José Ozildo dos Santos
I - ABORDAGEM INICIAL
O regime político de um país é conhecido pela legitimidade de seu processo eleitoral. Quando este processo é levado a sério e é legítimo, permite a escolha dos dirigentes das nações e de suas células administrativas. Por outro lado, a existência de um regime ditatorial, caracteriza-se pela ausência de um processo eleitoral transparente e aberto.
Segundo o ministro José Néri da Silveira, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, “a democracia política representativa encontra no sistema eleitoral forma significativa de manifestação de sua legitimidade, quer na consistente composição e zelosa administração do cadastro de eleitores, quer no exercício, esclarecido, consciente e livre, do sufrágio, pelos que a ele habilitados, sem coação ou pressão de qualquer natureza, quer ainda na apuração dos votos, sem vício nem fraude”.
Por eleição, pode-se entender como sendo o processo mediante o qual, um grupo social, escolhe seus governantes ou representantes, por meio do voto, cuja conceituação jurídica depende das normas constitucionais que o definam, em cada país.
O exercício do voto é um dos direitos fundamentais do cidadão. É, por meio dele, que o indivíduo participa do poder público e manifesta sua vontade. E, é essa faculdade que faz da instituição do sufrágio universal uma condição necessária à democracia, em nosso tempo.
Em outras palavras, num país democrático, somente pelo voto pode-se chegar ao poder, que é o maior patrimônio do povo. Nessa mesma linha de pensamento, escreveu Ortega y Gasset (La rebelión de las masas), que “a saúde das democracias, quaisquer que sejam seu tipo de grau, depende de um mínimo detalhe técnico: o processo eleitoral. Tudo o mais é secundário. Se o regime das eleições é acertado, se ajusta à realidade, tudo vai bem; se não, ainda que o resto marche otimamente, tudo vai mal”.
II - AS ORIGENS DO PROCESSO ELEITORAL
As origens do processo eleitoral encontram-se na antiguidade. No passado, pelo voto, eram escolhidos os chefes militares. Após a aclamação feita pelos guerreiros, esses chefes passavam a governar também em tempo de paz.
As referências mais antigas sobre o processo eleitoral remontam à Grécia do século IX a.C. Licurgo, lendário legislador de Esparta, definiu as regras para escolha da assembléia. Posteriormente, no século VI a.C., Sólon, legislador ateniense, tomando por base a expressão da vontade popular, traçou os primeiros fundamentos da arte da política, conseguindo um maior equilíbrio do poder, antes exercido quase com exclusividade pela aristocracia.
Senado da Roma Antiga
Nesse mesmo tempo, em Roma, foi instituída a reforma de Sérvio Túlio que favoreceu a formação de um corpo eleitoral e dos primeiros processos de votação. No entanto, tempos depois, com a implantação da monarquia autocrática de modelo oriental, as eleições caíram em desuso no mundo romano.
III - O PROCESSO ELEITORAL: DA IDADE MÉDIA AOS DIAS ATUAIS
Na Idade Média, sobressaíram as monarquias germânicas. Estas, eram teoricamente eletivas, a exemplo da monarquia visigótica. As eleições medievais foram utilizadas, sobretudo, pela igreja, embora com eleitorado muito restrito.
Nesse período da História da Humanidade, o imperador alemão e certos governantes italianos, eram escolhidos pelo voto. Entretanto, no século XIII surgiu na Inglaterra o Parlamento, fruto da fusão de duas instituições governamentais britânicas: o Grande Conselho (corpo de grão-senhores leigos e eclesiásticos, convocados para discutir com o rei assuntos de estado), e o Conselho do Rei, derivado da Curia Regis medieval, formado por conselheiros privados, em geral profissionais.
Muitos anos mais tarde, impulsionadas pelas influências oriundas da Revolução Francesa - que contagiaram todo o mundo civilizado - as eleições parlamentares passaram a ser regulamentadas e o cidadão passou a ter o seu direito de voto reconhecido.
A legislação preparatória da convocação dos Estados Gerais, elaborada na França em 1788, foi a primeira legislação completa em matéria eleitoral. Produzida por uma assembléia de notáveis, ela estabelecia os requisitos para votar e ser votado, bem como definia a composição dos poderes do estado, o número de deputados que seriam eleitos, além de outros princípios.
No mundo atual, o processo eleitoral está ligado ao sistema representativo. É através dele, que o cidadão escolhe aqueles que irão preencher os cargos legislativos e executivos. Hoje, muito mais do antes, o voto é um instrumento representativo.
IV - O PROCESSO ELEITORAL NO BRASIL
No tempo da colônia, Portugal transportou para o Brasil, o seu sistema eleitoral, traçado de acordo com a tradição ibérica vinculada às raízes romanas, cujas eleições restringiam-se aos municípios. Nessa época da História de nosso país, apenas uma parcela qualificada do povo participava do governo, deliberando sobre os assuntos da comunidade e julgando as causas de competência dos conselhos.
Com as Ordenações Afonsinas, os municípios foram unificados e os ‘homens bons’ integrantes dos conselhos municipais, passaram a ser chamados de ‘vereadores’. Por sua vez, os antigos alvazis, ou alcaides, constituíram-se em juízes ordinários, eleitos pelos ‘homens bons’ e confirmados pelo rei.
Nesse mesmo período da história pátria, somente eram votantes as pessoas gradas ou aqueles que houvessem exercido cargos na administração local. Deve-se registrar que os ‘homens bons’, eram qualificados pela linhagem, bens que possuíam e participação na burocracia civil e militar. Tais ‘qualidades’, faziam com que o círculo de eleitores e elegíveis fosse por demais pequeno e fechado.
Registra a História, que a primeira eleição no Brasil sob moldes modernos, inspirados pelo liberalismo, foi realizada para escolha dos deputados às cortes constituintes de Lisboa, em 1821. Tal processo espelhou-se no sistema da constituição espanhola de 1812 - a chamada ‘Constituição de Cádiz’ - que foi provisoriamente adotada em Portugal e dele, foram excluídos do corpo de eleitores os cidadãos que tinham renda insignificante.
Durante todo o Império, com poucas modificações, tal modelo foi preservado no Brasil. No entanto, em 1881, por um acordo dos partidos políticos existentes na época, os analfabetos puderam participar pela primeira vez dos pleitos eleitorais.
V - O VOTO FEMININO NO BRASIL
Reconhecidamente, a aceitação do voto feminino foi uma grande vitória do direito eleitoral, que generalizou-se no século XX, graças ao movimento pela liberação social da mulher. Os Estados Unidos, berço de várias organizações feministas, a exemplo da National Woman Suffrage Association (Associação Nacional para o Sufrágio Feminino) e da American Woman Suffrage Association (Associação Americana para o Sufrágio Feminino) - unificadas em 1890 sob o nome de National American Woman Suffrage Association (Associação Nacional Americana para o Sufrágio Feminino) - foi também berço do primeiro partido feminista: o National Woman's Party. Naquele país, em 1920, pela primeira na História da Humanidade, institui-se o voto feminino.
Celina Guimarães, primeira eleitora do Brasil
Ainda na década de 1920, o voto feminino passou a ser amplamente discutido no Brasil. Dentre os estados brasileiros, a primazia do voto feminino cabe ao Rio Grande do Norte. Foi ali, que no governo do Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros - ilustre educador e magistrado - que se institui pela primeira vez, no Brasil, o sufrágio feminino. Consolidando essa conquista, no dia 25 de novembro de 1927, a professora Celina Guimarães Viana inscreveu-se como eleitora no município de Mossoró, tornando-se a primeira mulher em toda a América Latina a conquistar a cidadania.
Celina Guimarães votando em Mossoró (1928)
No período de reconstitucionalização em que viveu o Brasil após a Revolução Estatizada de 1930, o voto feminino só foi reconhecido, no sistema federal, mediante a aprovação do código eleitoral de 1933. Antes, porém, na constituinte de 1890-1891, o sufrágio feminino chegou a ser aprovado em primeira discussão. No entanto, a intervenção dos positivistas pôs abaixo tal proposição, “sob a alegação de que a atividade política não era honrosa para a mulher”.
VI - O DIREITO DE VOTO NA ATUAL CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
A atual Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu art. 14, estipula que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos; facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos; e vedado aos estrangeiros e conscritos, durante o período de serviço militar obrigatório.
Além de estender o direito de voto aos maiores de 16 e menores de 18 anos, a Carta Magna vigente trouxe de volta o voto do analfabeto, extinto no Brasil há cem anos. Para alguns, foi um retrocesso, para outros, uma conquista. Insiro-me no segundo, pois acredito que o fato de não saber ler não tira do homem a sua cidadania, que pode melhor ser exercida quando se tem o domínio da leitura.
Além de estender o direito de voto aos maiores de 16 e menores de 18 anos, a Carta Magna vigente trouxe de volta o voto do analfabeto, extinto no Brasil há cem anos. Para alguns, foi um retrocesso, para outros, uma conquista. Insiro-me no segundo, pois acredito que o fato de não saber ler não tira do homem a sua cidadania, que pode melhor ser exercida quando se tem o domínio da leitura.
Na atualidade, o critério da escolha eleitoral não se funda no saber literário, e sim, na informação veiculada nos meios de comunicação de massa. E essa informação proporciona ao analfabeto o exercício consciente de seu direito de voto. Deve-se registrar que a recusa ao voto do analfabeto corresponderia a uma forma disfarçada e indireta de voto censitário, extinta pela Constituição de 1988.
VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao Estado, cabe o dever e a obrigação de proporcionar condições dignas de vida a todos os seus cidadãos. Inclusive, permitindo que todos tenham um melhor acesso à educação. Pois, é através do processo educativo, que o individuo capacitar-se para a vida, para o exercício de sua cidadania.
No mundo globalizado, hoje em moda, o conhecimento é indispensável para o exercício da cidadania. As profundas mudanças pelas quais vem passando o mundo, exigem do homem domínio de conhecimento e capacidade de discernimento no atual modelo social.
Ao nosso entender, tais mudanças ampliaram a competência do Estado. Hoje, o simples aperfeiçoamento do sistema eleitoral, não possibilita o exercício pleno do direito do voto. É preciso que a sociedade seja melhor educada e informada para o exercício da cidadania. Só assim, teremos cidadãos possuidores de visão crítica e comprometidos com o futuro da coletividade.
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Publicado no jornal ‘A Voz do Povo’, Patos-PB, edição de setembro de 2006.
Parabéns. Excelente matéria!
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