NOSSAS PRODUÇÕES
ACADÊMICAS - 16
LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS EM DEBATE
APRESENTAÇÃO
José Ozildo dos Santos
Professor Universitário
Não é preciso uma pesquisa muito aprofundada para se constatar
que os surdos, ao longo da História, não tiveram seus direitos garantidos.
Na realidade, por muito tempo, foram estereotipados e em muitas sociedades,
considerados como sendo débeis mentais ou retardados.
Existem registros históricos que revelam que em várias
civilizações antigas, os surdos eram considerados ‘não-humanos’ e
vistos como verdadeiros castigos dos deuses. E, por essa razão, deveriam ser
mortos ou deixados à própria sorte. Concepções como estas alimentaram por muito
tempo o entendimento de muitos povos, fazendo com os surdos vivessem à margem
da sociedade.
Somente após o Código de Justiniano [século VI] foi que os
surdos passaram a terem alguns direitos, desde que fossem capazes de se
comunicarem. E, para conquistarem tais direitos, os surdos oriundos das
famílias ricas passaram a ser educados através da sinalização. Assim,
pode-se afirmar que as primeiras ações de ensino, voltadas para os surdos,
foram motivadas por razões econômicas.
Foi ainda na antiga Roma que surgiram as primeiras iniciativas
voltadas para a educação dos surdos. E esta, passou a ser discutida e
construída ao longo dos séculos. A História também registra nomes
como John of Beverly, Bartolo della Marca d’Ancona, Girolamo
Cardano, Rudolf Agrícola, Pedro Ponce de León, Manuel Ramírez de
Carrión, Juan Martin de Pablo Bonet, John Wallis, Jacob Rodrigues
Péreiere, Johann Conrad Amann, Fray de Melchor Yebra, Charles Michel L’Épée,
Jean Massieu, Ferdinand Berthier, Laurent Clerc, Thomas Braidwood, Samuel
Heinicke, Tiburcio Hérnandez e Eduard Huet, dentre outros, por suas excelentes
e significativas contribuições à promoção da educação dos surdos, desenvolvendo
diferentes métodos e práticas de ensino direcionadas a esse público especial.
Convém ressaltar que Eduard Huet é o precursor da educação de
surdos no Brasil. A ele se deve a criação da primeira escola para surdos no Rio
de Janeiro - iniciativa que foi abraçada por D. Pedro II - como também a
estruturação da Língua de Sinais de Brasileira, espelhada nos moldes definidos
por Charles Michel L’Épée e aplicados no Colégio de Surdos, de Paris.
Quando se fala em língua de sinais a ideia errônea que se tem é
de trata-se de algo recente. No mundo científico, uma das mais antigas
referências às línguas de sinais data do século IV a.C. Sócrates, filósofo
grego, que viveu entre 470-399 a.C., foi o primeiro estudioso a promover uma
reflexão sobre a língua de sinais, argumentando -, segundo Platão em seu
diálogo ‘Crátilo’ -, que “se não tivéssemos voz nem língua, mas apesar
disso desejássemos manifestar coisas uns para os outros não deveríamos, como as
pessoas que são mudas, nos empenhar em indicar o significado pelas mãos, cabeça
e outras partes do corpo?”
Acolhendo as palavras de Sócrates, pode-se dizer que a língua
dos sinais há muito tempo faz parte da vida do surdo. Na realidade, é parte
dele e negar essa língua - bem como sua importância -, é negar a cidadania da
pessoa surda.
Assim, reconhecer a língua de sinais como sendo a primeira
língua do surdo, independentemente de sua nacionalidade, é abrir as portas da
sociedade à comunidade surda, incluindo-a de forma completa. É reconhecer que o
surdo tem voz. E, enquanto ser humano, é sujeito titular de todos os direitos
ditos ‘direitos humanos’.
A língua de sinais facilita a inclusão social da pessoa surda,
fazendo com esta se comunique melhor, interaja com o público ouvinte, aprenda e
amplie seus conhecimentos dentro e fora da sala de aula.
Desta forma, reconhecendo a língua de sinais como sendo um
verdadeiro instrumento facilitador da comunicação entre os surdos e, entre
estes e as pessoas ouvintes, o Estado brasileiro sancionou a Lei nº
10.463/2002, reconhecendo a Língua Brasileira de Sinais - Libras como sendo um
meio legal de comunicação e de expressão. E, ao mesmo tempo, definindo-a como a
primeira língua da comunidade surda brasileira.
Entretanto, apesar da citada lei encontrar-se em vigor há mais
de vinte anos, ainda hoje é preciso assegurar que a Libras seja a primeira
língua do surdo em nosso país, reconhecendo que este é um ser bilíngue e que o
português é a sua segunda língua. Existe também a necessidade de se transformar
a escola em palco e cenário de promoção e de valorização dos direitos do surdo.
Deve-se reconhecer também que a escola tem a missão de mostrar
[lê-se ‘ensinar’] a sociedade como incluir a pessoa surda, eliminando de seu
seio tudo aquilo possa representar ou incentivar o preconceito e a exclusão.
Entende-se que a maneira mais fácil de se fazer tudo isto é
promovendo uma completa inserção da Libras no ambiente escolar. Não
preferencialmente na educação superior. Mas, na educação básica, dando - ou
melhor, garantindo - a criança surda a oportunidade de melhor se comunicar com
seus pares, aprender e compartilhar seus conhecimentos.
Essa inserção não pode ser definida como algo precoce, mas como
algo extremamente necessário. No dia em que a escola for capaz de proporcionar
isto, reconhecidamente será um espaço para todos. E nela, a criança surda
estará no mesmo patamar ocupado pela criança ouvinte, dialogando, construindo o
seu próprio aprendizado, capacitando-se para a vida e para o exercício pleno da
cidadania.
O presente livro, produzido por professores, interpretes de
Libras e alunos surdos, mostra um pouco do longo e difícil processo enfrentado
pela comunidade surda, na luta por seus direitos, dentre os quais se inclui o
reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como sua primeira língua e como a
melhor estratégia de comunicação para os indivíduos surdos.
Link para acesso ao
nosso e-book
https://archive.org/details/li-ngua-brasileira-de-sinais-em-debate
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