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domingo, 14 de outubro de 2012

A LITERATURA LATINA E SEUS PRINCIPAIS EXPOENTES - I

José Ozildo dos Santos


A
 literatura latina foi menos original que a grega. No entanto, ela possui certas particularidades. Os escritores romanos além de seguirem quase todos os modelos literários de seus predecessores, interessavam-se por temas menos abstratos e mais práticos, de tendências humanistas e realistas.
Num contexto geral, entende-se por literatura latina toda a produção literária escrita em latim, desde a organização social do povo romano (época em que o latim era língua viva), até o período medieval e o Renascimento, quando o latim passou a ser utilizado por muitos outros povos para a divulgação dos escritos relacionados aos rituais religiosos, à educação e à administração pública.
Definido como língua culta, o latim foi o idioma empregado pela filosofia e pela ciência durante toda a Idade Média europeia e até meados do século XVIII. Essa condição fez com que a literatura latina exercesse forte influência sobre a cultura ocidental.
Em termos estilísticos, a evolução da literatura latina acompanhou o curso dos acontecimentos históricos ligados ao Império Romano. Essa estreita relação fez com os pesquisadores dividissem a literatura latina em quatro fases distintas: a antiga, a época de Cícero, a idade de ouro (também denominada de fase contemporânea de Augusto), e a idade de prata. Essa última fase, prolongou-se até a morte de Adriano.
No entanto, outros pesquisadores, acrescentam a essas fases clássicas as manifestações literárias do baixo Império Romano e as da época medieval. Entretanto, deve-se registrar que na Idade Média o latim foi utilizado menos pelo valor literário do que por necessidades da teologia, da doutrina e da filosofia.

I - A LITERATURA LATINA NO PERÍODO ANTIGO

A produção literária latina do período antigo é pouco conhecida. Nessa primeira fase de sua história, a influência helênica não era ainda tão significativa.
As primeiras obras literárias produzidas em latim foram os carmina (cantos), escritos em versos. Alguns desses cantos eram de inspiração religiosa, a exemplo do ‘carmen saliare’ e do ‘carmen arvale’. Outros estavam mais próximos do épico, como os ‘elogia’ (elogios), os ‘carmina connivalia’, os ‘carmina triumphalia’ e as ‘neniae’ (cantos fúnebres).
Havia também os malum carmen e os carmen famosum, a poesia satírica, que, a exemplo dos carmina fescennina e da fábula atelana, foram, também, formas rudimentares de expressão dramática nos primórdios da literatura latina. No entanto, o início da literatura latina propriamente dita deu-se quando se firmou o estreito intercâmbio com a cultura helênica.
O primeiro grande nome da literatura latina foi Lúcio Lívio Andrônico (284-204 a.C). Originário de Tarento, colônia grega conquistada, foi vendido como escravo a um membro da família Livia, de quem herdou o nome. Autor de tragédias e comédias (inclusive do primeiro drama representado em Roma, no ano 240 a.C., para comemorar a vitória romana sobre Cartago), Lúcio Lívio é considerado o fundador da poesia e do teatro épico em Roma. Além de ter introduzido na literatura romana a métrica grega, traduziu a ‘Odisséia’, de Homero para o latim. De sua produção poética, restam apenas fragmentos.
Outro grande expoente da literatura latina no período antigo foi Cneu Névio, que também viveu no século III a.C. Criador de peças baseadas em fatos históricos e nas lendas da Roma antiga, Cneu participou da primeira guerra púnica, que retratou-a numa epopéia, a ‘Bellum poenicum’ (Guerra púnica), considerada o primeiro poema épico latino.
Ainda nessa primeira fase da literatura latina surgiram os ‘Annales’ (Anais), uma epopeia histórica escrita por Quinto Ênio, que conta a história de Roma desde os tempos lendários até meados do século III a.C. Ênio, que ficou conhecido como criador da literatura romana, escreveu também tragédias e poesias de inspiração filosófica e moral. Épico, dramaturgo e crítico, foi ele quem criou e aperfeiçoou uma forma de expressão poética (verso hexâmetro) que alcançou sua maior beleza com Virgílio.
A comédia e a tragédia latinas tiveram inspiração grega. Nesse período de formação da literatura latina, Eurípedes foi o dramaturgo grego mais imitado pelos autores latinos, a exemplo de Lívio Andrônico, Névio, Ênio e Marco Pacúvio.
A comédia romana conquistou maior popularidade do que a tragédia. Com raízes firmadas no modelo da nova comédia grega criada por Menandro, a comédia latina além de primar pelo o humor, contava com a representação de personagens populares. Entre os principais expoentes desse gênero literário, encontram-se nomes como Mácio Plauto (na segunda metade do século III a.C.) e Públio Terêncio Áfer, que escreveram somente fabulae palliatae, ou seja, comédias adaptadas ou traduzidas da nova comédia grega.
Em sua curta existência, Terêncio (c.195 a.C. - c.159 a.C.) escreveu somente seis comédias, que foram representadas em Roma entre 166 e 160 a.C. Tais obras foram preservadas em sua totalidade. Cronologicamente, suas produções literárias podem ser ordenadas da seguinte forma: ‘Andria’ (166 a.C.; A mulher de Andros), ‘Hecyra’ (165 a.C.; A sogra), ‘Heauton timoroumenos’ (163 a.C.; O castigador de si mesmo), ‘Eunuchus’ (161 a.C.; O eunuco), ‘Phormio’ (161 a.C.; Fórmio) e ‘Adelphi’ (160 a.C.; Os irmãos).
Ao contrário do que fez Plauto, Terêncio não tentou romanizar ou vulgarizar suas tramas. Em suas comédias, empregou forma literária refinada. Por isso, sua produção literária é considerada um modelo da língua latina, tendo exercido influência duradoura no teatro ocidental.
Depois de Terêncio não se criaram novas comédias, embora tenha-se mantido o hábito da encenação teatral. No entanto, muito tempo depois, Lúcio Aneu Sêneca retomou a prática interrompida dessa arte.
Ainda nessa fase da literatura latina, outro tipo de composição importante foi a sátira, cujas origens, genuinamente latinas, são bastante antigas. Esse gênero literário teve como principal expoente Caio Lucílio, que dela serviu-se para fustigar os vícios de seu tempo.
A primeira obra de grande significação na prosa latina foi ‘Lex XII tabularum’ (A lei das 12 tábuas). Escrita em estilo extremamente conciso e datada de 451-450 a.C., ‘Lex XII tabularum’ é a mais antiga codificação da lei romana antiga.
Logo após a segunda guerra púnica, a narrativa histórica começou a ser cultivada, graças à contribuição dos analistas, entre os quais destaca-se Marco Pórcio Catão, dito o Censor, considerado um dos mais originais.
Ferrenho defensor da tradição romana contra a influência helenista, Catão foi autor de ‘Origines’, primeira história latina de Roma e de ‘De agricultura’ (Sobre a agricultura). Dessa primeira produção literária, sobreviveram apenas alguns fragmentos. Homem de reconhecida cultura, Marco Pórcio Catão destacou-se também na arte da oratória, na qual, recebeu a influência das diferentes escolas.
Outros nomes que também sobressaíram na oratória, ainda na segunda metade do século II a.C., foram Caio e Tibério Graco (irmãos, que, como discursos inflamados, mobilizaram multidões), Lúcio Licínio Crasso e Marco Antônio. Esses dois últimos são considerados os maiores oradores romanos antes de Cícero.
II - A LITERATURA ROMANA NA ÉPOCA DE CÍCERO

Entre 88 a.C. e 44 a.C., registrou-se o apogeu da literatura latina. Esse período - caracterizado por turbulências políticas - também assinalou dois fatos importantes na história romana: início das guerras civis e o assassinato de Júlio César,
Nesta fase da literatura latina - que ficou conhecida com ‘a época de Cícero - surgiu um grupo de poetas tradicionalmente conhecidos como poetae novi (poetas novos), que, retomando o estilo dos poetas alexandrinos, escreveram peças de extrema concisão e apuro formal.
Entre os ‘poetas novos’, a figura de maior projeção foi Caio Valério Catulo. Autor de poemas eruditos, notabilizou-se por seus poemas de amor e exerceu grande influência sobre as gerações posteriores.
Nesse mesmo período, Roma conheceu o poeta Tito Lucrécio Caro, que, à margem do movimento desenvolvido pelos ‘poetas novos’, escreveu ‘De rerum natura’ (Sobre a natureza das coisas), obra considerada o primeiro grande poema didático da literatura latina. Em seu livro Lucrécio expõe sua concepção epicurista sobre o universo, defendendo a tese sobre a inutilidade de temer a morte.
Nessa fase da literatura romana, não se registrou a produção de novas tragédias ou comédias. No entanto, o teatro romano continuou a representar as antigas peças. Autores como Décimo Labério e Publílio Siro ficaram famosos difundindo as ‘pantomimas’, produção literária semelhante às farsas, mas completamente diferente das atuais ‘pantomima’.
Durante a época de Cícero a literatura romana registrou uma excepcional evolução na prosa, com destaque, especialmente, para a historiografia e a retórica, que chegaram a uma perfeição estilística tão significativa, que muitos de seus autores se tornaram clássicos, a exemplo de Júlio César, autor de ‘De bello galico’ (Sobre a guerra aos gauleses), que introduziu o modelo de narrativa de episódios militares, e, Caio Salústio Crispo, autor de ‘Bellum Jugurthinum’ (A guerra de Jugurta) e de ‘De coniuratione Catilinae’ (Sobre a conjuração de Catilina).
Aos olhos da crítica atual, como historiador, Júlio César mostrou-se conciso, breve e interessante. No entanto, escreveu com intenção apologética. Crispo, embora possuísse um estilo narrativo elegante, foi monógrafo sentencioso em sua produção histórica.
Salústio, seguindo o estilo criado pelo escritor grego Tucídides, deu a sua produção histórica uma concepção dramática. Preocupado em analisar as causas dos acontecimentos, Salústio descreveu com precisão a decadência da sociedade e dos costumes, além de ter denunciado a corrupção que abalava as instituições romanas de sua época.
Como historiadores desse período, Cláudio Quadrigário, Valério Antias e Cornélio Nepos, são também dignos de registros. Esse último, em sua obra principal, incluiu uma série de biografias de renomadas figuras romanas e estrangeiras.
Autor de obras enciclopédicas denominadas ‘Antiquitates’, Marco Terêncio Varrão é um nome que consta entre os historiadores eruditos, desse período da história da literatura latina. Muito citados entre os antigos, os escritos de Terêncio Varão perderam-se com o tempo. Deles, conservaram-se apenas fragmentos.
Sérvio Sulpício deu uma notável contribuição à jurisprudência latina, nesse período. É importante registrar que durante a época de Cícero, a oratória romana se consagrou. Surgiu um grande número de oradores, que passaram a ser agrupados segundo suas tendências.
A escola neo-ática, que tinha uma linha sóbria e era ao mesmo tempo clara e desprovida de artifícios, teve como principais expoentes Caio Licínio Calvo, Marco Júnio Bruto e o próprio Júlio César. Entre os membros da escola asiática, que preconizava um estilo mais rebuscado, projetaram-se Quinto Hortênsio Hortalo e Marco Antônio.
A terceira escola - a de Rodes - que caracterizou-se por ser  eclética e moderadora, teve como expoente máximo Marco Túlio Cícero, considerado o maior orador romano e a personalidade máxima da literatura latina.
Falando ou escrevendo, Cícero possuía o atecismo da palavra, encantando plateias. Em seus primeiros discursos, trabalhou o estilo da escola asiática. Com o passar dos tempos, adotou depois a forma de Rodes. No entanto, produziu também peças oratórias do tipo ático.
Considerado o pai da eloquência latina, o maior orador da Roma antiga, possuidor de uma vasta bibliografia, Cícero deixou inúmeros discursos jurídicos (pronunciados no tribunal, na qualidade de defensor ou promotor) e políticos (feitos no Senado). Entre estes últimos, encontram-se as célebres ‘Catilinárias’.

4 comentários:

  1. Caro Ozildo,

    O artigo é bastante interessante e faz não só uma síntese da literatura, dos autoras como da forma como se procedia à época, situando-nos no contexto das letras greco-romana.
    Mas gostaria ver algo mais contemporâneo, como a continuidade do seu belo trabalho sobre as SESMARIAS DA PARAHYBA, transcritas do livro de Lyra Tavares.

    Um forte abraço,

    Rau Ferreira
    Blog HE

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  2. Olá Ozildo, voc~e poderia me indicar onde consigo mais informações sbre a comédia latina????E qual a principal diferença desta para a grega???Obrigada,
    Maitê Matheus

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  3. Se você gosta de fontes antigas, procure o livro 'Bosquejo historico da litteratura classica, grega, latina e portugueza, para uso das escholas', escrito por Antônio Cardoso Borges Figueiredo e publicado em Coimbra, no ano de 1846. E uma boa leitura.

    É só acessar:
    http://books.google.com.br/books?id=9AU1AQAAMAAJ&pg=PA83&dq=com%C3%A9dia+latina&hl=pt-PT&sa=X&ei=V_GGUf_BE6i20QGVhYGwDA&ved=0CD4Q6AEwAg#v=onepage&q=com%C3%A9dia%20latina&f=false

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