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sábado, 21 de agosto de 2010

DOM JOAQUIM ANTÔNIO DE ALMEIDA

O PRIMEIRO BISPO DE NATAL



José Ozildo dos Santos

F
igura da maior expressão da história eclesiástica norte-riograndense, Dom Joaquim Antônio de Almeida nasceu aos 17 de agosto de 1868, na fazenda Barra de Pajuçara, zona rural do antigo município de Goianinha, Província do Rio Grande do Norte, sendo o sétimo e último filho do casal José Antônio de Almeida e Antônia Maria de Almeida. No dia 3 de outubro seguinte, recebeu o sacramento do batismo na Capela do Comum, localizada a três quilômetros da fazenda onde nascera, tendo como oficiante o padre Manoel Ferreira Borges, vigário da freguesia de Goianinha. Seu pai, tenente da antiga Guarda Nacional, em 1872, adquiriu a propriedade “Benfica”, onde passou a residir com sua família.
Em sua própria casa e com um professor particular, o menino Joaquim aprendeu as primeiras letras, tendo concluído o curso primário numa escola pública, regida pelo professor Antônio Corsino Lopes de Macedo, na vila de Goianinha. Vocacionado para o sacerdócio, tratou de aprender os rudimentos da língua latina com o padre Idalino Fernandes de Sousa, à época, vigário de Goianinha.
Em 1885, matriculou-se no Colégio Diocesano de Olinda, iniciando ali o curso humanístico. No entanto, acometido de beribéri, foi obrigado a retornar ao lar paterno. Em 1889, com a saúde refeita, ingressou no Seminário Maior de Fortaleza, recebendo a tonsura clerical e as ordens menores em novembro de 1892. Um ano depois, o bispo diocesano dom Joaquim José Vieira, conferiu-lhe a ordem maior do diaconato, ordenando-lhe sacerdote no dia 2 de dezembro de 1894.
Retornando ao Rio Grande do Norte, dezesseis dias após sua ordenação, o jovem sacerdote celebrou sua primeira missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, em sua terra natal, oportunidade em que foi saudado gratulatoriamente pelo padre Waldevino Nogueira, membro do clero cearense, que veio ao nosso Estado, exclusivamente para participar daquela solenidade.
Convidado por dom Adauto de Miranda Henriques, o jovem padre Joaquim de Almeida foi servir à Diocese da Paraíba, investindo-se nas funções de professor do recém-criado seminário da capital paraibana, onde por falta de outros docentes, passou a lecionar as disciplinas de Geografia, Escritura e Liturgia, Francês, Teologia Moral e Eloqüência Sagrada.
Mais tarde, tornou-se diretor espiritual (1895-1897) e reitor do referido seminário (1898-1906). Por suas virtudes, dedicação e zelo ao magistério e ao ministério sacerdotal, foi distinguido com o título de cônego honorário do cabido da catedral paraibana, aos 20 de agosto de 1896. Espírito incansável, de 1904 a 1905, realizou “uma peregrinação pelas cidades, vilas, povoados e fazendas da Paraíba e do Rio Grande do Norte, para obter auxílios pecuniários em favor do Seminário Diocesano”.
Na Paraíba, além das funções já mencionadas, o cônego Joaquim Antônio de Almeida foi consultor diocesano, vigário geral da catedral de Nossa Senhora das Neves e colaborador d’A Imprensa’, jornal católico que circulava naquele Estado. Ainda em 1905, foi agraciado com o título de monsenhor e aos 19 de janeiro do ano seguinte, foi escolhido para ocupar o recém-criado bispado do Piauí. E, nomeado através da Bula Cunetis ubique, pelo Papa Pio X, tornou-se o primeiro sacerdote norte-riograndense a ascender ao episcopado.

Dom Joaquim Antônio de Almeida
  
Sua sagração episcopal ocorreu no dia 4 de fevereiro daquele ano de 1906, na catedral de Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa - antiga Cidade da Parahyba do Norte - tendo com sagrante dom Júlio Tontti, Núncio Apostólico do Brasil, e, como consagrantes, dom Adauto de Miranda Henrique e dom Luís de Brito, este último, bispo de Olinda-PE.
Conhecedor das dificuldades que ia enfrentar no Piauí, para ali seguiu levando em sua companhia seis padres, dois subdiáconos, cinco cléricos portadores das ordens menores, dois teólogos, setes filósofos e três preparatorianos. Sua posse naquela Diocese, ocorreu aos 12 de março daquele mesmo ano, “entre ruidosas manifestações de carinho e fraternidade”.
Dedicado e zeloso em suas funções, em pouco tempo, Dom Joaquim visitou as dez paróquias de sua Diocese. Em Teresina, ainda em meados de 1906, fundou o Seminário Diocesano Sagrado Coração de Maria e criou “um jornal para defender a doutrina cristã”, além de um colégio diocesano, na cidade de Parnaíba.
Entretanto, sua permanência naquele bispado não foi muito tranqüila. A diocese possuía um patrimônio, que foi doado por um casal português - a fazenda Piracuruca. No entanto, seus antigos moradores negaram-se a restituir à Diocese o referido patrimônio e “fizeram o possível para incompatibilizar o governo do Estado com o bispo”.
Ameaças surgiram. O jovem bispo, sem elementos e meios de defesa, entregou sua sorte a Deus, após ter conhecimento de que, por trás de tudo, “havia um plano diabólico, o Palácio Episcopal seria assaltado” e ele “seria preso e embarcado em canoa no Rio Parnaíba, navegando algumas milhas era simulado um naufrágio e morreria em conseqüência do acidente”.
O incidente somente não ganhou maiores proporções, porque seus incitadores, temeram a reação da comunidade católica. Por outro lado, o Dr. Anísio de Abreu, governador do Piauí, que desde o princípio deu sólido apoio aos antigos habitantes da fazenda Piracuruca, afastou-se do cargo por problemas de saúde.
O vice-governador em exercício, Dr. Antônio Freire, “passou a ser o maior desvelado amigo de Dom Joaquim e por intermédio do padre Manoel Barreto, resolveu o caso do patrimônio de Piracuruca, que teve solução pacífica e conciliatória”. Entretanto, esta questão, “teve grande repercussão em todo o país, no Senado Federal e na Câmara. Pessoas insuspeitas afirmavam que o Dr. Nilo Peçanha, então presidente da República, telegrafara ao governador do Piauí, recomendando-lhe que fizesse respeitar a autoridade eclesiástica”.
Criada a Diocese de Natal, Dom Joaquim foi designado primeiro bispo do Rio Grande do Norte e assim, nessa condição, retornou ao seu Estado, aportando na capital potiguar n’O Manaus, no final da tarde do dia 11 de junho de 1911, sendo recebido e saudado por uma multidão de quase sete mil pessoas, ao som da Banda de Música do antigo Batalhão de Segurança, tendo à frente o governador do Estado, Dr. Alberto Maranhão, além de várias autoridades civis e militares.
Na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, foi saudado pelo cônego João Evangelista de Castro, vigário da freguesia. Após as solenidades de posse, no antigo “salão róseo do Palácio do Governo”, o Dr. Alberto Maranhão ofereceu um banquete ao bispo, seus acompanhantes e vários convidados ilustres.
Satisfeito com a recepção obtida de seus co-estaduanos, Dom Joaquim fez publicar no extinto ‘Diário do Natal’ - edição de 17 de junho de 1911 - a seguinte nota: “Impossibilitado de agradecer individualmente a todos que compareceram a nossa recepção e posse solene, vimos do alto da imprensa testemunhar, como nosso primeiro ato, profundos reconhecimentos aos nossos diocesanos em geral e, em particular, aos seus principais representantes”.
Instalada a nova diocese, tratou de estruturar o clero potiguar: criou logo o Seminário de ‘São Pedro’, entregando sua direção ao renomado monsenho Alfredo Pegado; repassou o Colégio Diocesano “Santo Antônio” à direção dos padres da Sagrada Família, e o “Santa Luzia”, de Mossoró, a um grupo de franciscanos oriundo de Portugal. Durante seu episcopado - que durou apenas quatro anos - realizou visitas a todas as paróquias de sua diocese, fazendo-se sempre acompanhado por grande número de auxiliares.
No Rio Grande do Norte, Dom Joaquim ordenou nove sacerdotes, que passaram a servir à diocese, tendo ainda criado a Paróquia de Taipú, sob a invocação de Nossa Senhora do Livramento, por decreto diocesano datado de 18 de abril de 1913, nomeando, como seu primeiro vigário, o padre Jefferson Urbano Rodrigues da Rocha, seu antigo auxiliar na diocese do Piauí.
Em maio de 1915, encontrava-se em visita à Paróquia de Canguaretama, quando, subitamente, foi acometido por um derrame cerebral. Retornando a Natal, ficou preso ao leito e achando-se impossibilitado de continuar à frente de sua diocese, renunciou o sólio episcopal no dia 15 de junho daquele mesmo ano, passando à condição de bispo titular do Lari. Tempos mais tarde, na busca de cura para seus males, viajou ao Rio de Janeiro, onde, aparentemente, se refez.
Retornando ao Rio Grande do Norte, Dom Joaquim fixou residência em seu sítio “Belo Horizonte”, no município de Goianinha. Resignatário, em 1918, aceitou o convite que lhe foi formulado por Dom Adauto, passando a residir no Palácio Episcopal, na capital paraibana. Orador fluente, tornou-se missionário, pregando o evangelho nos sertões da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, sempre atraindo multidões para ouvir suas palavras, seus ensinamentos. Desempenhou tal papel até o limite de suas forças físicas.
Doente, passou a residir em Bom Conselho-PE, numa casa de religiosos e ali esteve de 1935 a 1944. E, próximo a completar bodas de ouro de sua ordenação sacerdotal, resolveu voltar ao Rio Grande do Norte, para festejá-las na mesma matriz onde celebrou sua primeira missa - em Goianinha - sua terra natal.
Velho, cego, movendo-se pelos braços alheios, mas lúcido, Dom Joaquim de Almeida chegou à cidade de Macaíba, na companhia de alguns familiares, em princípios de dezembro de 1944. Aparentemente refeito da longa viagem, seguiu para Goianinha, na manhã do dia 17. No dia seguinte, celebrou suas bodas de ouro sacerdotais, realizando o grande desejo de sua vida. Retornando à Macaíba, passou a residir em casa de sua irmã Ana de Almeida Macedo. No seio familiar, entre uma rede e uma cadeira velha, viveu seus últimos dias de vida.
Barbas longas e brancas, Dom Joaquim possuía um aspecto místico e messiânico. Mantendo sempre a lucidez, celebrava de memória uma missa votiva à Nossa Senhora. Praticamente, viveu seus últimos dias de esmolas. Espírito humilde e caridoso, ainda dividia o pouco que chegava as suas mãos com os mais necessitados, que buscavam seus conselhos.
Enquanto viveu em Macaíba, “manteve certa mania pela terapêutica caseira, distribuindo garrafas medicinais por ele preparadas”, não faltando quem não o incluísse no rol dos taumaturgos. Por fim, faleceu naquela cidade, na tarde de um domingo, dia 30 de março de 1947, após sofrer “o martírio de uma enfermidade longa, aborrecida e incurável; isolando-se de si mesmo, numa época em que a Igreja cuidava pouco de seus padres doentes e imprestáveis”.
Havia celebrado sua última missa no dia 28 daquele infausto mês. O vigário de Macaíba, para a realização da procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos, montou um altar em frente a casa onde residia Dom Joaquim e convidou-o para fazer o sermão do encontro.
No entanto, o velho prelado não encontrou forças para atender aquele pedido. Da janela de sua casa, viu com os olhos da alma, o cortejo religioso que passava pela rua. Horas depois, recolhido à sua velha cadeira, morria à semelhança de Samuel, o último dos Juízes de Israel.
Na manhã do dia 31, iniciaram-se os preparativos para seus funerais. Decretado feriado municipal por três dias, o corpo de Dom Joaquim foi levado para a Igreja Matriz e ali o povo macaibense, entre sentimentos compungidos e lágrimas, rendeu sua última homenagem ao primeiro bispo do Rio Grande do Norte. Seu corpo foi encomendado pelo monsenhor João da Mata Paiva (vigário-geral da diocese de Natal), auxiliado pelo padre João Weberck (vigário de Macaíba) e às 12:00 horas foi sepultado no Cemitério Público daquela cidade, que abrigou-lhe em seus últimos momentos de vida.
Trinta dias depois, a diocese celebrou suas exéquias solenes na antiga catedral, oficiadas por Dom Marcolino, 4º bispo de Natal. Na oportunidade, o padre Francisco das Chagas Neves Gurgel - secretário do bispado - pronunciou uma célebre oração fúnebre, inspirada no II Livro da Sabedoria.
No dia 9 de fevereiro de 1951, os restos mortais de Dom Joaquim Antônio de Almeida, foram exumados e transladados para uma capela em Macaíba, onde aquele prelado havia celebrado sua missa votiva. Por fim, em 3 de março seguinte, foram transportados para a antiga Catedral de Natal e ali chegaram acompanhados por vários fiéis, autoridades, sacerdotes e familiares, além de grande massa de curiosos, conduzidos numa urna por um grupo de escoteiros, ao som de marcha fúnebre.
A referida urna foi inumada no interior da catedral, junto à capela do Santíssimo Sacramento. No local, lê-se a seguinte inscrição latina: “Hujus vitae, testis virtutis/ Fuit custas; / Utque justus, Regis magnalia”, que em português, significa: “Foi desta vida o guardião e testemunha da virtude para cantar no céu, as grandezas de Deus”.

 
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Artigo publicado no jornal ‘A Verdade’, Ano XI, nº 148, Natal-RN, edição de janeiro de 2003.

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