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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

CÔNEGO LEÃO FERNANDES DE QUEIROZ

A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA


José Ozildo dos Santos

O
 cônego Leão Fernandes de Queiroz foi uma figura que honrou as letras e a história eclesiástica dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Veio ao mundo aos 11 de abril de 1881, na antiga vila de Pau dos Ferros, no oeste potiguar. Foram seus pais Francisco das Chagas Fernandes e Liberalina Gomes de Queiroz. 
Batizado pelo cônego Bernardino José Fernandes de Queiroz, a 2 de maio daquele mesmo ano, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de sua terra natal, ali mesmo, cinco anos mais tarde, foi crismado pelo cônego Pedro Soares de Freitas, arcipreste da província do Rio Grande do Norte, tendo como padrinho, o padre José Paulino Duarte da Silva.
Em 1891, uma grande seca assolou o Oeste potiguar, trazendo sérios transtornos sociais aos habitantes daquela região, pondo muitos em retirada. A convite do padre José Paulino, à época, vigário de Ceará Mirim, Francisco das Chagas Fernandes transferiu-se como sua família para aquela cidade, distante do sertão e dos flagelos da seca.
Naquela época, o menino Leão Fernandes contava apenas dez anos de idade e tendo iniciado o curso primário em Pau dos Ferros, concluiu-o em Ceará Mirim, onde fez parte do antigo curso de Humanidades, sob a regência dos talentosos professores José Paulino Barroca e Zózimo Platão de Oliveira Fernandes.
Descobrindo sua vocação para o sacerdócio, ingressou no Seminário da Paraíba, em princípios de 1901. Para concretizar este seu sonho, contou desde o início com o apoio e o incentivo do padre José Paulino Duarte, que cedo viu no jovem afilhado a postura e o “conjunto de predicados morais e intelectuais”, qualidades que mais tarde pautariam a vida do grande homem de Deus e de letras, que foi o cônego Leão Fernandes, em sua curta existência.
No seminário, sob os cuidados do reitor, cônego Joaquim Antônio de Almeida - futuro 1º bispo de Natal - cedo revelou-se um dos alunos mais aplicados, merecendo elogios de colegas, professores e do próprio reitor. No entanto, “de saúde precária, não consentiam os Superiores que estudasse todo o tempo, e obedecia prontamente aos companheiros que lhe fechavam o livro, por ordem do reitor. Mesmo assim, nunca perdia o seu lugar distinto. Era consultor de todos os colegas que se sentiam atraídos pela modéstia e bondade nunca desmentidas. Mesmo sem terminar o curso, já era consultado nos debates, principalmente nos debates de filologia, em que se tornou emérito”.
Tamanha era sua eloqüência, que dois meses após ter sido admitido no Seminário, o jovem Leão Fernandes foi “escolhido por seus colegas de divisão para saudar o Reitor numa festa íntima, incumbência que se repetiu por duas vezes mais”, em seu primeiro ano como seminarista. Mais tarde, “como diácono, devidamente autorizado de D. Adauto, com quem residiu, fez sermões na Igreja do Seminário, nas matrizes do interior da Paraíba e do Rio Grande Norte”.
Sua presença, em Campina Grande, numa uma festa da Padroeira, realizada em 1906, foi lembrado pelo jornalista e escritor paraibano Hortênsio de Souza Ribeiro, num artigo publicado em ‘A União’, de 1º de outubro de 1938, que ainda cheio de emoção e admiração, assim referiu-se ao talento do jovem diácono como orador sacro : “foi da alta da cadeira sagrada, que o Padre Leão Fernandes se nos revelou. Creio que era a sua voz estentórica o único atributo que sobressaia de seu todo de menino, a que ainda mais minusculizava a sua humildade sem par. Nossa memória fiel seria capaz de repetir sendo posta em função, os trechos principais de seu notável sermão, proferido numa noite de festa, a convite do vigário Sales, diante do altar da Virgem Maria, iluminado e coberto de rosas dos jardins campinenses”.
Leão Fernandes recebeu as primeiras ordens no dia 13 de novembro de 1904 e ordenou-se sacerdote aos 10 de dezembro de 1907, num domingo, na Catedral de Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa, antiga Cidade da Parahyba do Norte, cujo ato foi oficializado pelo bispo diocesano dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques. No dia seguinte, celebrou sua primeira missa na Igreja do Seminário, onde estudara.
Em princípios de 1908, foi designado professor de português, do Seminário e do Colégio Diocesano, ambos na capital paraibana. Logo, “a sua fama de formoso cultor da Língua pátria começou então a revelar-se em toda a sua pujança, na cátedra, no púlpito e na imprensa”. Orador sacro e jornalista de notável cultura, durante longo período, foi redator do jornal ‘A Imprensa’, que circulou na cidade da Paraíba, durante as primeiras décadas do século passado.
Toda sua vida sacerdotal, desenvolveu-se no vizinho estado, a cujo clero pertenceu, somente vindo a Ceará Mirim, visitar seus familiares, em suas férias regulamentares. Por seus relevantes serviços, foi agraciado com o título de cônego do cabido diocesano da Paraíba, aos 20 de março de 1912. Antes, porém, por provisão de 15 de fevereiro daquele ano, foi designado diretor espiritual do seminário, onde era professor.
Fisicamente, o cônego Leão Fernandes era frágil. Possuía uma estatura reduzida. Era magro, de cabelos lisos e abundantes, com um olhar vivo e penetrante, apesar de seu estado sempre doentio. Em 1915, surgindo os primeiros sinais do mau que precocemente o levaria para o túmulo, foi aconselhado pelo Dr. Flávio Maroja, a afastar-se de suas atividades e procurar um outro lugar para residir.
Assim, inicialmente, esteve em Pilões, no brejo paraibano, ali demorou-se por pouco tempo. Deixando a Paraíba, em definitivo, retornou ao seu estado natal, onde “iniciou uma série de viagens, numa vã busca da pérola preciosa que perdera”.
A princípio, repousou por algum tempo em Lages, seguindo depois para a cidade de Martins. E, necessitando de um clima benfazejo, fixou residência em Angicos. Ali, agravando-se ainda mais seu estado de saúde, foi pelos médicos proibido de falar e em seus últimos dias, “escrevia, quando necessário, com uma paciência de encantar”.
Mesmo doente, o cônego Leão Fernandes encontrava forças para ouvir em confissão, ao pé de seu leito, inúmeros enfermos, trazidos de longe. Apesar de tudo “ninguém surpreendeu jamais, um gesto de impaciência no seu semblante, eternamente sereno e levemente risonho”.
Esta sua forma de ser, foi o bastante para que os angicanos, lhe proclamassem virtudes de um santo. Sua morte, ocorrida no dia 13 de setembro de 1920, entristeceu toda a cidade de Angicos, que já tinha-o como um de seus filhos. Foram cinco anos de longos sofrimentos, suportados no silêncio, alimentado pela força da fé, jamais fraquejada diante dos efeitos da tuberculose, que lhe roubou a vida. Ao morrer, “apagava-se, assim para o mundo o círio eleito que a mão de Deus acendera”.
A notícia de sua morte foi comentário em longas páginas de ‘A Imprensa’, o órgão católico paraibano, do qual fora redator. Seus discursos e sermões, que numa linguagem revestida de poesia e brilho, deram-lhe fama, foram reunidos em 1925, numa coletânea, intitulada ‘Na Seara Divina’, pelo monsenhor Pedro Anísio, seu antigo colega de seminário e companheiro de ordenação, que prefaciando o referido volume, afirmou: “só nos foi possível recolher os seus discursos, sermões e uma conferência, restando publicar muitos dos seus artigos, alguns dos quais são jóias de fino valor”.
Patrono da Cadeira nº 22, da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, em síntese, o cônego Leão Fernandes foi o exemplo perfeito de sacerdote e homem de letras, cuja melhor afirmação sobre sua conduta, pode ser encontrada em seu testamento, “obra digna de ser lida e meditada, admirada, sobre qualquer aspecto”, onde afirmou: “não tenho inimigos; mas a todos quando de qualquer modo, haja eu molestado, ofendido ou desedificado, peço por amor de Deus me perdoem”.

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Artigo publicado no jornal ‘A Verdade’, Ano XI, nº 145, Natal-RN, edição de outubro de 2002.

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