no final da década de 1940

Rua Solon de Lucena, no final da década de 1930, antes da construção
da atual Catedral de Nossa Senhora da Guia

Durante a ditadura Vargas, a exemplo dos outros municípios brasileiros, Patos viveu um clima de instabilidade administrativa, tendo sido governado por nove prefeitos discricionários, nomeados pelo regime revolucionário. Redemocratizado o país, nas eleições realizadas a 17 de janeiro de 1947, o Dr. Clóvis Sátiro e Sousa foi eleito para dirigir os destinos administrativos de Patos, tornando-se o primeiro prefeito constitucional do município, após a queda do Estado Novo.
Seguidamente, foram eleitos os seguintes prefeitos: Darcílio Wanderley (1951-1955); Nabor Wanderley (1955-1959); Bivar Olinto (1959-1963); José Cavalcanti da Silva (1963-1969); Olavo Nóbrega (1969-1973); Aderbal Martins (1973-1977); Edmilson Fernandes Mota (1977-1983); Rivaldo Medeiros (1983-1989); Geralda Medeiros (1989-1992), Antônio Ivânio de Lacerda (1993-1996) e Dinaldo Wanderley (1997-2000 e de 2001-2004).

Bivar Olinto no dia de sua posse como prefeito de Patos-PB

Em princípios de 1963, Bivar Olinto renunciou a Prefeitura Municipal de Patos, após ser convocado para ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados e teve seu mandato concluído pelo vice Otávio Pires de Lacerda. Atualmente, a ‘Cidade Morada do Sol’ é administrada pelo Dr. Nabor Wanderley Filho, que eleito em 2004, deverá governar até 31 de dezembro de 2008.

A IMPRENSA PATOENSE

A imprensa chegou à cidade de Patos, em 1914. Naquele ano, Genésio Gambara - ilustre advogado provisionado e homem de letras, que eleito deputado estadual, teve uma atuação destacada no plenário da Assembléia Legislativa - fundou o jornal ‘A Voz do Sertão’, cujo primeiro número circulou no dia 14 de março daquele ano.
Posteriormente, surgiu ‘O Jornal do Sertão’, sob a direção do ‘major’ Miguel Sátiro, considerado a maior expressão do cenário político patoense, durante a República Velha. Esse jornal, em sua primeira fase, circulou de 1916 a 1917, e, numa segunda, de 1925 a 1926. Atualmente, editam-se na cidade de Patos os seguintes jornais: ‘A Folha Patoense’, ‘A Voz do Povo’, ‘O Sertão’, e o ‘Jornal Empresarial’ - além da revista ‘O Nosso Recado’ - todos de circulação mensal.
Por muito tempo, a população patoense, reivindicou uma agência bancária. E, graças a iniciativa do agropecuarista João Olinto de Melo e Silva, foi fundado o Banco Agrícola de Patos, em solenidade realizada a 20 de outubro de 1925, no salão nobre da extinta Associação dos Empregados no Comércio. Em finais do ano seguinte, a cidade recebeu a visita do Dr. Washington Luís, recém-eleito presidente da República, que encontrava-se em visita aos estados do Nordeste.

PADRE FERNANDO GOMES: DO VICARIATO AO ARCEBISPADO

Em 17 de dezembro de 1936, o padre Fernando Gomes dos Santos foi nomeado vigário da Paróquia de Patos. Sacerdote virtuoso, foi o segundo patoense a reger a Matriz de Nossa Senhora da Guia, empossando-se em suas novas funções no dia 1º do mês seguinte.
Em seu vicariato - que durou seis anos - conseguiu realizar uma ação pastoral das mais produtivas para a cidade de Patos. Remodelou e ampliou a Igreja Matriz; adquiriu um imóvel, que passou a servir como Casa Paroquial; fundou ‘Ação Católica’; criou o ‘Círculo Operário’ (25-02-1940) e fundou a ‘Casa dos Pobres’ (1942), transformada, posteriormente, em ‘Dispensário dos Pobres’.

Igreja de Nossa Senhora da Guia, atual Catedral, no início da década de 1940

Preocupado com a educação de seus conterrâneos, o padre Fernando Gomes instalou ‘Colégio Cristo Rei’ (04-03-1938) e o ‘Ginásio Diocesano’, garantindo o desenvolvimento cultural da juventude patoense. E, tanto fez que conquistou a estima total de seus paroquianos.
Sua magnífica ação pastoral contribuiu para a distinção com o canonicato, ocorrida em 18 de junho de 1941. No ano seguinte, aos 18 de janeiro, o cônego Fernando Gomes dos Santos foi agraciado com o título de monsenhor e por fim, no dia 12 de janeiro de 1943 - aos 33 anos de idade incompletos - ascendeu ao episcopado, sendo nomeado bispo da Diocese de Penedo-AL. Em 1949, tornou-se titular da Diocese de Aracajú.

Dom Fernando, no dia de sua sagração episcopal

Posteriormente, ascendendo ao arcebispado, foi nomeado para ocupar a Arquidiocese de Goiânia, onde empossou-se no dia 16 de junho de 1957. Perfeito exemplo de levita do senhor, além de ser considerado o mais ilustre de todos os patoenses, Dom Fernando é tido como a uma das maiores figuras do clero brasileiro.

A CHEGADA DO PROGRESSO

Até o início da segunda metade do século passado, o município de Patos teve a cultura do algodão como sua principal fonte econômica. Essa cultura, bastante difundida no sertão paraibano, possibilitou a instalação de grandes empresas na cidade de Patos, a exemplo da CICA, da Anderson Clayton e da SANBRA. Esta última, encerrou suas atividades em 1º de abril de 1980, face o declínio da cultura do algodão, na região.


Instalações da CICA, em Patos, final da década de 1940

No final da primeira metade do século XX, Patos tornou-se o principal
centro de comercialização de algodão em todo o sertão paraibano

Esse progresso econômico, assinalado a partir de 1934, proporcionou a fundação da Associação Comercial Industrial e Agrícola de Patos, ocorrida no dia 1º de novembro de 1943. Na década de 50, a indústria predominante no município era a têxtil, representada pelo beneficiamento do algodão, que possibilitou uma produção industrial de 116 milhões de cruzeiros, em 1954. Nesse mesmo ano, o município foi considerado o primeiro produtor de oiticica no Estado, apresentando uma produção de 1.893 toneladas.
Em 1974, Patos possuía 151 unidades industriais, ocupando quase 700 trabalhadores diretos e explorando os ramos de vestuário, calçados e artefatos de tecidos. Nos últimos anos, a indústria de calçados vem crescendo de maneira satisfatória no município, e, hoje, constitui-se num dos maiores sustentáculos da economia local.

A CRIAÇÃO DA DIOCESE

Como cidade pólo, Patos tornou-se sede da segunda diocese do sertão paraibano, criada em 17 de janeiro de 1959, através da Bula ‘Quando quidem Deus’, assinada pelo Papa João XXIII. A referida diocese foi instalada aos 12 de julho daquele ano, oportunidade em que Dom Expedito Eduardo de Oliveira, tomou posse na condição de seu primeiro bispo. Natural de Pacatuba-CE, aquele ilustre diocesano faleceu prematuramente no dia 8 de maio de 1983, após 24 anos de muito trabalho e dedicação ao povo patoense.
O segundo titular da diocese de Patos foi Dom Gerardo Andrade Ponte, que empossado aos 26 de fevereiro de 1984, governou o sólio patoense até 1º de dezembro de 2001, quando tornou-se bispo emérito e foi substituído por Dom Manoel dos Reis de Farias, ainda em exercício. Hoje, a diocese e o poder público municipal, desenvolvem vários projetos de ação social, visando o resgate da cidadania e beneficiando as comunidades mais pobres da periferia da cidade.

A INSTALAÇÃO DA PRIMEIRA EMISSORA DE RÁDIO

O primeiro veículo de comunicação radiofônica da cidade de Patos foi a ‘Rádio Espinharas’, oficialmente instalada no dia 1º de agosto de 1950. A referida emissora nasceu a serviço da política e nessa condição, permaneceu até 1963. No ano seguinte, após um curto período de inatividade, foi adquirida pela diocese, por iniciativa de Dom Expedito Eduardo de Oliveira, passando a desenvolver o programa do ‘Movimento de Educação de Bases’.

A CAMPANHA MUNICIPALISTA DA DÉCADA DE 60

Em finais de dezembro de 1961, do território do antigo município de Patos, foram desmembrados os municípios de Salgadinho (Lei nº 2.676), Santa Terezinha (Lei nº 2.677), Passagem (Lei nº 2.679), Cacimba de Areia (Lei nº 2.689) e São José de Espinharas (Lei nº 2.697), cujos projetos de lei foram apresentados na Assembléia Legislativa, pelo deputado José Cavalcanti da Silva, que representou o município de Patos, na ‘Casa de Epitácio Pessoa’, durante quatro legislaturas. Hoje, o município de Patos é composto por dois distrito: o da sede e o de Santa Gertrudes.

O NASCIMENTO DAS FACULDADES INTEGRADAS DE PATOS

Em 1968, num gesto pioneiro e ousado, por iniciativa do senhor José Gomes Alves, foi instalada a Faculdade de Economia de Patos, cabendo sua coordenação e manutenção à Fundação Francisco Mascarenhas, que deu a Patos, o status de ‘Cidade Universitária’. E, hoje, oferece os cursos de Economia, Pedagogia, Letras, História, Geografia, Jornalismo, Informática e Enfermagem, através das Faculdades Integradas de Patos (FIP), que constituem-se no maior complexo educacional do sertão paraibano.

UM PATOENSE NO GOVERNO DA PARAÍBA

De 1971 a 1975, Paraíba foi administrada por Ernani Aires Sátyro e Sousa, ilustre jurista patoense, que eleito deputado federal, representou a Paraíba no Parlamento Nacional, por dez legislaturas. Durante seu governo, a cidade de Patos foi bastante beneficiada. Entre as várias obras aqui realizadas, nesse período, destacam-se o ‘Fórum Municipal Miguel Sátiro’, a ‘Barragem da Farinha’, o ‘Colégio Capitão Manoel Gomes’, a ‘Unidade Administrativa Integrada’, a ‘Escola de 1º Grau Rio Branco’, além da ‘Estrada Redenção do Vale’ (trecho Patos-Itaporanga).

Ernani Sátyro, governador da Paraíba

PATOS: CELEIRO DA CULTURA E BEÇO DE GRANDES NOMES

Considerada com um dos celeiros da cultura paraibana, a cidade de Patos é terra natal de muitos expoentes do jornalismo e das letras provincianas, a exemplo de João Rodrigues Coriolano de Medeiros, Ernani Sátyro, Allyrio Meira Wanderley, Nelson Lustosa, Fátima Araújo, Flávio Sátiro Fernandes, Balila Palmeira, José Urquiza e Tarcísio Meira César, entre outros.

José Antônio Urquiza, advogado, professor universitário e escritor

Na política, sua primeira figura de projeção foi o Dr. Apolônio Zenaide Peregrino de Albuquerque, que eleito deputado provincial, estadual e federal, em várias legislaturas, presidiu a Assembléia Legislativa por duas vezes. E, ao falecer em 1908, estava eleito para o Senado da República.

Apolônio Zenaide, político e advogado patoense

Depois de Apolônio Zenaide, o patoense de maior destaque no cenário político estadual e nacional, foi o Dr. Ernani Ayres Sátyro e Sousa - ilustre jurisconsulto e homem de letras - que eleito deputado federal por várias vezes, governou a Paraíba, permanecendo em evidência até 1986, quando faleceu.
No plano cultural, durante o Governo Burity-II, através do decreto nº 5.048, de 21 de julho de 1988, foi criada em Patos a ‘Fundação Ernani Sátyro’, com o objetivo de preservar a memória de seu patrono e dinamizar a cultura no sertão paraibano.
Numa iniciativa pioneira em todo o sertão paraibano, aos 24 de outubro de 1997, fundou-se o Instituto Histórico e Geográfico de Patos, instituição que tem por finalidade promover e divulgar a pesquisa histórica e geográfica na região das Espinharas, e, que também visa resgatar os valores culturais e salvaguardar a memória histórica do povo patoense.

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Artigo publicado no jornal Correio da Paraíba, João Pessoa-PB, edição de 24 de outubro de 2005.

sábado, 21 de agosto de 2010

ARQUEOLOGIA DA PARAÍBA

AS INSCRIÇÕES RUPESTRES DE PEDRA LAVRADA

José Ozildo dos Santos

Sobre a arte rupestre no Brasil, a primeira referência nos é dada por Ambrósio Fernandes Brandão em seu livro ‘Diálogos das Grandezas do Brasil’, escrito em 1.618. Trata-se de pinturas e gravuras situadas em terras paraibanas, cujas informações foram fornecidas ao autor por Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor da Capitania da Paraíba, que visitara no dia 29 de dezembro de 1598 a localidade denominada ‘Arasoagipe’, onde foram encontradas as referidas gravuras e pinturas que, presume-se, tratar-se hoje do município de Araçagi e do rio do mesmo nome.
Diversos escritores antigos citaram as gravuras e pinturas existentes ao longo do território brasileiro como sendo testemunho de passadas civilizações, entre eles, o historiador alemão Heinrich Hamdelmann (1827-1891), em seu livro ‘História do Brasil’, publicado no final do século passado, apresenta seu ponto de vista sobre as pinturas e gravuras existentes no Brasil: “é certo, diz Hamdelmann, que na maioria dos casos, procedem tais monumentos de uma raça indiana, já desaparecida, ou emigrada para muito longe e, constituem eterno mistério, tanto para os atuais íncolas como para o branco descobridor”.
A arte rupestre no Nordeste brasileiro somente agora vem sendo assunto de estudos e pesquisas, tanto por missões brasileiras como estrangeiras. Pois, antes, constituíam apenas “atos de índios desocupados”.
Na Paraíba, a existência de sítios rupestres é grande e chega até a surpreender os estudiosos que visitam a região. Em 1892, lrineu Joffily (Notas Sobre a Paraíba) abria um parêntese para tratar do assunto: “julgamos merecer a mais séria atenção de todos os homens estudiosos, o assunto de que passamos a nos ocupar, referimo-nos aos letreiros ou inscrições que encontram em grande número de rochedos em toda a Borborema, ou antes, em toda a Paraíba”.

As inscrições de Pedra Lavadra, copiadas por Retumba

Jofilly utilizou em seu trabalho as anotações de um relatório escrito pelo engenheiro Francisco Soares Retumba que, em 1886, visitou a povoação de Pedra Lavrada e após copiar integralmente as inscrições ali existentes, concluiu: “ignoro se haverá quem possa compreender o que significam as inscrições [...]. Cumpre, pois, quanto à Paraíba, que se cuide seriamente de colecionar todas as inscrições que se encontram a miúde em nossos sertões”.
As inscrições de Pedra Lavrada, no Seridó paraibano, foram muitas vezes confundias com a Pedra de Ingá, localizada nas proximidades de Campina Grande. Segundo o professor Jacques Ramondot, as inscrições de Pedra Lavrada copiadas pelo engenheiro Francisco Retumba, conturbaram o mundo histórico-científico nos fins do século passado. Mas, lamentavelmente estas inscrições encontram-se submersas pelas águas de um açude que abastece aquele município.
Conscientemente, o engenheiro Francisco Soares Retumba documentou no papel todas as inscrições de Pedra Lavrada. Seus desenhos, que constituem o mais importante documento sobre estas inscrições, foram publicados em numerosas obras. Em 1892, após analisá-los minuciosamente, Joffily assim se expressou: “a simetria e a combinação desses sinais não podem ser lançados ao acaso; elas exprimem com certeza pensamentos humanos; são monumentos escritos de uma raça que ali habitou [...]”.

Retumba copiando as inscrições rupestres de Pedra Lavrada, por Vanderley de Brito

Atualmente, podemos encontrar ainda no município de Pedra Lavrada, três outros pequenos sítios rupestres, localizados na Serra das Flechas, em Lagamar e proximidades da cidade, respectivamente. Contudo, todos de pequeno valor arqueológico quando comparados com as inscrições copiadas por Retumba.
No sitio arqueológico localizado nas proximidades da cidade, encontramos pequenos painéis de pintura, formados por figuras antropomorfas e animais da fauna da região, bem como figuras estranhas e de dificil classificação. Na maior parte, existe predominância de desenhos geométricos, havendo algumas setas pintadas e voltadas para baixo, como se estivessem determinando a existência de algo ali enterrado.
Segundo a professora e arqueóloga Ruth Trindade de Almeida, “as gravuras e pinturas brasileiras e, em particular, as paraibanas, foram executadas pelos antigos habitantes da região - os indígenas - o que não quer dizer que tenham sido executados, obrigatoriamente, pela população que os portugueses encontraram no Brasil no século XVI. Podem ter sido obra de grupos indígenas extintos ou que não mais habitavam o local à época do descobrimento”.
A população interiorana refere-se a esses símbolos como sendo letras dos holandeses. No entanto, tal opinião é sem fundamento científico uma vez que é registrada a existência de sítios rupestres em locais nunca atingidos pelos holandeses. Datam, pois, de 1598, as primeiras informações sobre a existência de inscrições e pinturas rupestres no Brasil, muito antes, portanto, da penetração dos flamengos no Nordeste brasileiro.
No século passado, “alguns autores apoiados em equívocos e mistificações, chegaram a afirmar que as inscrições de Pedra Lavrada fossem de origem fenícia”. A idéia partiu das teorias apresentadas em 1872, por Ladislau Neto, diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro que dizia ter achado inscrições de caracteres fenícios numa pedra encontrada na localidade denominada Pouso Alto, nas proximidades do rio Paraíba.
Na época, o mundo científico da Europa e das Américas foi abalado. No entanto, ninguém soube precisar exatamente onde a referida pedra tinha sido encontrada, se na vizinhança do Paraíba do Norte ou Paraíba do Sul.
No início do presente século a teoria apresentada por Ladislau Neto foi reforçada pelo ilustre professor austríaco Ludwig Schwennhagen, que esteve na vila de Pedra Lavrada-PB, em 1926, onde realizou pesquisas para esclarecimento das inscrições rupestres ali existentes.
Os resultados dos trabalhos do professor Schwennhagen foram publicados, inicialmente em 'A União’, de João Pessoa-PB, edição de 12 de janeiro de 1926 e transcritos posteriormente pela ‘Pacotilha’, de São Luís-MS (26-01-1926) e por último, pela ‘A República’, de Natal-RN (31-01-1926).
Em seu trabalho, o professor Schwennhagen apresenta uma tradução do livro do historiador grego Tiodoro da Sicília, o divulgador dos périplos fenícios, afirmando que foram os fenícios os primeiros habitantes do Velho Mundo a descobrirem a América. Para ele, “1.100 anos antes de Cristo os fenícios partiram de Cartago via Cabo Verde para Dacar e daí atravessaram o Oceano Atlântico e chegaram ao Brasil [...]”.
Ainda segundo aquele pesquisador, esta expedição foi realizada a mando do Faraó Necao, do Egito e dela tomaram parte alguns engenheiros egípcios. Um dos argumentos apresentados a favor desta ‘teoria’ é a suporta semelhança entre os símbolos rupestres existentes no interior do Brasil e o alfabeto fenício.
No entanto, a professora Ruth Trindade de Almeida afirma que “até aqui, os achados arqueológicos não revelaram vestígios da passagem de fenícios pelo Brasil. E se quisesse sustentar a tese de fenícios como povoadores do continente americano, as dificuldades seriam maiores uma vez que o período áureo da história daquele povo situa-se no tempo compreendido entre os séculos X e VII a.C. e em datas muitíssimo anteriores, já foi registrada a presença do Homem em nosso continente”.
Desta forma, aquela estudiosa paraibana afasta por completo a idéia de serem os fenícios os autores das inscrições rupestres encontradas no território brasileiro - e em especial, na Paraíba - aceitando como verdadeiro que seus principais executores foram os indígenas.
Entretanto, apesar da arqueologia brasileira negar a existência de inscrições fenícias em qualquer parte do país, Byron Longman (Descobridores Esquecidos do Novo Mundo), informa que as inscrições colhidas por Ladislau Neto, na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, e aquelas de Pouso Alto, constituem, realmente, caracteres fenícios. Essas conclusões partiram do professor Cyrus H. Gordon, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, que em 1968, “confirmou a interpretação de Neto, argumentando que certas características do estilo púnico, desconhecidas dos investigadores do século XIX, confirmavam a sua autenticidade”.
As inscrições de Pedra Lavrada foram descobertas no final do século XVIII, pelos primeiros desbravadores que ali apontaram, em busca de terras propícias à lavoura e à criação de gado. Na época, a ribeira do Seridó já se destacava por sua fertilidade, servindo de estímulo à fixação do homem naquela região. Os blocos de gneiss cobertos de símbolos dos mais variados formatos, serviram como fonte toponomástica, fazendo com que os primeiros povoadores da região batizassem o lugar com o nome de ‘Pedra Lavrada’.
As inscrições de Pedra Lavrada, registrada por Retumba, infelizmente hoje submersas, guardam consigo seu ignorado significado. Expressam, sem dúvidas, sentimentos, idéias de um povo que ali habitou. É uma página da nossa pré-história, que como outras inscrições brasileiras, se decifradas, poderão nos oferecer noções exatas sobre a “origem ainda desconhecida do homem americano”.
________________
Artigo publicado na ‘Revista Tudo’, suplemento especial do ‘Diário da Borborema’, Campina Grande-PB, edição de domingo, 16 de dezembro de 1990.

DOM JOAQUIM ANTÔNIO DE ALMEIDA

O PRIMEIRO BISPO DE NATAL



José Ozildo dos Santos

F
igura da maior expressão da história eclesiástica norte-riograndense, Dom Joaquim Antônio de Almeida nasceu aos 17 de agosto de 1868, na fazenda Barra de Pajuçara, zona rural do antigo município de Goianinha, Província do Rio Grande do Norte, sendo o sétimo e último filho do casal José Antônio de Almeida e Antônia Maria de Almeida. No dia 3 de outubro seguinte, recebeu o sacramento do batismo na Capela do Comum, localizada a três quilômetros da fazenda onde nascera, tendo como oficiante o padre Manoel Ferreira Borges, vigário da freguesia de Goianinha. Seu pai, tenente da antiga Guarda Nacional, em 1872, adquiriu a propriedade “Benfica”, onde passou a residir com sua família.
Em sua própria casa e com um professor particular, o menino Joaquim aprendeu as primeiras letras, tendo concluído o curso primário numa escola pública, regida pelo professor Antônio Corsino Lopes de Macedo, na vila de Goianinha. Vocacionado para o sacerdócio, tratou de aprender os rudimentos da língua latina com o padre Idalino Fernandes de Sousa, à época, vigário de Goianinha.
Em 1885, matriculou-se no Colégio Diocesano de Olinda, iniciando ali o curso humanístico. No entanto, acometido de beribéri, foi obrigado a retornar ao lar paterno. Em 1889, com a saúde refeita, ingressou no Seminário Maior de Fortaleza, recebendo a tonsura clerical e as ordens menores em novembro de 1892. Um ano depois, o bispo diocesano dom Joaquim José Vieira, conferiu-lhe a ordem maior do diaconato, ordenando-lhe sacerdote no dia 2 de dezembro de 1894.
Retornando ao Rio Grande do Norte, dezesseis dias após sua ordenação, o jovem sacerdote celebrou sua primeira missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, em sua terra natal, oportunidade em que foi saudado gratulatoriamente pelo padre Waldevino Nogueira, membro do clero cearense, que veio ao nosso Estado, exclusivamente para participar daquela solenidade.
Convidado por dom Adauto de Miranda Henriques, o jovem padre Joaquim de Almeida foi servir à Diocese da Paraíba, investindo-se nas funções de professor do recém-criado seminário da capital paraibana, onde por falta de outros docentes, passou a lecionar as disciplinas de Geografia, Escritura e Liturgia, Francês, Teologia Moral e Eloqüência Sagrada.
Mais tarde, tornou-se diretor espiritual (1895-1897) e reitor do referido seminário (1898-1906). Por suas virtudes, dedicação e zelo ao magistério e ao ministério sacerdotal, foi distinguido com o título de cônego honorário do cabido da catedral paraibana, aos 20 de agosto de 1896. Espírito incansável, de 1904 a 1905, realizou “uma peregrinação pelas cidades, vilas, povoados e fazendas da Paraíba e do Rio Grande do Norte, para obter auxílios pecuniários em favor do Seminário Diocesano”.
Na Paraíba, além das funções já mencionadas, o cônego Joaquim Antônio de Almeida foi consultor diocesano, vigário geral da catedral de Nossa Senhora das Neves e colaborador d’A Imprensa’, jornal católico que circulava naquele Estado. Ainda em 1905, foi agraciado com o título de monsenhor e aos 19 de janeiro do ano seguinte, foi escolhido para ocupar o recém-criado bispado do Piauí. E, nomeado através da Bula Cunetis ubique, pelo Papa Pio X, tornou-se o primeiro sacerdote norte-riograndense a ascender ao episcopado.

Dom Joaquim Antônio de Almeida
  
Sua sagração episcopal ocorreu no dia 4 de fevereiro daquele ano de 1906, na catedral de Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa - antiga Cidade da Parahyba do Norte - tendo com sagrante dom Júlio Tontti, Núncio Apostólico do Brasil, e, como consagrantes, dom Adauto de Miranda Henrique e dom Luís de Brito, este último, bispo de Olinda-PE.
Conhecedor das dificuldades que ia enfrentar no Piauí, para ali seguiu levando em sua companhia seis padres, dois subdiáconos, cinco cléricos portadores das ordens menores, dois teólogos, setes filósofos e três preparatorianos. Sua posse naquela Diocese, ocorreu aos 12 de março daquele mesmo ano, “entre ruidosas manifestações de carinho e fraternidade”.
Dedicado e zeloso em suas funções, em pouco tempo, Dom Joaquim visitou as dez paróquias de sua Diocese. Em Teresina, ainda em meados de 1906, fundou o Seminário Diocesano Sagrado Coração de Maria e criou “um jornal para defender a doutrina cristã”, além de um colégio diocesano, na cidade de Parnaíba.
Entretanto, sua permanência naquele bispado não foi muito tranqüila. A diocese possuía um patrimônio, que foi doado por um casal português - a fazenda Piracuruca. No entanto, seus antigos moradores negaram-se a restituir à Diocese o referido patrimônio e “fizeram o possível para incompatibilizar o governo do Estado com o bispo”.
Ameaças surgiram. O jovem bispo, sem elementos e meios de defesa, entregou sua sorte a Deus, após ter conhecimento de que, por trás de tudo, “havia um plano diabólico, o Palácio Episcopal seria assaltado” e ele “seria preso e embarcado em canoa no Rio Parnaíba, navegando algumas milhas era simulado um naufrágio e morreria em conseqüência do acidente”.
O incidente somente não ganhou maiores proporções, porque seus incitadores, temeram a reação da comunidade católica. Por outro lado, o Dr. Anísio de Abreu, governador do Piauí, que desde o princípio deu sólido apoio aos antigos habitantes da fazenda Piracuruca, afastou-se do cargo por problemas de saúde.
O vice-governador em exercício, Dr. Antônio Freire, “passou a ser o maior desvelado amigo de Dom Joaquim e por intermédio do padre Manoel Barreto, resolveu o caso do patrimônio de Piracuruca, que teve solução pacífica e conciliatória”. Entretanto, esta questão, “teve grande repercussão em todo o país, no Senado Federal e na Câmara. Pessoas insuspeitas afirmavam que o Dr. Nilo Peçanha, então presidente da República, telegrafara ao governador do Piauí, recomendando-lhe que fizesse respeitar a autoridade eclesiástica”.
Criada a Diocese de Natal, Dom Joaquim foi designado primeiro bispo do Rio Grande do Norte e assim, nessa condição, retornou ao seu Estado, aportando na capital potiguar n’O Manaus, no final da tarde do dia 11 de junho de 1911, sendo recebido e saudado por uma multidão de quase sete mil pessoas, ao som da Banda de Música do antigo Batalhão de Segurança, tendo à frente o governador do Estado, Dr. Alberto Maranhão, além de várias autoridades civis e militares.
Na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, foi saudado pelo cônego João Evangelista de Castro, vigário da freguesia. Após as solenidades de posse, no antigo “salão róseo do Palácio do Governo”, o Dr. Alberto Maranhão ofereceu um banquete ao bispo, seus acompanhantes e vários convidados ilustres.
Satisfeito com a recepção obtida de seus co-estaduanos, Dom Joaquim fez publicar no extinto ‘Diário do Natal’ - edição de 17 de junho de 1911 - a seguinte nota: “Impossibilitado de agradecer individualmente a todos que compareceram a nossa recepção e posse solene, vimos do alto da imprensa testemunhar, como nosso primeiro ato, profundos reconhecimentos aos nossos diocesanos em geral e, em particular, aos seus principais representantes”.
Instalada a nova diocese, tratou de estruturar o clero potiguar: criou logo o Seminário de ‘São Pedro’, entregando sua direção ao renomado monsenho Alfredo Pegado; repassou o Colégio Diocesano “Santo Antônio” à direção dos padres da Sagrada Família, e o “Santa Luzia”, de Mossoró, a um grupo de franciscanos oriundo de Portugal. Durante seu episcopado - que durou apenas quatro anos - realizou visitas a todas as paróquias de sua diocese, fazendo-se sempre acompanhado por grande número de auxiliares.
No Rio Grande do Norte, Dom Joaquim ordenou nove sacerdotes, que passaram a servir à diocese, tendo ainda criado a Paróquia de Taipú, sob a invocação de Nossa Senhora do Livramento, por decreto diocesano datado de 18 de abril de 1913, nomeando, como seu primeiro vigário, o padre Jefferson Urbano Rodrigues da Rocha, seu antigo auxiliar na diocese do Piauí.
Em maio de 1915, encontrava-se em visita à Paróquia de Canguaretama, quando, subitamente, foi acometido por um derrame cerebral. Retornando a Natal, ficou preso ao leito e achando-se impossibilitado de continuar à frente de sua diocese, renunciou o sólio episcopal no dia 15 de junho daquele mesmo ano, passando à condição de bispo titular do Lari. Tempos mais tarde, na busca de cura para seus males, viajou ao Rio de Janeiro, onde, aparentemente, se refez.
Retornando ao Rio Grande do Norte, Dom Joaquim fixou residência em seu sítio “Belo Horizonte”, no município de Goianinha. Resignatário, em 1918, aceitou o convite que lhe foi formulado por Dom Adauto, passando a residir no Palácio Episcopal, na capital paraibana. Orador fluente, tornou-se missionário, pregando o evangelho nos sertões da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, sempre atraindo multidões para ouvir suas palavras, seus ensinamentos. Desempenhou tal papel até o limite de suas forças físicas.
Doente, passou a residir em Bom Conselho-PE, numa casa de religiosos e ali esteve de 1935 a 1944. E, próximo a completar bodas de ouro de sua ordenação sacerdotal, resolveu voltar ao Rio Grande do Norte, para festejá-las na mesma matriz onde celebrou sua primeira missa - em Goianinha - sua terra natal.
Velho, cego, movendo-se pelos braços alheios, mas lúcido, Dom Joaquim de Almeida chegou à cidade de Macaíba, na companhia de alguns familiares, em princípios de dezembro de 1944. Aparentemente refeito da longa viagem, seguiu para Goianinha, na manhã do dia 17. No dia seguinte, celebrou suas bodas de ouro sacerdotais, realizando o grande desejo de sua vida. Retornando à Macaíba, passou a residir em casa de sua irmã Ana de Almeida Macedo. No seio familiar, entre uma rede e uma cadeira velha, viveu seus últimos dias de vida.
Barbas longas e brancas, Dom Joaquim possuía um aspecto místico e messiânico. Mantendo sempre a lucidez, celebrava de memória uma missa votiva à Nossa Senhora. Praticamente, viveu seus últimos dias de esmolas. Espírito humilde e caridoso, ainda dividia o pouco que chegava as suas mãos com os mais necessitados, que buscavam seus conselhos.
Enquanto viveu em Macaíba, “manteve certa mania pela terapêutica caseira, distribuindo garrafas medicinais por ele preparadas”, não faltando quem não o incluísse no rol dos taumaturgos. Por fim, faleceu naquela cidade, na tarde de um domingo, dia 30 de março de 1947, após sofrer “o martírio de uma enfermidade longa, aborrecida e incurável; isolando-se de si mesmo, numa época em que a Igreja cuidava pouco de seus padres doentes e imprestáveis”.
Havia celebrado sua última missa no dia 28 daquele infausto mês. O vigário de Macaíba, para a realização da procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos, montou um altar em frente a casa onde residia Dom Joaquim e convidou-o para fazer o sermão do encontro.
No entanto, o velho prelado não encontrou forças para atender aquele pedido. Da janela de sua casa, viu com os olhos da alma, o cortejo religioso que passava pela rua. Horas depois, recolhido à sua velha cadeira, morria à semelhança de Samuel, o último dos Juízes de Israel.
Na manhã do dia 31, iniciaram-se os preparativos para seus funerais. Decretado feriado municipal por três dias, o corpo de Dom Joaquim foi levado para a Igreja Matriz e ali o povo macaibense, entre sentimentos compungidos e lágrimas, rendeu sua última homenagem ao primeiro bispo do Rio Grande do Norte. Seu corpo foi encomendado pelo monsenhor João da Mata Paiva (vigário-geral da diocese de Natal), auxiliado pelo padre João Weberck (vigário de Macaíba) e às 12:00 horas foi sepultado no Cemitério Público daquela cidade, que abrigou-lhe em seus últimos momentos de vida.
Trinta dias depois, a diocese celebrou suas exéquias solenes na antiga catedral, oficiadas por Dom Marcolino, 4º bispo de Natal. Na oportunidade, o padre Francisco das Chagas Neves Gurgel - secretário do bispado - pronunciou uma célebre oração fúnebre, inspirada no II Livro da Sabedoria.
No dia 9 de fevereiro de 1951, os restos mortais de Dom Joaquim Antônio de Almeida, foram exumados e transladados para uma capela em Macaíba, onde aquele prelado havia celebrado sua missa votiva. Por fim, em 3 de março seguinte, foram transportados para a antiga Catedral de Natal e ali chegaram acompanhados por vários fiéis, autoridades, sacerdotes e familiares, além de grande massa de curiosos, conduzidos numa urna por um grupo de escoteiros, ao som de marcha fúnebre.
A referida urna foi inumada no interior da catedral, junto à capela do Santíssimo Sacramento. No local, lê-se a seguinte inscrição latina: “Hujus vitae, testis virtutis/ Fuit custas; / Utque justus, Regis magnalia”, que em português, significa: “Foi desta vida o guardião e testemunha da virtude para cantar no céu, as grandezas de Deus”.

 
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Artigo publicado no jornal ‘A Verdade’, Ano XI, nº 148, Natal-RN, edição de janeiro de 2003.

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