ASPECTOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO
DE EMAS - PARAÍBA (I)
José Ozildo dos Santos
O desbravamento do território que viria a formar o município de Emas (1), prende-se ao ciclo da criação do gado e constitui-se num capítulo especial da história do Sertão do Piancó, cuja efetiva ocupação teve início ainda no final do século XVII, promovida por bandeirantes paulistas e baianos, vindos do São Francisco, que dividiram aquelas terras entre si. Naquela época, todo o sertão do Piancó era habitado por tribos indígenas, pertencentes à grande nação tarairiús, verdadeiros tapuias do Nordeste, que desde os primórdios da colonização se opuseram à penetração lusa e à conquista de suas terras.
Aqueles índios dividiam o sertão paraibano com os cariris, com os quais, muitas vezes foram confundidos. Nação formada por muitas tribos, os tapuias praticavam o endocanibalismo, ou seja, comiam seus próprios parentes, alegando “que não havia lugar melhor para guardar os seus do que dentro de si mesmo” (2).
Possuidores de uma grande altura, força e coragem, corriam como um cavalo, alimentando-se basicamente de mel de abelha, “que habilmente tiravam das árvores e misturavam com o pó moído dos ossos de seus mortos, para beber”(3).
Habitavam o Sertão do Piancó as tribos Coremas, Panatis e Icó, e, especialmente no local onde se ergue hoje a cidade de Emas, os Coremas.
No entanto, a presença do elemento branco desbravador provocou forte reação entre indígenas da região, que se uniram e resistiram à penetração luso-brasileira, dando início à chamada 'Guerra dos Bárbaros'. E, para combater os índios rebelados nas guerras da conquista do sertão, as autoridades régias não só requisitaram os serviços dos paulistas, como também, chegou-se a institucionalizar alguns terços paulistas, como foi o caso do liderado por Manoel Álvares de Moraes Navarro, na capitania do Rio Grande.
À época, os paulistas eram vistos como homens capazes de suportar as asperezas do sertão, bem como fazer frente, pela experiência que tinham adquirido, aos 'índios bravos' da região. Vale destacar, que os terços paulistas eram formados em sua maioria por índios recrutados junto às vilas do litoral ou mesmo no sertão.
Com a submissão total dos silvícolas, ocorrida nas primeiras décadas do século XVIII, surgiram muitas fazendas de gado na região, núcleos iniciais das várias cidades, que integraram o vastíssimo município de Piancó, até o início da segunda metade do século passado. Tais núcleo de ocupação humana derivaram da “conjugação do elemento religioso, representado pela edificação de uma capela, como o elemento econômico, apoiado na criação do gado” (4).
Assim, inicialmente surgia a fazenda e nela, com o tempo, era construída uma pequena capela, em redor da qual, surgiam algumas casas, dando, assim, início a um pequeno arraial.
A princípio, quase todas as terras localizadas na Ribeira do Piancó foram concedidas a Francisco D'Ávila Lins, senhor e proprietário da famosa Casa da Torre, na Bahia. Tais terras, no sertão paraibano, eram administradas por procuradores, entre os quais figuraram os irmãos Oliveira Ledo.
Estas terras foram concedidas à Casa da Torre, na própria Bahia, pelo Vice-rei do Brasil, causando alguns embaraços ao governo da capitania da Paraíba, de forma que poucas foram as concessões de sesmarias feitas no Sertão de Piancó até a primeira metade do século XVIII, pelo governo local. E, muitas destas, diziam respeito à legalização da posse das terras, adquiridas por compra aos herdeiros da mencionada Casa da Torre.
Um exemplo disto é a Fazenda Várzea do Ovo que foi adquirida por Luís Mendes de Sá (6), em 1740. Segundo um documento da época, a referida fazenda, localizava-se às margens do Rio dos Porcos, seguindo pelo "rio acima e abaixo (Rio Piancó), que a divide... parte do nascente com a Serra Branca, de poente com o Sítio do Genipapo, do norte com a Serra do Campo Grande e do sul com as serras do Cortume" (7).
Aos 27 de outubro de 1748, um certo Bento Alves de Figueiredo, alegando ser "morador no sertão chamado Riacho dos Porcos, districto de Piancó desta capitania, diz que possue a dezoito annos um sitio de terras de crear gados e lavouras no mesmo riacho onde chamão S. Francisco, nas quaes terras tem feito outra povoação chamada Olho D'agua em que habita com a sua familia, tende as arrematado em praça em exeução que se fazia a Felippe Delgado, nem este e nem outra pessoa alguma lhe entregou data das dias terras nem consta que o haja de todas, nem de parte das ditas terras" solicitou a concessão das ditas terras, medindo "tres leguas de comprido e uma de largo, fazendo peão no pé do serrote de S. Francisco legua e meia para leste e legua e meia para oeste, rio acima, com meia legua para cada banda do dito serrote para baixo do dito serrote para cima, com toda largura de uma legua para a parte do sul que vae entestar com o sitio do Cravatá que já tem povoação do supplicante chamada Estivas" (8).
O território do atual município de Emas é constituído por partes das datas (sesmarias) da Várzea do Ovo e Campo Grande. Pelo demonstrado, Bento Alves de Figueiredo já se encontrava no território do futuro município de Emas desde 1730. Possivelmente, tenha sido um dos vários vaqueiros vindos da Bahia, contratados pelos herdeiros da Casa da Torre (9).
Outra particularidade mostrada por essa sesmaria é que a antiga Fazenda Várzea do Ovo pertenceu inicialmente a um certo Felipe Delgado. Em 1752, o alferes Felix Barbosa e dona Maria dos Prazeres Ponce de Leon, solicitou a concessão de umas terras no sertão do Piancó, que se limitavam com a data dos Oliveira Ledo, pelo norte e com a Serra Branca e com a Várzea do Ovo, pelo leste (9).
Serra do Campo Grande
Aos 20 de março de 1757, dona Severina Vieira, viúva do capitão Luís Mendes de Sá, em petição endereçada ao governo da Capitania da Paraíba, alegou "que tinha seos gados e lavouras no sítio de Varzea do Ovo, daquelle logar, o qual sitio possuía a supplicante por si e seu defunto marido que o comprará à casa da Torre, e porque lhe poderão mover duvidas por não ter a supplicante data de sesmaria, para evita-la pretende tirar a data do dito sitio da mesma sorte tinha possuído e possuía, desde a extrema do sitio Vezinho pelo logar onde estava a Caza da Fazenda para o nascente a partir na passagem de Bento de Souza e com a Fazenda Serra no meio do Poço Chamado da Serra, para o poente entre as Varzea das Emas e dos Angicos aonde tinha um parco que partia com a Fazenda Genipapo para o norte nas serras do Riachão, para o sul na Serra da Borburema concedendo-se à supplicante tres léguas de comprido e uma de largo, fazendo da largura comprimento ou do comprimento largura, e pedia se lhe concedesse por sesmaria as ditas terras na forma confrontada conforme era costume"(10).
Em 28 de abril daquele mesmo ano, dona Joana Maia Martins, viúva do ajudante Pedro Velho Barreto, solicitou a concessão de umas terras que se limitavam com a Fazenda Várzea do Ovo, nas proximidades do Serrote do Campo Comprido do Saco, "onde extrema com a Serra Branca e fronteiro ao mesmo Serrote com o Olho D'Água do Macaco e da parte do sul a contesta com a Serra da Borburema"(11).
Outra parte do futuro território de Emas, que também pertencia à Casa da Torre, dos D'Ávilia Lins, foi adquirida por compra feita pelo coronel João Leite Ferreira, de cuja Casa era também procurador, no Piancó e em outras ribeiras.
Em 10 de março de 1759, aquele senhor objetivando legalizar a posse de sua propriedade, requereu sua sesmaria, alegando ser morador do sertão do Piancó e possuidor de "um sítio de terras de crear gados no mesmo sertão do Piancó, chamado Campo Grande", adquirido por compra feita à Casa da Torre, através de "uma simples escriptura, sem mais outro título junto". Declarou ainda que a sesmaria pretendida media três léguas de comprimento por uma largura, "correndo o rumo direito para a parte do nascente, a entestar com a Serra Branca e a Varzea do Ovo, e pela parte do poente a entestar com o Sítio da Barra e S. Paulo, e pela parte do norte a entestar com a Serra do Olho D'Água e para o sul com o Sitio do Genipapo [...]"(12).
Baiano, o coronel João Leite Ferreira chegou ao sertão do Piancó em idos de 1755, passando a dedicar-se à lavoura e à criação de gado, administrando propriedades dos D'Ávila Lins. Casado com dona Antônia Tereza de Melo, "sua descendência imediata constava de vários filhos, cujos ramos se espalharam pelos municípios seguintes: Piancó, Conceição, Pombal e Teixeira, formando numerosos ramos genealógicos, perpetuando o nome e a lembrança das velhas raças povoadoras dos sertões nordestinos"(13).
Da mesma forma que o coronel João Leite Ferreira, alegando ter comprado à Casa da Torre e não ter título de propriedade de suas terras, João de Melo Leite solicitou a concessão das terras nas quais encontrava-se empossado, localizadas na parte do sul do pé da Serra do Campo Grande. A referida concessão foi feita em 14 de abril de 1759, pelo governador José Henrique de Carvalho (14).
Casa Grande da Fazenda Campo
Outra concessão no território que mais tarde formaria o município de Emas foi feita no dia 3 de março de 1757, a um certo José Pereira da Cruz, "morador no Sertão do Piancó", que alegou ao governo da Capitania da Paraíba que era "senhor e possuidor de um sítio de terras no dito sertão, chamado Ginipapo que tinha povoado com casas, vivendas, gado vaccum e cavallar, e que o houvera por compra, que delle tenha sido feito a mestre-de-campo, Francisco D'Avila, e como não tinha mais titulo do que a escritura de venda que se lhe havia feito, e para segurança de sua posse e domínio queria alcançar delle data de sesmarias, confrontando pela parte do nascente com o sitio - da Vargem-do-Ovo- pela vargem do Angicos e Várzea da Emas e pela parte do poente com o sítio do Peixoto e da S. Cruz, e pela parte do sul com o sitio Malhado do Boi na Lagôa do passarinho e pela parte do norte com o sitio Campo Grande pela parte da serra do mesmo sitio, servindo esta e a das Queimadas de divisão com três léguas de comprido e uma de largo"(15).
A referida sesmaria faz referência a grande parte do território emense, enumerando importantes localidades, que até o presente ainda preservam seus topônomios, a exemplo de Campo Grande, Angicos, Várzea do Ovo, Várzea da Ema e Jenipapo.
CONTINUA...
NOTAS
1 - A palavra 'emas' não possui origem no Tupi. A ema é a avestruz brasileira (Rhea americana), chamada pelos indígenas Nhandu, Nhanduí e Nhanduaçu. (SAMPAIO, Teodoro. O Tupi na Geografia Nacional. São Paulo: Editora Nacional, 1981).
2 - BORGES, José Elias. Indígenas da Paraíba: Classificação preliminar (I). Revista Cultura, n. 5, mar., 1985, pág. 35.
3 - BORGES, José Elias. Op. cit., pág. 35.
4 - OCTÁVIO, José. Igreja e igrejas na expansão setencista. In: OCTÁVIO, José (Org.). A Paraíba das origens à urbanização. João Pessoa: UFPB/FUNAPE/FCJA, 1983, pág. 90.
5 - Baiano, chegou ao sertão do Piancó, na condição de vaqueiro da Casa da Torre, instalado-se, posteriormente, na Fazenda Várzea do Ovo, ponto comum aos municípios de Emas e Catingueira. Em 1757 já era falecido.
6 - SEIXAS, Wilson. Viagem Através da Província da Paraíba. João Pessoa: A União, 1985, pág. 147.
7 - TAVARES, João de Lyra. Apontamento para a história territorial da Parahyba. Edição fac-similar. Coleção Mossoroense, vol. CCXLV. Brasília: Senado Federal, 1982, pág. 204-205.
8 - A Casa da Torre de Garcia d'Ávila, também referida como Castelo de Garcia d'Ávila, Torre de Garcia d'Ávila, Forte de Garcia d'Ávila ou simplesmente Casa da Torre, localiza-se no atual município de Mata de São João, no litoral do estado brasileiro da Bahia. Erguida sobre uma elevação na atual praia do Forte, no litoral de Tatuapara, foi, originalmente, denominada por seu proprietário como Torre Singela de São Pedro de Rates (BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo: a Casa da Torre de Garcia d'Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 32).
9 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 217.
10 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 245-246.
11 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 246.
12 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 268-269.
13 - SEIXAS, Wilson. Viagem Através da Província da Paraíba. João Pessoa: A União, 1985, pág. 147.
14 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 272.
15 - TAVARES, João de Lyra. Op. cit., pág. 272.
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