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sábado, 23 de outubro de 2010

CORIOLANO DE MEDEIROS - O IMORTAL


José Ozildo dos Santos


De família humilde, Coriolano de Medeiros nasceu a 30 de novembro de 1875, no sítio ‘Várzea das Ovelhas’, localizado às margens do Riacho Cipó, no sopé da Borborema, em território do atual município de Santa Terezinha, à época, sobre a jurisdição de Patos, Província da Paraíba. Filho do casal Aquilino Coriolano de Medeiros e Joana Maria da Conceição, pelo lado paterno, era neto do professor Francisco Herculano de Medeiros, primeiro tabelião público e primeiro mestre-escola da Vila de Patos, e, pelo materno, descendia do cearense Cosme Vieira da Silva, patriarca da família ‘Vieira’, no sertão das Espinharas, de quem era bisneto.
Em 1877, sua família oprimida pela terrível seca que assolava o sertão, transferiu-se para a capital paraibana, onde, pouco tempo depois, faleceu seu genitor, acometido de sezão. Anos mais tarde, sua mãe contraiu novo matrimônio com o senhor Vitorino da Silva Coelho Maia, que, com carinho e apreço, contribuiu fortemente para a formação do pequeno Coriolano, futuro grande homem das letras paraibanas, que embora tenha se consagrado como ‘Coriolano’, retificava que a grafia correta de seu prenome era CARIOLANO - aliás, era como o chamava seu grande amigo Monsenhor Walfredo Leal - pois procedia do tribuno romano Caio Márcio. Daí, aduzia, Carioles - Cariolano”.

Coriolano de Medeiros

Na antiga cidade de Nossa Senhora das Neves, o jovem Coriolano fez seus estudos básicos. Inicialmente, freqüentou uma escola particular, localizada na Praça de Nossa Senhora Mãe dos Homens, regida pela professora Cecília Cordeiro. Seguidamente, foi aluno dos renomados professores Antônio Ribeiro Guimarães e Manoel Fortunato. Em 1891, no Liceu Paraibano, concluiu o antigo curso de preparatórios. No ano seguinte, aos dezessete anos de idade, matriculou-se na tradicional Faculdade de Direito do Recife, onde cursou até o terceiro ano.
Sem vocação para a ciência de Ulpiano, abandonando o curso jurídico, dedicou-se à vida comercial, passando a trabalhar como caixeiro da ‘Tabacaria Peixoto’, fazendo, nessa profissão, “todas as etapas de balconista e comerciante estabelecido”.
Na maturidade, em seu círculo de amigos, Coriolano de Medeiros revelou que seu maior sonho na mocidade era tornar-se médico ou oficial da Marinha. Entretanto, não lastimava o malogro de suas as­pirações, chegando a confessar: "não retenho muitas recordações da minha juventude; ela passou por mim, sem que eu percebesse”.
Adolescente, ingressou no mundo das letras, participando, ao lado de Neves Júnior e José Manoel dos Anjos, da redação do periódico A União Tipográfica’, no qual publicou seu primeiro artigo, intitulado ‘Coesão da Classe’, pugnando pela solidariedade entre os tipógrafos. Foi nesse pequeno jornal que Coriolano de Medeiros também estreou como poeta.
Ainda na última década do século XIX, por duas vezes tentou ingressar no serviço público e embora tenha conseguido o primeiro lugar nos concursos que submeteu-se - o primeiro para Oficial de Descarga da Alfândega e o segundo, para Postulante dos Correios - foi substituído por outros pretendentes, indicados pela política da época. Por esse tempo, nesse último órgão, coube-lhe algumas substituições eventuais, “quando algum funcionário licenciava-se ou faltava ao serviço”, percebendo a metade do salário do titular do referido respectivo cargo.
Em 1898, faleceu seu padrasto, cabendo-lhe a responsabilidade total de manter a família. Por esse tempo, abriu uma aula de primeiras letras na Rua São José, hoje Desembargador Arquimedes Souto Maior, em João Pessoa. E, por vários anos, manteve-se às custas do magistério particular.
Amante da boa música, era ainda muito moço quando passou a integrar o corpo de instrumentista da ‘Banda do Clube Astréa’, na capital paraibana. E, “tal era o prestígio que desfrutava no seio de seus colegas, que a 29 de setembro de 1901, em frente ao Clube Astréa, à Rua Direita, hoje Duque de Caxias, foi homenageado através de uma retreta programada pela própria banda e que figurava no programa a Schottisch denominada ‘Coriolano de Medeiros’, composição do mestre Manuel Maneleu a ele dedicada”.
Entretanto, alegando afazeres particulares, deixou o referido grupo orfeônico. Mas, em 1902, convidado por Eduardo Fernandes e pelos maestros Elias Pompílio e Plácido Cezar, tornou-se membro-fundador do ‘Club Symphonico da Parahyba’, que foi a primeira orquestra sinfônica tabajara.

Coriolano e Eulina de Medeiros

No dia 29 de julho de 1905, Coriolano de Medeiros desposou a pianista Eulina de Medeiros Rolim - viúva do Dr. Joaquim Gonçalves Rolim, ex-juiz de Cajazeiras - com quem conviveu durante 47 anos “numa ininterrupta felicidade conjugal”. Entretanto, de seu casamento não houve filhos. Em sua residência, costumava organizar saraus artísticos, dos quais participavam várias figuras ilustres da sociedade paraibana.
Em 1909, no Governo João Lopes Machado, foi nomeado escriturário da Escola de Aprendizes Artífices, galgando, em 1922, a direção do referido estabelecimento, cargo no qual se aposentou. De sua autoria, é a letra do hino da referida escola, musicado pelo maestro Severino Gomes e entoado pela primeira em 1925.
Em 1912, associado a várias figuras de prestígio no meio musical paraibano, participou da fundação do ‘Club Musical Guarany’, “associação que se destinava a incentivar a prática e gosto musical da juventude” e que teve como principal entu­siasta Otávio Golzio. Nesse mesmo ano, encenou o drama "Como se passa a Festa", representado pela primeira-vez na Praia Formosa, no dia 6 de janeiro.
Em marco de 1917, Coriolano de Medeiros instituiu um curso de matemática, destinado à preparação técnica dos sócios da Associação dos Empregadores do Comércio da Paraíba, que serviu como núcleo formativo da Academia de Comércio ‘Epitácio Pessoa’. Assim, aos 4 de setembro de 1921, na qualidade de presidente do AECP, coube-lhe a honra de dar “ciência à casa da próxima fundação da Academia de Comércio que a Associação pretendia manter”, proferindo, mais tarde, a aula magna quando da instalação da referida instituição educativa.
Homem de reconhecido valor, em 1928, teve seu nome lembrado para ocupar o cargo de Secretário Geral do Estado, no Governo João Pessoa. No entanto, devido à sua ligação política com monsenhor Walfredo Leal - que lhe conseguiu o emprego na Escola de Aprendizes Artífices - foi vetado por Epitácio Pessoa, à época, líder supremo da política paraibana, que em carta ao sobrinho, escrita de Haia, assim justificou-se: "tenho a impressão de que foi sempre nosso ad­versário e não é de feitio para o cargo; parece melhor deixar onde estava já que não pode ir para a Biblioteca e não há um Instituto Históri­co Oficial".
Jornalista de grande escol, considerado o melhor discípulo de Artur Aquiles, participou do corpo redacional de ‘O Comércio’ (1900), onde escrevia o suelto, a notícia, o artigo de fundo, cuidava da parte financeira, da distribuição e dos problemas pessoais do opera­riado”. Colaborador d‘A União’, fundou a revista ‘A Filipéia’, hebdomadário “literário, agrícola, político, religio­so, científico, artístico, industrial e humanístico”, cujo primeiro número circulou a 2 de julho de 1905, tendo como principais redatores Artur Aquiles, Neves Júnior, Castro Pinto e Francisco Barroso. Nove anos mais tarde, fez circular o Jornal do Comércio’, diário que defendia os interesses das classes produtoras, eqüidistante dos par­tidos.
E, durante a histórica campanha de 1915 - que marcou o rompimento entre os senadores Walfredo Leal e Epitácio Pessoa - gerenciou o Diário do Estado’, órgão de propaganda política walfredista, que teve como redatores vários nomes de destaques no cenário político estadual, a exemplo de Antônio Sã, Isidro Gomes, Leonardo Smith, José Américo, Ro­drigues de Carvalho, Seráfico Nóbrega Sênior, Heráclito Caval­cante e o cônego Matias Freire.
Professor nato, educador da velha têmpera, sectário das punições justas, lecionou em várias escolas da capital paraibana e exerceu seu ofício até o limite de suas forças físicas, encerrando sua carreira docente no ano de 1948, dando suas últimas aulas na ‘Escola Underwood’, em João Pessoa, iluminado pela luz da inteligência, pois, a essa época, já havia perdido a visão.
De sua genitora, ainda menino, Coriolano de Medeiros ouviu as mais belas e fascinantes histórias, lendas e fatos do sertão paraibano, que despertaram-lhe a vontade de conhecer a região onde nascera. Em 1888, ainda adolescente, visitou a Vila de Patos, oportunidade em que observou e colheu as primeiras impressões, que mais tarde seriam reveladas em seus livros.

Cap do principal livro de Coriolando de Medeiros

Pesquisador incansável da história e das tradições do sertão paraibano, em 1914, através da Imprensa Oficial Estadual, Coriolano de Medeiros lançou a primeira edição do seu Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba’, que foi bastante elogiado pela crítica da época e que ainda hoje, constitui-se numa das maiores fontes de pesquisa sobre a terra tabajara e que teve uma segunda tiragem em 1950, patrocinada pelo Ministério da Edu­cação/Departamento de Imprensa Nacional, com introdução de Augusto Mayer, diretor do Instituto Nacional do Livro. Dizia aos seus amigos íntimos, que “perdera a visão no grande esforço que fizera manuseando velhos documentos”, atualizando a referida obra, para sua segunda edição.
Homem sincero, em 1922, numa entrevista a Analice Caldas - que empreendeu uma sugestiva enquet­te, destacando as figuras da intelectualidade paraiba­na - Coriolano de Medeiros revelou-se “um cidadão temente a Deus, realizado, des­prendido, compreensivo e destituído de ambição”. Feliz e ciumento “o quanto se pode ser”, admitiu também que aspirava ter “a bondade de Cristo e a paciência de Job”.
Educador, jornalista, poeta, ensaísta, historiador, romancista e folclorista, Coriolano de Medeiros deu uma grande e valiosa contribuição à literatura paraibana. Faleceu a 25 de abril de 1974, aos 98 anos de idade, em sua residência localizada à Rua do Sertão, 232, Bairro do Cordão Encarnado, na capital paraibana, onde permaneceu recolhido após perder a visão.
Sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (1905), do Centro Literário Paraibano, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância (1912), da Associação de Homens de Letras, da Universidade Popular da Paraíba e da Academia Paraibana de Letras (onde ocupou a cadeira nº 7 e foi seu primeiro presidente), João Rodrigues Coriolano de Medeiros pertenceu a várias outras instituições culturais do país, na condição de sócio correspondente, a exemplo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e de Sergipe, do Centro Polimático de Natal, do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano e do Centro de Ciências e Letras de Campinas (SP).
Amante da boa leitura, entre os autores estrangeiros, apreciava Balzac, Zola, Camões e Guerra Junqueiro, preferindo José de Alencar, Aluísio de Azevedo, Machado de Assis, Coelho Neto, Castro Alves e Olegário Mariano, entre os nacionais. Freqüentemente, fazia referências aos conterrâneos Augusto dos Anjos, Rodrigues de Carvalho, Perilo d'Oliveira e Silvino Ola­vo, juntando-os a Inácio da Catingueira e Francisco Romano Caluête.
Musicólogo por vocação, apreciava os seguintes compositores eruditos: Carlos Gomes, Verdi, Charles Gounod e Alberto Nepomuceno.
Preso à sua província, a mais longa viagem empreendia por Coriolano de Medeiros foi a Maceió, para visitar o compadre e confrade Jaime D'alta-Vila. E, “por duas vezes recusou insistentes convites do Interventor Argemiro de Figueiredo, para ir à Holanda, com todas as despesas pagas pelo Estado a fim de coligir documentos para a história da Paraíba”.
Possuidor de uma inteligência ímpar, “Coriolano de Medeiros foi um bom retratista de ambientes, de usos e costumes e deixou um acervo precioso, especialmente no campo da historio­grafia regional”. Em sua preciosa bibliografia destacam-se os seguintes livros: ‘Diccionário Chorográfico do Estado da Parahyba’ (1914); ‘Do Litoral ao Sertão’ (contos, 1917); Resenha Histórica da Escola de Aprendizes Artífices do Estado da Paraíba do Norte’ (memórias, 1922); ‘O Tesouro da Cega’ (drama, 1922) ‘Maestros Que Se Foram’ (biografias, 1925); ‘O Barracão’ (romance, 1930); ‘Manaíra ou nas Trilhas da Conquista do Sertão’ (novela, 1936); ‘A Evolução Social e Histórica de Patos’ (1938); ‘O Tambiá da Minha Infância’ (memórias, 1942); ‘Sampaio’ (memórias, 1958), além do verbete ‘Estado da Paraíba’, para o ‘Diccionário Histórico, Geográfico e Ethonográgico do Brasil’, publicado pela Imprensa Nacional (Rio, 1922). Deixou ainda valiosa contribuição literária, publicada em vários jornais e revistas - que ascende a mais de três centenas de artigos e estudos - lamentavelmente ainda não reunida em merecidos volumes.
Idealizador e arquiteto da Academia Paraibana de Letras, “seu nome é sem dúvida, o ponto culminante daquela organização cultural”. Sobre sua pessoa, um dos mais importantes depoimentos nos foi legado pelo Cônego Francisco Lima, seu confrade e amigo, que em sessão realizada na Academia Paraibana de Letras, na noite de 30 de novembro de 1965, assim se pronunciou: “É um testemunho de nossa vida his­tórica e política, de nossas realizações sócio-culturais durante todo o regime republicano e boa parte do recente, apático, frio, mas um temperamento vivo, interessado pela terra e pelo homem, vi­brante de civismo nos grandes momentos em que esplende o amor à gleba. Os velhos jornais, as antigas revistas, as veneráveis po­lianteias dos nossos museus literários assim no-lo revelam o Co­riolano mestre; o Coriolano historiógrafo se não historiador; o Co­riolano beletrista com uma contribuição relevante nos domínios da literatura de ficção; o Coriolano jornalista assinando crônicas de substância e colorido, a que não faltava o chiste, a sátira inocente a personagem e os costumes da cidade”.
Culto e simples, o mestre Coriolano possuía uma visão universalista e soube de forma grandiosa, transmitir às gerações futuras, magníficos tesouros de sua sabedoria. Amigo da mocidade, à semelhança de Sócrates, era um homem sensível as lagrimas e viveu uma vida longa e tranqüila.
No campo da historiografia, ele deixou ensinamentos que projetaram-o como ‘mestre e autorizado intér­prete’ dos fatos da história paraibana. E, pela grandeza e dimensão cultural de sua obra, será sempre lembrado como um dos maiores expoentes das letras de seu Estado. Pois, seu legado fecundo, constitui uma obra imortal, tanto quanto ele.

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